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7 de out. de 2023

Mercado de crédito de carbono é aprovado no Senado

Projeto de Lei foi aprovado com a retirada das atividades primárias do agro do mercado regulado; setor atuará no mercado voluntário de carbono.

O mercado de crédito de carbono é uma forma de reduzir as emissões na atmosfera, com o estabelecimento de metas de redução, além da possibilidade de venda da quantidade excedente
Foto: Collab Media/Unsplash

A Comissão do Meio Ambiente do Senado aprovou por unanimidade na manhã desta quarta-feira, 4, o projeto de lei que regulamenta o mercado de créditos de carbono - considerado uma das prioridades do governo federal para este segundo semestre. O texto tramita em caráter terminativo, ou seja, será encaminhado diretamente à Câmara dos Deputados.

O mercado de crédito de carbono nada mais é do que uma forma de reduzir as emissões na atmosfera, com o estabelecimento de metas de redução, além da possibilidade de venda da quantidade excedente no mercado. Como o mercado ainda não é regulado, faltam regras que estabeleçam um preço único e outros balizadores para este mercado — questão que deve ser sanada com a aprovação do projeto.

A aprovação do projeto de lei (PL), que teve sua aprovação postergada por diversas vezes por divergências sobre trechos da proposta, se deu após um acordo da relatora da proposta, a senadora Leila Barros (PDT), com a bancada ruralista e com a oposição, por intermédio do governo federal.

Com o acordo, as atividades primárias do agronegócio ficaram de fora do mercado regulado, sendo oficialmente enquadradas no mercado voluntário de carbono. Assim, atividades como a plantação de cana ou a criação de gado não são obrigadas a aderir ao mecanismo e a se submeter as leis que se tornarão vigentes com a criação da regulação.

Projeto de Lei foi aprovado com a retirada das atividades primárias do agro ficando de fora do mercado regulado - Foto: Pedro França/Agência Senado / Estadão

O ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, foi inclusive ao Senado para acompanhar a votação e demonstrar o apoio público do governo à proposta e ao texto construído pela relatora.

A oposição concordou, pelo acordo firmado com a relatora após modificações finais no texto, em não apresentar um recurso para que a proposta sena analisada pelo plenário do Senado.

O projeto de lei cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que terá o objetivo de regular e fiscalizar o mercado.


Quem está sujeito ao mercado?

Estarão sujeitas às regras do SBCE empresas que emitem acima de 10 mil toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano. As empresas que emitirem mais de 25 mil toneladas de CO2 terão de seguir regras mais rígidas.

As metas nacionais serão estabelecidas por um Plano Nacional de Alocação feito pelo SBCE, que terá de acompanhar o cumprimento das metas. Caso isso não aconteça, há penalidades previstas, como a multa de até 5% no faturamento bruto da empresa.

Vale destacar que a implementação da regulação do mercado de carbono será feita de maneira gradual. Após a aprovação do texto, o governo terá até dois anos para realizar a regulamentação e depois três anos para iniciar um período de testes, com o acompanhamento das emissões ainda sem a penalização das empresas.

Para o sócio de Direito Ambiental do Cascione Advogados, Rafael Feldmann, a maior vantagem da criação de um mercado regulado é a melhor precificação do custo do carbono. "Isso ainda não existe claramente. Como é um mercado voluntário, cada um coloca o preço que quer.", afirma, destacando que isso cria um preço irreal, sem que ninguém saiba qual é o real valor daquele ativo.

"No momento que tivermos um mercado regulado, teremos uma melhor ideia com a ampliação do mercado", afirma Feldmann, destacando que outro ganho será a criação de metas próprias para zerar as emissões. Embora a maioria dos setores e empresas sigam as metas do Acordo de Paris, o especialista afirma que o mercado regulado pode contribuir com a transparência destas empresas.

"O PL tem a intenção de ser um guarda chuva. As regulamentações se darão em seguida. Ele foi positivo para conseguirmos ter um arcabouço jurídico que enderece o país com seu compromisso junto ao Acordo de Paris", disse Annie Groth, vice-presidente da Aliança Brasil NBS, associação que representa as empresas desenvolvedoras de projeto de carbono e que reúne 60% das empresas deste mercado.


Exclusão do agro

A relatora do projeto de lei, a senadora Leila Barros (PDT-DF), apresentou nesta quarta-feira, 4, a última versão de seu relatório, acatando novas sugestões, principalmente da oposição e da bancada ruralista.

Leila retirou as atividades primárias do setor agropecuário da regulamentação do SBCE. A decisão foi tomada justamente para garantir o apoio do agronegócio ao texto. O argumento do agro é que é difícil quantificar as emissões de gases de efeito estufa no setor.

Outro ponto proposto pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e acatado pela relatora é o que permite que a recomposição de Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal ou de uso restrito, conforme exigidas pelo Código Florestal, seja atividade elegível para a constituição de créditos de carbono.

A vice-presidente da Aliança Brasil NBS vê essa exclusão do setor como positiva. "Por representar um possível impedimento para a aprovação do PL, foi um ponto positivo", disse.

Para ela, apesar do setor ser responsável por cerca de 25% das emissões brasileiras, o país ainda não conta com metodologias tropicalizadas e tecnologias robustas de mensuração, o que dificulta a inclusão do setor momento.

Feldmann é de uma opinião similar. Ele afirma que a participação do setor é extremamente importante no mercado de carbono considerando o seu peso na economia, mas destaca que é difícil de aferir metas específicas que vão além do que já existe para a área, que é o cumprimento do Código Florestal.

"Diferentemente da indústria, precificar quais metas de emissão seriam obrigatórias para o agro é mais difícil, já que o setor já tem o Código. Não vejo com maus olhos uma diferenciação do agro no mercado", afirma.

O especialista destaca que a discussão sobre o setor deveria ser se as metas estabelecidas no Código estão sendo cumpridas em sua plenitude, considerando que a lei já está em vigor há 12 anos. "Porque ainda não está sendo implementado e cumprido? A pergunta a ser feita é essa. Estamos muito atrás do que deveríamos. Se for cumprido, de fato, não há porque discutir sobre o agro no mercado de carbono".

Por Gabriel Hirabahasi e Beatriz Capirazi

18 de nov. de 2019

Desmatamento da Amazônia sobe 29,5% no ano e chega perto de 10 mil km², diz Inpe

É a maior taxa registrada desde 2008

| Foto: Carlos Fabal / AFP / CP Memória


O desmatamento na Amazônia subiu 29,5% entre 1º de agosto do ano passado e 31 de julho deste ano, na comparação com os 12 meses anteriores, atingindo a marca de 9.762 km². É a mais alta taxa desde 2008. Porcentualmente, é também o maior salto de um ano para o outro dos últimos 22 anos. Entre agosto de 2017 e julho de 2018 o corte raso da floresta tinha atingido 7.536 km². A taxa ficou pelo menos 1.500 km² acima da tendência de aumento do desmatamento que vinha sendo observada a partir de 2012.

Segundo técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), se a taxa seguisse a tendência dos últimos anos, teria ficado em torno de 8.278 km². Essa é a análise preliminar do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), o sistema do Inpe que fornece a taxa oficial anual de desmatamento da Amazônia.

Os dados foram divulgados na manhã desta segunda-feira, na sede do Inpe, pelos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes. Havia uma grande expectativa em torno desses números depois de vários indicadores apontarem que o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro reaqueceu o avanço da motosserra sobre a floresta.

O principal deles foi o Deter - outro sistema do Inpe de análise de imagens de satélite e que fornece dados em tempo real a fim de orientar a fiscalização -, que havia indicado para uma alta de quase 50% no desmatamento no período, na comparação com os 12 meses anteriores. Os alertas do Deter mostraram uma perda de 6.840 km² de floresta neste intervalo, ante 4.571 km² entre agosto de 2017 e julho de 2018.

Crise

Esses números vinham sendo desacreditados pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, desde o início do ano, e desencadearam uma crise no governo no final de julho, quando o presidente Jair Bolsonaro, em um café da manhã com a imprensa estrangeira, disse que os dados eram mentirosos e insinuou que o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, estaria "a serviço de alguma ONG".

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Galvão reagiu, afirmou que a atitude do presidente era "pusilânime e covarde" e disse que os dados do Inpe são transparentes, confiáveis e confirmados por outras instituições em todo o mundo. Bolsonaro chegou a dizer que queria ver os dados do desmatamento antes de sua divulgação, ao mesmo tempo em que Salles anunciou que o governo contrataria outro sistema de monitoramento da Amazônia.

O desgaste levou à exoneração de Galvão e a um clima de desconfiança de que os dados do Prodes poderiam sofrer algum tipo de censura. A crise foi agravada no mês seguinte, quando intensos focos de queimada da Amazônia chamaram a atenção de todo o mundo e renderam críticas a Bolsonaro. Em agosto, o número de focos foi 196% superior ao observado no mesmo mês no ano passado.

Cientistas de várias instituições, inclusive da Nasa, alertaram que boa parte do fogo estava relacionada justamente ao desmatamento que tinha ocorrido nos meses anteriores. Depois de derrubada, a floresta estava sendo queimada para a limpeza do terreno. A pressão nacional e internacional fez o governo reagir, enviando as Forças Armadas para a região.

Em setembro, o fogo diminuiu bastante, chegando ao menor valor da série histórica em outubro, mas o desmatamento, por outro lado, não arrefeceu, como continuam indicando os alertas do Deter. Mesmo durante a vigência da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia, a devastação cresceu, conforme revelado pelo Estado em setembro.

O Prodes apresenta o cenário na Amazônia até julho, mas o Deter indicou desmatamento em forte alta ainda em agosto e setembro. Em outubro, o ritmo diminuiu, mas ainda assim registrou a sétima alta consecutiva. De acordo com o Deter, o acumulado do ano (de 1º de janeiro até 31 de outubro), já chegou a 8.409 km² - aumento de 83% em relação ao mesmo período do ano passado, que teve uma perda de 4.602 km².

O Deter é um sistema em tempo real que serve para orientar a fiscalização e não serve como taxa oficial do desmatamento, mas funciona como um indicativo do que está ocorrendo em campo e, em geral, a tendência que ele aponta, de alta ou baixa, é confirmada depois pelo Prodes. No entanto, como "enxerga" mais, o Prodes sempre acaba indicando números ainda maiores.

Evolução

O desmatamento da Amazônia começou a ser monitorado oficialmente pelo Inpe com o Prodes em 1988, quando a destruição da floresta começou a ser criticada internacionalmente. Na época, a floresta perdia cerca de 20 mil km² por ano. A maior taxa registrada foi em 1995, primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso, quando chegou a 29,1 mil km².

O governo reagiu, aumentando o tamanho da Reserva Legal - área de propriedades privadas que tem de ser mantida protegida, de acordo com o Código Florestal, de 50% para 80% na Amazônia. A taxa caiu, mas voltou a subir no começo do anos 2000, alcançando um novo pico em 2004, segundo ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva: 27,8 mil km².

Marina Silva, então à frente do Ministério do Meio Ambiente, iniciou uma série de ações para combater o desmatamento, fortalecendo principalmente a fiscalização e a criação de novas unidades de conservação. Foi com ela, também, que o Deter começou a fornecer os alertas, ajudando o Ibama. A estratégia funcionou. Em 2012, o Prodes registrou a menor taxa de sua história - 4,6 mil km².

O País parecia no caminho para conseguir alcançar uma meta estabelecida em 2009 de chegar a 2020 com um desmatamento de 3,9 mil km². A partir do ano seguinte, porém, com um novo Código Floresta em vigor, menos rígido do que o anterior, a taxa de desmatamento começou a flutuar na Amazônia em uma tendência de alta.


A evolução do desmatamento da Amazônia:

- De 2012 para 2013, a alta foi de 28,9%

- De 2013 para 2014, houve queda de 14,9%

- De 2014 para 2015, o desmatamento voltou a subir: 23,8%

- De 2015 para 2016, nova alta, de 27,7%

- De 2016 para 2017, houve um recuo de 11,9%

- De 2017 para 2018, a taxa voltou a crescer: 8,5%


 

3 de abr. de 2018

RESOLUÇÃO CONAMA 316/2002 - Dispõem sobre o Tratamento térmico de resíduos

RESOLUÇÃO CONAMA nº 316, de 29 de outubro de 2002 

Publicada no DOU no 224, de 20 de novembro de 2002, Seção 1, páginas 92-95 

Correlações: . Artigo 18 alterado pela Resolução CONAMA nº 386/06 

Dispõe sobre procedimentos e critérios para o funcionamento de sistemas de tratamento térmico de resíduos. O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE-CONAMA, no uso de suas competências atribuídas pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, e tendo em vista o disposto em seu Regimento Interno, anexo à Portaria nº 326, de 15 de dezembro de 1994146; e 

Considerando que o princípio da precaução é o fundamento do desenvolvimento sustentável; 

Considerando que os sistemas de tratamento térmico de resíduos são fontes potenciais de risco ambiental e de emissão de poluentes perigosos, podendo constituir agressão à saúde e ao meio ambiente se não forem corretamente instalados, operados e mantidos; 

Considerando que, entre estes poluentes destacam-se, pela sua periculosidade, os poluentes orgânicos persistentes, e que deve ser buscada a redução das emissões totais dos poluentes mencionados, com a finalidade de sua contínua minimização e, onde viável, sua eliminação definitiva; 

Considerando que os poluentes orgânicos persistentes têm propriedades tóxicas, são resistentes à degradação, se bioacumulam, são transportados pelo ar, pela água e pelas espécies migratórias através das fronteiras internacionais e depositados distantes do local de sua emissão, onde se acumulam em ecossistemas terrestres e aquáticos; 

Considerando que o estabelecimento de limites máximos de emissão, para poluentes a serem lançados na atmosfera, nas águas e no solo, por sistemas de tratamento térmico, contribui na implementação do Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras, conforme previsto na Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997, resolve:

COMPARTIMENTAÇÃO TOPOGRÁFICA

2. A compartimentação topográfica

Conceito: definir o conceito de compartimentação topográfica, observando a importância de se considerar as implicações estruturais e paleoclimáticas nos grandes compartimentos.

Importância da compartimentação: falar da importância da compartimentação para o uso e ocupação das áreas, considerando a movimentação do relevo (evidenciar suas vulnerabilidades e potencialidades);

Metodologia: descrever as principais formas de se fazer uma compartimentação do relevo, considerando as diferentes unidades taxonômicas (metodologia adotada pelo Radam, depois Radambrasil, publicada pelo IBGE (1995), consiste na definição das regiões geomorfológicas, unidades geomorfológicas e padrão de formas semelhantes, vinculadas à dimensão interfluvial e aprofundamento da drenagem).

As grandes unidades estruturais e principais eventos morfoclimáticos:

Falar das grandes unidades estruturais do globo (escudos antigos, estruturas sedimentares e dobramentos modernos), mostrando o significado da estrutura na diferenciação dos compartimentos. Utilizar imagens na escala média (1:250.000) para mostrar as diferenças. Evidenciar a ação da pediplanação na horizontalização de superfícies e da importância da tectônica no entalhamento da drenagem e elaboração de paisagens diferenciadas.

Os principais tipos de relevo e suas relações estruturais

Apresentar os modelos clássicos de evolução do relevo, considerando o jogo das forças antagônicas responsáveis pelo seu processo evolutivo.


2. Compartimentação Topográfica

A compartimentação topográfica corresponde à individualização de um conjunto de formas com características semelhantes, o que leva a se admitir que tenham sido elaboradas em determinadas condições morfogenéticas ou morfoclimáticas que apresentem relações litoestratigráficas ou que tenham sido submetidas a eventos tectodinâmicos. A interpenetração das diferentes forças ao longo do tempo leva à caracterização das formas de relevo, da situação topográfica ou altimétrica e da existência de traços genéticos comuns como fatores de individualização do conjunto. 

Assim, a evolução do modelado terrestre, cujas particularidades proporcionam a especificidade de compartimentos, resulta do seguinte jogo de forças contrárias:

•  Agentes internos, comandados pela estrutura, considerando o comportamento litoestratigráfico e implicações de natureza tectônica, e;
•  Agentes externos, relacionados aos mecanismos morfogenéticos, em que os componentes do clima assumem relevância.

A expressividade dessas forças no modelado depende tanto da intensidade quanto da duração dos fenômenos. Para a elaboração de superfícies aplainadas, por exemplo, torna-se necessário um trabalho prolongado de erosão, associado ao intemperismo físico, em condições tectônicas e climáticas relativamente estáveis Dessa forma, a elaboração dos pediplanos vincula-se a uma determinada condição climática ao longo de um tempo geológico, e a uma certa estabilidade tectônica. 

Esse comportamento justifica a gênese dos extensos pediplanos de cimeira ainda presentes no modelado brasileiro, como a unidade denominada "Chapadas do Distrito Federal", em processo de dissecação. A dissecação atual ou subatual encontra-se associada ao entalhamento da drenagem que contou com o soerguimento do relevo, ou seja, com os mecanismos epirogenéticos positivos, responsáveis pela reativação da erosão remontante e conseqüente incisão dos talvegues.

Assim sendo, a compartimentação topográfica evidencia o resultado das relações processuais e respectivas implicações tectônico-estruturais registradas ao longo do tempo, considerando o jogo das componentes responsáveis pela elaboração e reelaboração do modelado, em que as alternâncias climáticas e as variações estruturais tendem a originar formas diferenciadas. Dessa maneira, os efeitos paleoclimáticos e eventos tectônicos em determinadas condições estruturais, se constituem em pilares de sustentação para a compreensão do modelado atual, cuja semelhança ou similitude de formas permite a identificação de um compartimento, independente da escala de estudo.

Um dos referenciais para o estudo dos compartimentos refere-se às unidades taxonômicas espaciais e temporais, ou seja, à dimensão espacial da área de estudo e fatores genéticos registrados ao longo do tempo, para que sejam definidas as variáveis imprescindíveis à compreensão das formas fisionomicamente semelhantes, em seus tipos de modelados. Nesse caso é considerada não apenas a dimensão espacial, mas também o número de variáveis necessárias para explicar o modelado. 

Como exemplo, no segundo nível taxonômico adotado por Ross (1992), visto no capítulo anterior, as unidades morfoesculturais geralmente são identificadas na escala ao milionésimo; já no quinto táxon, o estudo das vertentes só se torna possível numa escala bem maior, preferencialmente entre 1:5.000 até 1:20.000. Enquanto na primeira situação a estrutura geológica e efeitos tectônicos assumem relevância para explicar os traços gerais do modelado, no estudo das vertentes os processos morfogenéticos pretéritos e atuais, sobretudo os morfodinâmicos, considerando as derivações antropogênicas, assumem destaque.

Assim, pode-se constatar a importância da compartimentação do relevo, não só para o entendimento da paleogeografia, mas também como forma de oferecer subsídios ao uso e ocupação do modelado na escala do tempo histórico. É evidente que dispõe-se de recursos de apropriação para os diferentes compartimentos do relevo, independente das supostas restrições ao uso ou ocupação, contudo, independentemente das potencialidades e possibilidades tecnológicas, deve-se atentar para o significado do “custo social” de tais investimentos. A apropriação racional do relevo, enquanto suporte ou recurso, além de reduzir os possíveis impactos ambientais, possibilita a destinação de investimentos para setores sociais emergentes, com vistas à perspectiva de uma “economia solidária”.

Dentre os subsídios que a compartimentação do relevo oferecem destacam-se a vulnerabilidade e a potencialidade. Por vulnerabilidade, na perspectiva geomorfológica, entende-se a suscetibilidade erosiva do relevo, tanto em condições naturais quanto prognosticáveis em função de determinados usos ou ocupações, tendo o compartimento topográfico como suporte ou recurso. 

A potencialidade, conforme o próprio nome indica, refere-se a determinadas individualidades que podem ser racionalmente apropriadas para fins específicos, como a destinação de áreas portadoras de depósitos de cobertura com fertilidade natural às atividades agrícolas, ou ainda morfologias especiais, como as cársticas e falhadas, voltadas a explorações turísticas. Aliando-se os estudos sobre os diferentes graus de vulnerabilidade do relevo a suas potencialidades, torna-se possível produzir mapas com indicações para usos sustentáveis ou destinados à proteção ambiental.

A metodologia utilizada para a compartimentação do relevo depende da dimensão ou escala do estudo, a qual deverá ajustar-se a determinado nível taxonômico. A metodologia para o Zoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal, proposta por Becker & Egler (1997), sugere, por exemplo, como subsídio à gestão do território, o estudo da vulnerabilidade da paisagem natural e da potencialidade social, considerando uma base cartográfica na escala 1:250.000, portanto, de nível regional. A caracterização da vulnerabilidade natural fundamenta-se nos conceitos ecodinâmicos de Tricart (1975), tendo o relevo como componente básico.

A classificação da paisagem considera três situações quanto ao grau de estabilidade: meios estáveis, meios instáveis e intergrades . A classificação do “meio” encontra-se diretamente associada à relação pedogênese-morfogênese. A potencialidade social, além de levar em conta as condições para o desenvolvimento humano (fatores dinâmicos, restritivos e intermediários), considerando a potencialidade humana, produtiva e institucional, incorpora parâmetros do potencial natural, como recursos minerais, aptidão agrícola dos solos e a cobertura vegetal. O relevo em tal situação, na escala prevista (1:250.000), seria analisado com base nos três primeiros táxons propostos por Ross (1992).

O Projeto Radambrasil aperfeiçoou, ao longo dos anos, importante contribuição metodológica para a caracterização dos padrões de formas (quarto táxon). Fundamentado na dissecação do relevo, o mapeamento leva em consideração as dimensões interfluviais e o grau de aprofundamento da drenagem, o que permite inferir sobre as relações morfogênese-pedogênese mencionadas: enquanto no domínio de formas tabulares prevalece a pedogênese, considerando a superioridade da infiltração sobre o escoamento, no domínio de formas aguçadas, ao contrário, predomina o escoamento. O grau de convexização reflete no jogo das componentes tratadas (pedogênese-morfogênese), o que pode ser justificado pela intensidade da incisão da drenagem, cuja densidade reflete na dimensão interfluvial.

A compartimentação do relevo em escala grande, 1:5.000 até 1:20.000, referente ao quinto táxon, individualiza os domínios de determinadas formas do relevo, tendo a vertente como elemento de representação. Nesse caso, além da dissecação relacionada à própria densidade da drenagem, deve-se observar o significado geométrico e morfométrico das vertentes, o comportamento da estrutura superficial, e os elementos atinentes à fisiologia da paisagem. Dentre estes destacam-se o diagnóstico do uso e ocupação e os impactos relacionados aos processos morfodinâmicos, com o intuito de proporcionar melhor caracterização da vulnerabilidade do relevo à erosão. O mesmo tratamento ou a mesma intensidade de estudo deve ser destinada ao diagnóstico da potencialidade do relevo na escala em questão. 

A interposição desses parâmetros proporcionará a elaboração de uma “carta de síntese”, subsidiando a gestão do território. Embora considere-se, para os objetivos mencionados, a compartimentação do relevo como suporte, não se deixa de utilizar os demais níveis de abordagem geomorfológica, como a estruturação superficial e a fisiologia da paisagem, comprovando a necessária visão integrada dos diferentes componentes nos estudos geomorfológicos.

A compartimentação topográfica ou do relevo depende dos objetivos e do nível de abordagem proposto para o estudo. Abreu (1982) reporta-se a quatro obras julgadas fundamentais para a classificação dos fatos geomorfológicos: Birot (1955), Cailleux & Tricart (1956), Tricart (1965) e Ab´Sáber (1969). A proposição de Cailleux & Tricart (1956) foi retomada por Tricart (1965) com ampliação de 7 para 8 ordens de grandeza, sendo que a valorização excessiva da escala obscureceu algumas considerações sobre a essência do objeto da classificação. “Tricart (1965) acaba levando o leitor a julgar que a essência do objeto de estudo da disciplina se altera com a escala, daí ser necessário adaptar o método à escala de abordagem. 

Isto fica particularmente nítido quando ele trata do mapeamento geomorfológico, questão para a qual a classificação dos fatos é fundamental” (Abreu, 1982, p. 64). A contribuição dada por Ab´Sáber (1969) foi a de proporcionar o ordenamento escalar dos fatos estudados em três níveis de abordagem, revelando uma flexibilidade que permite ajustamento mais satisfatório em relação à essência dos fatos, tanto do ponto de vista espacial quanto temporal.

A compartimentação topográfica como primeiro nível de abordagem da proposta sistematizada por Ab´Sáber (1969), assim como de outros autores1 , fundamenta-se nas relações taxonômicas.

O Projeto Radambrasil empregou uma metodologia de compartimentação do relevo tendo como base a ordenação dos fatos geomorfológicos fundamentando-se no princípio de grupamentos sucessivos de subconjuntos constituídos de tipos de modelados.

Para Mamede et al (1983) no mapeamento da Folha SE.22 Goiânia, as Unidades Geomorfológicas correspondem à compartimentação do relevo identificada por um conjunto de matizes de mesma cor. A função da compartimentação é subdividir o relevo em unidades que permitam tratamento individual. Essas unidades são analisadas por ordem de grandeza, e representadas por meio de um conjunto de formas de relevo que apresentam similitude e posição altimétrica individualizada. 

Essas características significam que os processos morfogenéticos que atuaram numa unidade são diferentes dos que agiram nas outras. Alguns destes processos foram predominantes em decorrência de condições litológicas, estruturais ou climáticas. “O conjunto dos indicadores mencionados revela ainda a energia da erosão a que foi submetida à unidade, seja no passado seja no presente” (Mamede et al, 1983). A denominação das unidades geomorfológicas obedece, via de regra, à toponímia regional, sendo geralmente precedida de termos geomorfológicos amplos, como planície, planalto e depressão. 

As Unidades Geomorfológicas podem ser divididas em subunidades que identificam particularidades regionais, pelo posicionamento altimétrico e por fatores genéticos. Como exemplo, a Unidade Geomorfológica Planalto Central Goiano (Folha SE.22) apresenta as seguintes subunidades: Planalto do Distrito Federal, caracterizada por superfícies erosivas, pediplanadas ( 1.200 metros ); Planalto do Alto Tocantins-Paranaíba ( 900 a 1.000m), descontínuo em área e envolvendo feições geomorfológicas bastante diversificadas; Planalto Rebaixado de Goiânia ( 350 a 850m), caracterizado em relação aos relevos vizinhos por diferenciação nas suas posições altimétricas relativas e na variação litológica; e Depressões Intermontanas, correspondente à superfície rebaixada e suavemente dissecada, com altitudes médias que chegam a 700 metros .

As Unidades Geomorfológicas no exemplo utilizado, enquanto compartimentos, podem ser tomadas como elementos de referência da evolução do relevo.

2.1. Componentes da compartimentação

O relevo resulta da ação processual ao longo do tempo, que pode ser reconstituída através das evidências intimamente ligadas a paleoformas, como os depósitos correlativos ou formas específicas vinculadas aos mecanismos morfogenéticos.

A evolução do relevo, analisada ao longo do tempo geológico, incorpora o antagonismo determinado pelas forças endógenas, comandadas pelas atividades tectônicas, e exógenas, relativas aos processos morfoclimáticos ( Fig. 2.1 ). Entretanto, a partir do momento em que se analisa o relevo atual, os fatores internos ficam num segundo plano, visto que seus reflexos são sentidos numa escala de tempo geológico, com exceção das manifestações “catastróficas'' como os vulcanismos ou abalos sísmicos, evidenciados nas zonas de dobramentos modernos.

O resultado desse antagonismo de forças ao longo do tempo, conhecido como geomorfogênese, favorece o desenvolvimento de formas semelhantes em seus tipos de modelados. A similitude dessas formas encontra-se subordinada à intensidade e freqüência das ações processuais frente às reações tectônico-estruturais, capazes de imprimir suas marcas, que podem ser relativamente apagadas ou preservadas em função dos domínios subseqüentes. 

A morfologia vista na atualidade resulta, assim, da interpenetração de formas em contínuo processo de transformação. Essa mesma similitude de formas é que caracteriza os compartimentos morfológicos, os quais contêm toda uma história evolutiva, que pode ser parcialmente contada a partir de certas evidências, como por exemplo, os depósitos correlativos.


O relevo é caracterizado, de modo geral, por superfícies erosivas, pediplanadas, formas de dissecação, como as tabulares, convexas e aguçadas, podendo apresentar variações ou combinações numa área restrita, ou constituir um único domínio morfológico de grande extensão. A heterogeneidade de formas de relevo se explica pela diferenciação estrutural e pela influência dos domínios morfoclimáticos. 

A elaboração de vales abertos nas latitudes temperadas, por exemplo, acha-se intimamente ligada à ação dos glaciais alpinos no Pleistoceno; o domínio de mares-de-morros da região sudeste brasileira, possui estreita relação com a reativação tectônica terciária e conseqüente retomada dos processos erosivos, comandados principalmente pela incisão da drenagem; e as grandes extensões aplainadas, ainda evidenciadas na região central do Brasil, estão estreitamente associadas aos mecanismos morfoclimáticos secos. 

Enfim, a morfologia atual preserva, muitas vezes, indicadores como as formas de relevo ou os depósitos correlativos, que permitem a reconstituição de sua história, mostrando que sua gênese é decorrente da alternância das forças antagônicas ao longo do tempo geológico. Além disso, as alterações no relevo, observadas na escala do tempo histórico, resultam também da ação direta ou indireta do homem, não sendo considerada a participação dos processos internos.

Para melhor contextualização dos eventos geológicos ou geomorfológicos a serem tratados, apresenta-se a escala do tempo com algumas informações suplementares (Tab . 2.1).

Tabela 2.1 . Escala do tempo geológico.


2.1.1. As Formas Residuais e o Processo Evolutivo

As extensas superfícies horizontais ou aplainadas, de maior dimensão na região central do Brasil, geneticamente não estão associadas ao clima úmido atual. Suas formações superficiais, caracterizadas por seqüências concrecionais, denominadas de bancadas ferruginosas ou detríticas, encontram-se vinculadas a efeitos paleoclimáticos2. Tanto a fisionomia do relevo quanto os depósitos correlativos se justificam por processos morfoclimáticos pretéritos, cujo material desagregado, que capeia tais aplainamentos, resulta de um clima agressivo, ou mais especificamente, de um clima seco, árido ou semi-árido.

Para explicar tais superfícies erosivas, necessário se faz recorrer ao sistema de referência preconizado por King Tamp; Pugh (1956), denominado pediplanação que significa o aplainamento do relevo por recuo paralelo das vertentes.

Para compreender tais processos, deve-se considerar um clima seco, onde o efeito da variação da temperatura (alta temperatura durante o dia e baixa à noite) é responsável pela desagregação mecânica das rochas (termoclastia), cujo alvo principal são as saliências topográficas das vertentes, que vão gradativamente “encolhendo” ou recuando por desagregação, à medida que os detritos de encostas caem pelo efeito gravitacional. Assim, a evolução do relevo acontece no sentido horizontal. Persistindo clima árido ou semi-árido, existe uma tendência à destruição total das formas passadas, proporcionando o nivelamento da superfície em relação ao ponto de referência para o recuo paralelo (nível de base local ou regional), originando-se assim o pediplano.

A superfície de cimeira pode ser caracterizada por bancadas ferruginosas, interpretadas como antigos horizontes B estruturais3 exumados e retrabalhados, responsáveis pela resistência dessas superfícies aos efeitos erosivos. A atividade erosiva na base da couraça ferralítica implica aluição ou desagregação do material sobrejacente, cujos fragmentos provenientes de montante ficam depositados na falda ou sopé da vertente, inumando a angularidade estrutural (knick point). A deposição vai se estendendo com o recuo da vertente, podendo ser reafeiçoada pelo transporte associado às chuvas torrenciais, próprias das condições semi-áridas (Fig. 2.2).

As superfícies de erosão podem ocorrer sob forma de patamares, pequenos degraus intercalados a sucessivos níveis de aplainamento, cuja gênese encontra-se associada a ajustamentos isostáticos que são compensações de massas rochosas geradas por diferenças de densidades entre as crostas externa e interna.


A crosta interna, conhecida como “sima'' é constituída de silicatos de magnésio, e a externa, de densidade inferior, formada por silicatos de alumina, é denominada de “sial'. O sial flutua sobre o sima, com base na diferença de densidade, porque toda reação manifestada na superfície resulta de acomodação ocorrida em profundidade ( Fig. 2.2 ).

Assim, a parte elevada, submetida à erosão, sofre alívio de carga e tende a se elevar ainda mais. O material retirado dessas partes mais altas vai ser depositado em lugares mais baixos, que, conseqüentemente, sofrerão subsidência (ou rebaixamento) ao longo do tempo. Essa dinâmica expressa pela continuidade desse processo, refere-se à própria acomodação isostática. 

Quando ocorre em um mesmo ciclo erosivo, como um ciclo em clima seco, originam-se degraus topográficos, caracterizados por sucessivos pediplanos ou novas superfícies erosivas, embutidas nos testemunhos de montante, resultando em novas seqüências de depósitos correlativos (níveis de erosão) correspondentes a materiais desagregados, constituintes dos denominados pedimentos detríticos.

Geralmente são verificados restos de bancadas nos níveis de embutimento4, provenientes do retrabalhamento de concrecionamentos de montante ou materiais resultantes da própria rocha subjacente, uma vez que o recuo paralelo estará ocorrendo entre a superfície erosiva e a estrutura geológica, localizada imediatamente abaixo.

A origem das bancadas ferruginosas parece estar associada a efeitos paleoclimáticos, ou seja, à existência de um clima do tipo tropical com estação seca definida, anterior ao processo de aplainamento, que teria proporcionado a concentração do ferro na subsuperfície, posteriormente exumada e desagregada pelas atividades mecânicas associadas ao clima seco. Na condição de clima tropical e ambiente ácido, a chuva estimula a solubilização do ferro associado a certos tipos de rocha, como a olivina e tantas outras. 

O ferro solubilizado é transportado para as camadas iluviais do solo (que possuem baixo grau de permeabilidade, como o denominado horizonte B textural), onde seria confinado, precipitado e concentrado, sendo posteriormente endurecido ou concrecionado pela própria deficiência hídrica relacionada ao período seco ou à fase climática transicional (Fig. 2.3).


O ferro comumente está presente em solução sólida de minerais primários, ocupando lugares equivalentes. O potencial necessário para converter ferro para o estado férrico se dá em soluções aquosas naturais, sobretudo em ambiente ácido5 . Em tais condições, o ferro dissolvido oxida para um óxido férrico hidratado que é insolúvel e precipita-se, podendo produzir através do intemperismo, processo de laterização. 

A precipitação ocorre preferencialmente no horizonte B, por dificultar a migração descendente do ferro, uma vez que os espaços intersticiais (porosidade do horizonte) são reduzidos. Tanto o ferro quanto a alumina6 são prejudiciais ao plantio, ainda mais quando se encontram em estado de óxidos ou de hidróxidos. O estado férrico implica impermeabilização do solo, impedindo o desenvolvimento radicular e a infiltração da água; a intensa aluminização atua como fator fitotóxico (elemento tóxico para as plantas, restringindo seu desenvolvimento).

Além do ferro e da alumina, tem-se também a sílica. A sílica é solúvel em meio básico7 , concentrando-se em meio ácido, portanto, está menos presente nas latitudes intertropicais, em que prevalece ambiente ácido.

As superfícies erosivas de cimeira são também caracterizadas por outros materiais, independentes dos efeitos paleoclimáticos como os representados pelas bancadas ferruginosas. Como exemplo, os metassedimentos do Grupo Bambuí respondem por seqüências arenosas (desagregação dos quartzitos), aparecendo muitas vezes superpondo materiais concrecionários (canga laterítica) ou bancadas concrecionárias autóctones.

No domínio do Grupo Araxá, os micaxistos, sobretudo em áreas tectonicamente perturbadas, aparecem filonados por quartzo (veios de quartzo), e a desagregação mecânica do material, em ambiente agressivo, dá origem a uma superfície detrítica. Os fragmentos de quartzo resultantes, de maior estabilidade química, agregados ou levemente agregados, pavimentam a superfície erosiva sob a forma de cascalheiras.

Esses materiais também podem aparecer superpondo concreções ferralíticas, ou mais comumente, a própria rocha alterada in situ . Constituem, inclusive, o pavimento de superfícies intermontanas ou níveis de erosão. Como tais pediplanos resultam de climas agressivos, áridos ou semi-áridos, provavelmente estejam associados ao período Terciário Médio ou ao Pliopleistoceno. Sua formação pode ser constatada a partir das últimas seqüências deposicionais das bacias sedimentares brasileiras, correspondentes ao Cretácio e Terciário (Grupo Bauru, Formação Urucuia, Formação Cachoeirinha, dentre outras denominações geológicas regionais) ou a partir de atividades intrusivas ocorridas na mesma época (como as referentes ao Grupo Iporá, do Cretáceo Superior).

Na realidade, não é uma superfície composta de níveis relativos a apenas um ciclo erosivo; muitos foram os ciclos morfoclimáticos ou morfogenéticos, determinados por climas diferentes no decorrer do tempo geológico, alguns dos quais destruídos por atividades erosivas posteriores, ou mesmo inumados por depósitos que hoje caracterizam estruturas ou formações geológicas (materiais litificados, ou transformados em rocha).

Um segundo nível de aplainamento regional, de natureza intermontana, encontra-se embutido entre áreas mais elevadas. Na unidade geomorfológica Planalto Rebaixado de Goiânia (Folha SE.22, Goiânia, do Projeto Radambrasil, 1983), o pediplano intermontano se localiza entre 620 a 780 metros , portanto com uma diferença de 300 a 400 metros em relação aos testemunhos do pediplanos de cimeira, considerados mais antigos, e é correlacionado à fase semi-árida que teve início, provavelmente, no Plioceno e terminou no começo do Pleistoceno (Tab. 2.2).

A diferença altimétrica entre ambos demonstra que o pediplano intermontano não estaria, geneticamente, relacionado apenas a fenômenos de compensação isostática, visto que a intensidade de soerguimento para gerar a referida amplitude necessariamente foi muito maior.

Atribui-se a causa desse desnível, bem como a posterior formação da superfície intermontana, a um fenômeno epirogênico positivo, com conseqüente alteração climática: de um clima seco para um clima úmido, em que a organização da drenagem, juntamente com o soerguimento do terreno, teria respondido pela elaboração de um novo nível de base, bem mais baixo em relação ao anterior, comandado pela incisão vertical da drenagem.

Para se entender esse processo, é necessário considerar como se dá o entalhamento do talvegue pela drenagem a partir do soerguimento da crosta, o que foi tratado anteriormente, quando se fez referência ao sistema de W. Penck. A epirogênese refere-se ao movimento ascensional, (epirogênese positiva), ou descensional, (epirogênese negativa), do continente em relação ao nível do mar. Trata-se de um fenômeno regional ou continental, determinado por acomodações internas (como articulações convergentes de placas, responsáveis pela orogenia terciária, como a andina), de maior proporção, porém em menor velocidade que as compensações isostáticas.

Portanto, para se explicar a diferença topográfica do aplainamento de cimeira em relação ao aplainamento intermontano, há de se considerar as atividades epirogenéticas positivas e a incisão da drenagem8 , como fatores determinantes da discrepância altimétrica originada a partir do nível de base geral (confluência dos rios com o mar). Esse desnível resulta em reativação da erosão remontante ou regressiva, ou seja, na intensificação da incisão fluvial ou aprofundamento do talvegue (efeito de epigenia). Esse fenômeno se inicia na foz e segue em direção à cabeceira, proporcionando o aumento da extensão do rio, o que justifica a denominação de “erosão regressiva”, ou seja, para trás (Fig.2. 4).

Toda irregularidade ou diferença topográfica associada à alteração no nível de base geral, ou mesmo local, será atacada pela erosão regressiva, cuja tendência corresponderia a um perfil de equilíbrio aparente. Nessa circunstância o rio deixaria de erodir, atingindo um perfil longitudinal idealizado como suavemente concavizado, transportando apenas os materiais provenientes das vertentes, na abordagem davisiana.

Em caso contrário, ou seja, ocorrendo uma epirogênese negativa, ter-se-ia um afogamento do nível de base geral pelo mar, gerando acumulação de material. Assim, a epirogênese positiva determina retomada de erosão, e a negativa, colmatação ou sedimentação (Tab. 2.2).

A construção de reservatórios hidrelétricos exemplifica o fenômeno de colmatação

Tabela 2.2 . Eventos cenozóicos e feições associadas ou assoreamento pela elevação do nível de base local determinado pelo barramento do rio. 

No caso de afogamento de vale por eustatismo positivo ou epirogênese negativa, o fenômeno de assoreamento (sedimentação) se constitui numa das principais causas da intensificação de enchentes. O desmatamento reduz a infiltração da água da chuva, ao mesmo tempo em que favorece a erosão dos solos (fluxo por terra) com inumação dos talvegues. O assoreamento da calha fluvial ou elevação do talvegue em função do assoreamento diminui a capacidade de vazão de um rio. Com o acréscimo das intensidades pluviométricas (chuvas torrenciais), o aumento do escoamento pluvial ou do fluxo por terra leva ao transbordamento do canal fluvial, dando origem às enchentes.

Deve-se acrescentar, ainda, que a erosão ou a acumulação determinada por alteração no nível de base geral pode também se dar pelo fenômeno de eustatismo que, ao contrário da epirogênese, resulta da elevação (eustatismo positivo) ou abaixamento (eustatismo negativo) do nível da água oceânica em relação ao continente, o que pode estar associado tanto a mudanças climáticas como aos fenômenos tectônicos. Geralmente esse processo acontece nas fases glaciais e interglaciais.

Com a redução da temperatura nas fases glaciais pleistocênicas, há uma ampliação das calotas polares a partir da acumulação da neve precipitada. A precipitação sob forma de neve é, em grande parte, proveniente da evaporação das superfícies oceânicas, resultando em redução do nível marinho (eustatismo negativo). Com o acréscimo da temperatura na fase interglacial, a fusão do gelo, com retorno da água ao mar, gera transgressão marinha (eustatismo positivo) com eventual afogamento de rios (fenômenos de rias ) ou inundação de áreas anteriormente emersas.

Para se entender a diferença altimétrica entre duas superfícies de aplainamento, é necessário estimar a mudança do ciclo morfoclimático (passagem do clima seco para o úmido) associada a efeito epirogenético positivo, que teria ocorrido provavelmente no Terciário Superior (pós-Oligoceno).

A existência da superfície de aplainamento intermontana significa retorno ao clima seco, razão pela qual o recuo paralelo das vertentes se fazia a partir dos novos níveis de base (geral, regionais e locais). A pediplanação ocorreu nas mesmas condições daquelas descritas por King & Pugh (1956), apesar de o período de agressividade climática ter sido provavelmente menor, o que pode ser estimado em função da menor extensão das formas e suas conformações. As superfícies erosivas de cimeira são essencialmente tabulares ou horizontais, apesar da natural e incipiente inclinação em direção ao nível de base, dada a prolongada condição climática agressiva ou seca. 

Já as superfícies intermontanas, além de menor extensão, apresentam formas normalmente descaracterizadas pelo processo de dissecação, frente à ausência de componentes restritivos, como os concrecionamentos registrados nos testemunhos de cimeira. Enquanto as superfícies erosivas de cimeira, sobretudo nas Chapadas do Distrito Federal, encontram-se, via de regra, capeadas por bancadas ferruginosas (paleohorizontes B estruturais ou similares), os níveis de embutimento e as superfícies erosivas intermontanas apresentam-se parcialmente pavimentados por material detrítico. 

Esses paleopavimentos são quase sempre constituídos pelo quartzo (remanescente de antigos fragmentos rochosos, resultantes da desagregação em clima seco; os demais materiais, como os da família dos feldspatos, são, geralmente, decompostos pelo intemperismo químico relacionado ao clima úmido subseqüente, ressaltando a estabilidade química do quartzo) e alguns restos de concreções lateríticas (pedaços de bancadas ferruginosas ou cangas) provenientes da superfície de cimeira, transportadas por processos morfogênicos associados ao recuo de vertentes ou a atividades de erosão remontante.

Os detritos resultantes da desagregação mecânica, quando transportados pelos fortes aguaceiros (chuvas torrenciais), o que é comum nos ambientes semi-áridos, preenchem as irregularidades topográficas, originando pedimentos. Esses pedimentos apresentam uma distribuição granulométrica hierarquizada em relação à região de origem: os fragmentos maiores ficam próximos aos pés das vertentes que estão sendo trabalhadas; os fragmentos menores são transportados a maiores distâncias, podendo coalescer com os próprios níveis de base locais (antigos talvegues que serviram de referenciais ao recuo das vertentes), originando as denominadasbajadas , atualmente correspondentes a depressões relativas do tipo dales ou veredas (Fig. 2.4).


A compartimentação topográfica pode encontrar-se associada aos domínios fitogeográficos, que por sua vez mantêm boa relação com as formações superficiais (tipos de material decomposto ou edafizado que recobre a rocha). As superfícies de cimeira encontram-se, em geral, revestidas por espécies xeromórficas, do tipo cerrado, com desenvolvimento associado ao grau de concrecionamento e troca de bases (solos distróficos9). Na superfície intermontana se desenvolve o cerrado, espécies de domínio arbustivo, algumas vezes variando para campos sujos, espécies herbáceas em maior densidade quanto ao número de espécies, quando comparadas às da superfície de cimeira. 

Já nos espaços intermediários, entre os níveis de cimeira e os intermontanos, ou mesmo abaixo destes, devido a processos pedogênicos subatuais e atuais, aparecem formações vegetais mais densas, que nas faixas de transição são substituídas por espécies de domínio xeromórfico. Em tais circunstâncias a vegetação apresenta dificuldade de desenvolvimento tanto radicular, considerando a presença de concreções detrito-lateríticas, quanto pelas restrições impostas pelo efeito tóxico determinado pelo alumínio. Isso de certa forma explica a presença de estratos herbáceos pontilhados de espécies arbustivas. 

À medida que desaparecem tais restrições, a vegetação ganha corpo, podendo aparecer espécies arbóreas ou faixas de transição para a superfície de cimeira. Tais fatores não apresentam limitações quanto ao desenvolvimento agrícola, considerando os avanços científico-tecnológicos que superam tanto as restrições físicas quanto as restrições químicas dos solos.

Pesquisas levam a entender que o cerrado teria surgido em algum momento do Terciário Médio ou Superior, associado a um clima seco, o que justifica sua caracterização enquanto vegetação xeromórfica. A adaptação a condições climáticas mais úmidas evidencia considerável amplitude ecológica, visto que ocorrem inclusive em regiões úmidas como os “refúgios” encontrados na região equatorial.

Nas áreas relativas a vertentes reafeiçoadas por processos paleoclimáticos atuais ou subatuais, principalmente as localizadas entre superfícies ou níveis de aplainamentos distintos, as formações florestais se fazem presentes. O grau de decomposição (clima úmido) a que a rocha foi submetida muitas vezes deixa de se constituir em restrições físicas ou químicas, apresentando maior capacidade de retenção de água. Trata-se de áreas cujos testemunhos de erosão passados foram destruídos pelas atividades morfogenéticas penecontemporâneas a serem consideradas posteriormente.

Apresentam-se, a seguir, considerações quanto ao processo evolutivo do relevo, tendo os aplainamentos de cimeira como referência inicial para a compreensão dos compartimentos e modelos atuais.

2.1.2. As grandes unidades do relevo e suas relações taxonômicas

Os grandes compartimentos do relevo serão abordados com base nas três primeiras unidades taxonômicos tratadas por Ross (1992): unidades morfoestruturais, unidades morfoesculturais e unidades morfológicas ou padrões de formas semelhantes. Os demais níveis taxonômicos serão considerados nos estudos relacionados à estrutura superficial e à fisiologia da paisagem, em razão das especificidades das escalas, uma vez que as práticas geomorfológicas de compartimentação do relevo têm assumido maior relevância nas abordagens regionais.

A unidade morfoestrutural, presente em qualquer escala de abordagem, é observada, quanto às suas variações, em nível territorial. As diferenças morfoestruturais expressas pela estrutura geológica associada a eventos tectônicos encontram-se sintetizadas em três grandes unidades: escudos antigos, bacias sedimentares e dobramentos modernos.

Os escudos antigos, representados pelos escudos das Guianas, Brasil-Central e Atlântico, são formados por rochas ígneas ou magmáticas e pelas rochas metassedimentares. Acham-se vinculados aos eventos tectônicos antigos (Arqueano e Proterozóico). 

No Brasil ( Fig. 2.5) são identificados seis grandes eventos tectônicos ou geodinâmicos (termotectônicos ou tectomagmáticos) associados aos terrenos antigos (Schobbenhaus & Campos, 1984). Alguns de importância continental, outros apenas de participação local: Jequié (2.600-2.700 Ma10 ), na borda oriental da Chapada Diamantina; Transamazônico (2.000 Ma), correspondente aos escudos setentrional e meridional da Amazônia; Parguazense (1.500-1.600 Ma), na Amazônia ocidental; Zona de reativação Espinhaço (1.000-1.300 Ma), também conhecida como Brasiliana antiga, na seção oriental de Goiás e norte de Minas; Rondoniense (1.000-1.300 Ma) em Rondônia e noroeste mato-grossense; e Brasiliano moderno (450-700 Ma), correspondente à faixa que atinge parte significativa de Goiás e Tocantins, abrangendo a borda oriental da região sudeste. 

Os eventos tectônicos subseqüentes implicam retrabalhamentos das rochas pré-existentes, levando ao seu rejuvenescimento isotópico. A complexidade litológica e os efeitos tectônicos oferecem aos escudos uma configuração especial, muitas vezes mascarada pelos eventos morfoclimáticos.
As bacias sedimentares, ou coberturas fanerozóicas, abrangem o restante do país (bacias sedimentares Amazônica, do Meio Norte ou Parnaíba e do Paraná), recobrindo estruturas antigas, em que condições topográficas favoreceram deposições sedimentares a partir do Paleozóico, ora sob condição marinha, ora continental, em diversos ambientes e condições climáticas, definindo o emprego do conceito de “grupos”, “formações” e “fácies” geológicas. 

Há ainda o caso das coberturas terciárias, que ultrapassam o Mesozóico, algumas vezes soerguidas em função das manifestações tectônicas neogênicas, denominadas “Tectônica Moderna”. Para Almeida (1967), a reativação “Wealdeniana”, correspondente à tectônica moderna, processou reações de modo geocrático na velha ortoplataforma, além de outros fenômenos como manifestações magmáticas, intrusões básicas /ultrabásicas e reativação de falhas.

Os dobramentos modernos, ocorridos no Terciário, resultam do choque de placas com soerguimento dos sedimentos que vinham se acumulando desde o Ordoviciano, em ambiente marinho. Na América do Sul destacam-se os dobramentos Andinos. A colisão de placas gerou uma série de manifestações tectônicas na crosta, como os dobramentos, novos falhamentos e reativação de antigas falhas. Concomitantemente, movimentos epirogenéticos provocaram soerguimentos na parte oriental do Brasil, estimulando nova fase de entalhamento da rede de drenagem, responsável pela dissecação da paisagem. Na faixa pré-andina, falhamentos de grande dimensão originaram o Pantanal Mato-grossense.

Para se ter idéia das grandes diferenças estruturais no relevo, considerando as unidades taxonômicas, toma-se o exemplo Sul-Americano em sua integridade, o que permitiria obter uma visão dos principais traços que individualizam os respectivos modelados: os terrenos antigos muitas vezes expondo formas associadas aos diferentes eventos tectônicos, como as formas circulares dos complexos de Niquelândia-Serra da Mesa, em Goiás (Fig. 2.6), soerguidas por evento vulcanogênico, em seqüências do Grupo Araxá; as formas tabulares do Planalto Setentrional da Bacia Sedimentar do Paraná, como o Planalto de Rio Verde, que acompanha o mergulho das camadas sedimentares em direção ao eixo da bacia do rio Paranaíba; ou a estrutura altamente movimentada da cadeia andina, onde prevalecem os efeitos da tectônica.

É possível, mesmo nas grandes unidades morfoestruturais, estabelecer compartimentos de menores dimensões, considerando o conjunto de formas associadas a variações litoestratigráficas, implicações tectônicas, comandadas principalmente pelos domínios morfoclimáticos. Apresentam-se a seguir considerações a respeito dessas unidades.


As unidades morfoesculturais referem-se aos grandes traços determinados pela tectônica e eventos morfoclimáticos existentes nas unidades morfoestruturais, que podem, grosso modo, ser identificadas pelas condições topomorfológicas, individualizadas por três grandes compartimentos: planaltos, planícies e depressões. Por planalto entende-se extensão territorial elevada, de diferentes condições geológicas, submetidas a processo de dissecação, se caracterizando como fornecedor de sedimentos. 

A depressão refere-se a compartimento embutido em planaltos, posicionada em situação topográfica inferior, também submetida a processo de dissecação, se caracterizando como fornecedora de sedimentos . No mapa geomorfológico relativo à Folha Goiás (SD.22, Radambrasil, 1981) o Planalto Central Goiano incorpora os Planaltos do Alto Tocantins-Paranaíba e Planalto do Distrito Federal, representado por estruturas metassedimentares, magmáticas e vulcano-sedimentares. Encontram-se entrecortados pela Depressão do Tocantins, que para oeste coalesce com a Depressão do Araguaia.

A planície refere-se a compartimento receptor de sedimentos provenientes de montante, encontrando-se embutida tanto nos planaltos como nas depressões. A Planície do Bananal, localizada no médio Rio Araguaia, encontra-se embutida na Depressão do Araguaia. As diferenças utilizadas para a compartimentação das unidades morfológicas do Planalto Central Goiano, denominadas de subunidades pelos autores (Mamede et al, 1981) fundamentam-se na similitude de formas, associadas aos fatores tectoestruturais e mecanismos morfogenéticos. 

Assim, o Planalto do Distrito Federal se caracteriza por extensas chapadas, superfícies pediplanadas contínuas, com altitude média entre 1.000- 1.200 metros , sustentadas por concreções ferralíticas, filitos e quartzitos do Grupo Paranoá; o Planalto do Alto Tocantins-Paranaíba se individualiza por formas mais dissecadas, fragmentadas, com altitude média entre 700- 950 metros , associadas principalmente às estruturas metassedimentares do Grupo Araxá ou granulíticas do Complexo Goiano.

Em cada um dos compartimentos são identificados reflexos estruturais (superfície estrutural tabular), paleoerosivos (como as superfícies pediplanadas) e as diferentes formas de dissecação (aguçadas, convexas e tabulares). A identificação desses padrões de formas semelhantes encontra-se associada ao terceiro táxon, a ser apresentado a seguir.

O terceiro táxon, denominado de unidades morfológicas ou padrões de formas semelhantes, se refere às manchas de menor extensão territorial que expressam determinadas formas, “que guardam entre si elevado grau de semelhança, quanto ao tamanho de cada forma e ao aspecto fisionômico” (Ross, 1992). Exemplos são as subunidades comentadas anteriormente, inseridas no Planalto Central Goiano (Planalto do Distrito Federal e Planalto do Alto Tocantins-Paranaíba). 

A partir desse táxon foi apresentado refinamento morfológico, ainda possível na escala 1:250.000, que permitiu, além de caracterizar a forma (estrutural, erosiva ou de dissecação), o estabelecimento de parâmetros morfométricos, considerando a dimensão interfluvial e o grau de entalhamento da drenagem (Mamede et al, 1981). 

Com base em tais parâmetros torna-se possível, via de regra, inferir sobre a vulnerabilidade erosiva da área: quanto maior o grau de dissecação do relevo, maior o domínio da morfogênese em relação à pedogênese e vice-versa. Portanto, enquanto no domínio de formas aguçadas prevalece a erosão, nas tabulares predomina a infiltração.

Nesse caso observa-se uma relação direta entre o grau de dissecação do relevo e a densidade de drenagem, o que se reflete no grau de declividade e no jogo das componentes morfogênese-pedogênese.

A compartimentação do relevo deve levar em consideração tanto o papel da estrutura geológica quanto os processos morfogenéticos. Enquanto as diferenças litológicas e tectônicas expressam a configuração geral do modelado, o clima, através dos respectivos processos, responde pela dissecação do relevo, expondo a estrutura através da erosão diferencial, ao mesmo tempo em que a intensidade da dissecação pode estar associada à ação tectônica ou à resistência litológica. 

Assim, a relação entre estrutura e clima deve ser vista numa perspectiva integrada, da mesma maneira que os componentes que participam de cada um desses parâmetros. Por exemplo, as diferenças litológicas respondem, ora pela gênese de cristas estruturais (litologia resistente), ora pelo entalhamento da drenagem (litologia friável). 

A intensidade tectônica, por sua vez, reflete-se, juntamente com a existência de falhas ou fraturas, no maior ou menor grau de entalhamento da drenagem; o clima, responsável pela elaboração do modelado, também se comporta de forma diferente, ou seja, no domínio árido ou semi-árido, a morfogênese mecânica é responsável pela desagregação das rochas e pelo recuo paralelo de vertentes, com possibilidade de desenvolvimento de extensos pediplanos, dependendo do tempo de duração do processo.

No domínio úmido, com a organização ou reorganização da drenagem, tem-se o entalhamento dos rios e a evolução do relevo comandada pelo intemperismo químico. Enquanto no domínio seco a tendência evolutiva do relevo é a de originar formas horizontalizadas ou tabulares, como as superfícies aplainadas, no clima úmido a incisão da drenagem e conseqüente evolução das vertentes levam à produção de formas verticalizadas. Fica, portanto, configurada a interpenetração de processos contrários no relevo, onde a tendência de um determinado domínio morfoclimático em impor suas marcas, à custa da degradação de formas elaboradas no passado, acaba culminando com evidências morfológicas e cronodeposicionais relacionadas tanto aos processos atuais, subatuais como paleoclimáticos.

2.1.3. Os principais tipos de relevo e suas relações com o clima e estrutura

A gênese e a evolução do relevo são ensejadas pelo jogo de forças antagônicas, ou seja, o clima e a estrutura geológica. A elaboração dos tipos de relevos discutidos a seguir é pautada por essa abordagem, mostrando, por meio de seqüências evolutivas representadas por figuras, a ação tanto da estrutura quanto do clima. Tal abordagem tenta enfatizar essa conciliação, utilizando-se dos modelos clássicos em geomorfologia. Os modelos discutidos encontram-se caracterizados pelos segundo e terceiro táxons, procurando-se evidenciar a participação estrutural através das diferenças litológicas e esforços tectônicos, sob ação de processos morfoclimáticos distintos.

2.2. Modelos clássicos de gênese e evolução do relevo

A classificação por domínios morfoestruturais - bacias sedimentares, escudos antigos e dobramentos recentes - sem desconsiderar as complexidades existentes, constitui-se num esquema útil enquanto recurso metodológico. Com base nos referidos domínios serão consideradas as diferentes unidades morfológicas, destacando os tipos específicos de relevo, procurando evidenciar a interação entre forças endógenas e exógenas na elaboração do modelado.

Os escudos antigos, conceito que incorpora a noção de ortoplataforma e paraplataforma11 , correspondem aocraton continental. Foram em diferentes momentos submetidos a fenômenos tectônicos (tectônica antiga, com reativação da tectônica moderna) que responderam por elevada complexidade estrutural (dobras, falhas...), submetidos a diferentes sistemas erosivos, responsáveis pelo arrasamento de superfícies e elaboração de formas “verticalizadas” em função de reativações tectônicas. 

As atividades epirogenéticas pós-cretáceas estão constantemente presentes na composição das variáveis antecedentes, responsáveis pela exumação de seqüências estruturais sobrejacentes (como sucessão de cristas em estruturas dobradas) ou soerguimento de testemunhos de aplainamento elaborados em condições paleoclimáticas. Como resultado, algumas faixas intracratônicas se formaram e foram entulhadas por sedimentos durante o Paleomesozóico, sob certa estabilidade tectônica. 

O espessamento associado à subsidência e à litificação progressiva dos sedimentos permitiram o desenvolvimento das bacias sedimentares. A partir do Triássico, manifestações tectônicas associadas à deriva continental geraram efeitos estruturais que se prolongaram até o início do Terciário, associados à orogenia andina. Ou seja, a convergência de placas com a conseqüente orogenia moderna, ocorrida no Terciário, resultou de manifestações tectônicas iniciadas no Cretáceo.

As diferentes unidades estruturais e o tempo transcorrido, responsáveis pela elaboração morfológica através dos diferentes mecanismos associados aos elementos do clima, repercutiram na intensidade da evolução, refletindo no comportamento topográfico. Portanto, os dobramentos recentes referem-se aos níveis altimétricos mais elevados, enquanto os escudos antigos, apesar de rejuvenescidos por ocasião do soerguimento andino, apresentam-se desgastados e em posição altimétrica inferior em relação aos modernos.

Almeida et al (1976) apresentam as grandes unidades geotectônicas da América do Sul (Fig. 2.7), com destaque para as plataformas Sul-Americana e da Patagônia, a cadeia Andina, a depressão Pré-andina, o escudo Brasileiro remobilizado no Terciário - escudo das Guianas, escudo Central do Brasil e escudo Atlântico -, além das bacias fanerozóicas. Essas unidades estruturais apresentam correspondência na disposição geral da morfologia.


Ab' Saber (1975) reconhece na arquitetura dos continentes quatro grandes tipos de massas rochosas:

1) Os terrenos de consolidação muito antiga, chamados de escudos, que podem se apresentar sob aspectos variados. Aqui se incluem tanto as noções de ortoplataforma como a de paraplataforma, representadas por maciços, montanhas em blocos, espinhaços montanhosos e estruturas complexas;

2) As bacias sedimentares pouco deformadas, denominadas intracratônicas por estarem embutidas nos escudos, caracterizadas por planaltos sedimentares ou basálticos, tabuliformes ou ligeiramente cuestiformes , como as bacias sedimentares paleomesozóicas do continente brasileiro;

3) Áreas sedimentares muito deformadas por dobramentos, conhecidas como zonas de convergência de placas, transformadas em cadeias de cordilheiras ou arcos insulares, como os dobramentos modernos andinos;

4) Áreas de sedimentação moderna ou em processo de sedimentação, caracterizando as terras baixas em geral, como as planícies de extensão continental, tabuleiros e baixos platôs e depressões interiores.

Os escudos ou cratons correspondem às mais velhas plataformas dos continentes (ortoplataformas), responsáveis pelo fornecimento de sedimentos que entulharam as faixas intracratônicas, gerando compensações isostáticas que permitiram a continuidade da inumação das bacias estimulada pela subsidência e processo de exumação das estruturas cratônicas periféricas por arqueamento (Fig. 2.8).


As grandes cordilheiras, correspondentes aos dobramentos terciários (tectônica moderna), são entendidas como resultantes da deriva e choque de placas responsáveis pelo soerguimento de depósitos marinhos, iniciados no Eopaleozóico (seqüência de 5.000 a 10.000 metros de sedimentos). Com o subduccionamento da placa marinha, aconteceram dobramentos e soerguimentos do material depositado, associados a fenômenos paralelos (Fig. 2.9).


As condições genéticas e a ação dos efeitos denudacionais, ao longo do tempo, levaram as unidades estruturais a apresentarem características morfológicas que preservaram suas particularidades. Entretanto, não se pode deixar de se considerar a possibilidade de mascaramento destas unidades estruturais pela ação dos mecanismos comandados ou ligados ao clima.

2.2.1.1. Características Morfológicoestruturais nas Bacias Sedimentares

As bacias sedimentares se formam nas faixas intracratônicas, e o processo de entulhamento é favorecido pela subsidência, que gera compensação isostática. Diante disso, assumem espessuras pronunciadas, responsáveis pela subsidência central, permitindo a continuidade da sedimentação. As bacias sedimentares brasileiras, por exemplo, apresentam espessuras que chegam a 6.000 metros (Petri & Fulfaro, 1983), como na baixa bacia Amazônica (Fig. 2.10).

De modo geral, as seqüências sedimentares das bacias se dispõem em forma de sinéclises, ou seja, a espessura das camadas cresce da borda para o centro, com mergulhos que acompanham o substrato cristalino, parcialmente atribuído ao próprio processo de subsidência, ligeiramente inclinados na periferia das bacias com tendência de horizontalização na seção central. 

Via de regra, a sedimentação se inicia em discordância angular (contato da sedimentação inicial com a superfície intracratônica, dobrada, fraturada ou falhada) ou discordância erosiva, e continua com tendência de manutenção de concordância entre as seqüências litoestratigráficas ou discordância erosiva entre as mesmas (Fig. 2.11).
O bloco diagrama da bacia do Alto Paraná, esquematizado por Ab'Sáber (1954), mostra a disposição das camadas em relação à base cristalina, assim como a influência do mergulho na elaboração das cuesta s periféricas, resultantes do processo de circundesnudação pós-cretácea.

O comportamento das camadas (mergulho) e as características litológicas dos estratos oferecem uma diferenciação morfológicoestrutural, responsáveis pela origem e pela evolução do relevo tabuliforme e do relevo de cuestas , analisados a seguir.

a) Relevo Tabuliforme

O relevo tabuliforme, caracterizado por uma seqüência de camadas sedimentares horizontais ou subhorizontais, associadas ou não a derrames basálticos intercalados, embora elaborado pelos mecanismos morfoclimáticos, reflete diretamente a participação da estrutura. Trata-se de formas estruturais, caracterizadas por seqüências sedimentares horizontalizadas, cuja disposição tabular pode diferir daquelas resultantes de processo de pediplanação em estruturas não-horizontais. Ressalta-se que a pediplanação também se dá em estruturas horizontais, com estreita correspondência entre a superfície de erosão e o comportamento dos estratos.

Os relevos tabulares tendem a ocorrer com maior freqüência no interior das bacias sedimentares, dada a disposição horizontalizada dos estratos. As formas mais comuns nas estruturas concordantes se caracterizam por chapadões, chapadas e mesas, em ordem de grandeza. Tais formas são geralmente mantidas à superfície, por camadas basálticas ou por sedimentos litificados de maior resistência. Quando submetidas a processo de pediplanação, podem estar associadas a concreções ferruginosas, com vegetação xeromórfica, provavelmente ligada às condições ambientais áridas ou semi-áridas que deram origem à superfície erosiva.

O início da evolução dos relevos tabuliformes, sobretudo no caso brasileiro, encontra-se relacionado a uma fase climática úmida, responsável pela organização do sistema hidrográfico sobre um pediplano em ascensão por esforços epirogenéticos. Assim, admite-se, esquematicamente, a seguinte evolução na elaboração do relevo tabuliforme:

1) Organização do sistema hidrográfico em fase climática úmida, associada a efeitos epirogenéticos. Considerando que as seqüências litoestratigráficas superiores das bacias sedimentares brasileiras datam do Cretáceo, entende-se que a organização da drenagem e a evolução vertical do modelado, dadas pela incisão linear da drenagem, tenham acontecido a partir daquele período (Fig. 2.13). Além disso, a orientação do sistema fluvial pode estar associada à imposição do mergulho das camadas ou à orientação topográfica ligada ao processo de pediplanação (inclinação em direção ao nível de base local ou regional).


2) Devido aos esforços epirogenéticos considerados, há uma tendência de aprofundamento dos talvegues e de elaboração de seus vales. Nessa circunstância, as alternâncias litológicas podem originar patamares estruturais ou formas específicas relacionadas à imposição estrutural (Fig. 2.14). Dada a disposição horizontal das camadas, os vales comumente apresentam formas simétricas.

A manutenção da resistência litológica, entretanto, é relativa, transitória, ou seja, o recuo da camada resistente pode se dar pelo solapamento do material subjacente, mais tenro, provocando aluição da camada superior (Fig. 2.15). A retirada do material friável pode também exumar uma superfície estrutural, individualizada pela resistência litológica.


3) A tendência de alternância climática, como a passagem do clima úmido para o seco, evidenciada na evolução morfológica pós-cretácea brasileira (provavelmente no Plio-Pleistoceno), teria sido responsável pela evolução horizontal do modelado, dada a aceleração do recuo paralelo das vertentes por desagregação mecânica. A abertura dos vales, tendo como nível de base os talvegues abandonados, teria proporcionado entulhamento do próprio nível de base, com tendência de elaboração de pediplano intermontano (Fig. 2.16). 

Enquanto o clima úmido, por meio do entalhamento dos talvegues, teria respondido pela evolução vertical da morfologia, o clima seco tenderia a destruir as formas criadas pelo clima úmido, proporcionando a evolução horizontal da morfologia, caracterizando, deste modo, mais uma das relações antagônicas da natureza. Observa-se que enquanto no clima úmido as camadas resistentes ficam pronunciadas, no clima seco a desagregação mecânica tende a reduzir as diferenças litoestratigráficas.


4) Uma nova fase climática úmida ensejaria uma nova organização da drenagem, e conseqüentemente, um reentalhamento dos talvegues, proporcionando o alçamento de antigos depósitos, como os pedimentos detríticos que inumaram áreas depressionárias. Tem-se assim o prosseguimento do trabalho evolutivo por erosão remontante e denudação dos topos interfluviais, com exumação parcial de camadas subjacentes, resistentes, originando as superfícies estruturais, ou simplesmente a esculturação dos sedimentos que compõem a camada sobrejacente, caracterizando as superfícies esculturais.

O trabalho comandado pelo sistema hidrográfico enseja a evolução do relevo via erosão regressiva, promovendo ramificações de cursos de primeira ordem, podendo, então, aparecer formas residuais, como os morros-testemunhos, mantidos ou não por coroas litoestruturais como o somital , associado a materiais resistentes. As diferenças litológicas poderiam ainda proporcionar saliências morfológicas, parcialmente mascaradas na fase anterior, de clima seco, denominadas cornijas. Com a abertura dos vales, haveria uma tendência a se formarem vales simétricos, denominados vales em “manjedouras''(Fig. 2.17). A presença de pedimentos detríticos em processo de retrabalhamento morfológico pela incisão da drenagem é testemunha do clima seco correspondente à fase anterior.


Um exemplo de morfologia estrutural tabular ocorre principalmente no sudoeste do Estado de Goiás, na borda setentrional da Bacia Sedimentar do Paraná. No município de Paraúna, chapadas e estruturas ruiniformes em estratos horizontais ou sub-horizontais, embora posicionadas em situação periférica à bacia, não chegam a caracterizar relevos cuestiformes , a serem tratados adiante, e sim, um exemplo típico de relevo tabular.

Nessa área, seqüências sedimentares carboníferas, da Formação Aquidauna, sotopõem estruturas cristalinas, pré-cambrianas (gnaisses do Complexo Goiano e micaxistos do Grupo Araxá), recobertas ou não por depósitos do jurássico-cretácico do Grupo São Bento ou cretácico do Grupo Bauru, sobretudo a oeste do município.

Enquanto nas proximidades da sede do município a presença de mesas e formas residuais lembram modelados de cuestas , onde o sistema hidrográfico exumou a estrutura cristalina (área de contato estrutural) em direção oeste o domínio sedimentar responde pela gênese de extensas chapadas, com baixo grau de entalhamento dos talvegues (Fig. 2.18).


O topo da seqüência sedimentar encontra-se seccionado por extenso pediplano, que coincide com o topo dos interflúvios da estrutura cristalina, em torno de 900 metros , com caimento suave em direção sudoeste. Com base nas evidências cronoestratigráficas (depósitos correlativos), admite-se que a organização da drenagem seja pós-cretácica (provavelmente miocênica), associada a efeito epirogenético positivo, que promoveu denudação regional. 

Na borda das chapadas registra-se a presença de estruturas ruiniformes favorecidas pela estrutura dos sedimentos carboníferos (Formação Aquidauana). As juntas ortogonais nos arenitos da Formação Aquidauana favorecem o desenvolvimento de decomposição esferoidal, com arredondamento gradativo dos blocos rochosos.

De modo geral as chapadas são caracterizadas por topos horizontais, resultantes ou não de aplainamentos erosivos, coincidentes com a disposição estrutural, muitas vezes sustentados por bancadas ferruginosas que oferecem resistência ao recuo das vertentes (Fig.2.19). As escarpas verticais tendem à concavização na base, onde são depositados os detritos mais grosseiros associados ao recuo paralelo.


Há também estreita relação entre a cobertura vegetal e os elementos morfológicos descritos: vegetação herbáceo-arbustiva no pediplano de cimeira, presença de vegetação pioneira nas escarpas verticais e espécies arbóreo-arbustivas na seção do talus ou debris slope (base da escarpa normalmente preenchida por colúvios pedogenizados).

A serra da Portaria, no município de Paraúna-GO, representada por seqüência siltico-arenítica em estrutura concordante horizontal, exemplifica a gênese de patamares, ou escadarias resultantes de erosão diferencial.

No clima úmido atual, os arenitos portadores de cimento silicoso apresentam maior resistência do que os folhelhos sílticos, o que tem como conseqüência a elaboração dos patamares escalonados. 

Os degraus são mantidos pelos arenitos, cuja evolução regressiva se dá em maior intensidade nas seqüências representadas pelos folhelhos sílticos subjacentes, sobretudo por erosão remontante comandada pelo fluxo por terra (escoamento superficial) ou pela presença de fontes de camadas entre as seqüências sedimentares: enquanto os arenitos permitem maior percolação da água, os siltitos, por apresentarem baixa permeabilidade, retêm a água armazenada, que passa a fluir no contato litológico, observado com freqüência nas escarpas erosivas ou nas estruturais (efeito piping).

Exemplo de influência litológica no comportamento do relevo pode ser observado na depressão intermontana da Serra da Portaria, onde a presença de dique de diabásio (Jurássico-Cretáceo), de considerável extensão (sentido E-W), penetrado em arenitos da Formação Aquidauana, apresenta saliência topográfica associada à erosão diferencial, caracterizando a popularmente conhecida “muralha” (Fig. 2.20).


A denudação responsável pela gênese da depressão intermontana da Serra da Portaria respondeu pela exumação do dique, que, pela resistência apresentada em relação aos arenitos circunjacentes, culminou na elaboração de saliência topográfica. A grande quantidade de diáclases ortogonais dos diabásios favoreceu a decomposição esferoidal parcial, apesar de evidente justaposição dos blocos rochosos.

b) Relevos do tipo Cuestas

Os relevos do tipo cuesta s também encontram-se associados a estruturas sedimentares, com ou sem intercalações de estratos basálticos, a exemplo dos modelos clássicos na Depressão Periférica Paulista. Diferenciam-se dos relevos tabuliformes por corresponderem a seções caracterizadas por camadas litoestratigráficas inclinadas, razão pela qual comumente aparecem nas bordas das bacias sedimentares, mergulhando em direção ao seu centro (Fig.2.12).

A disposição dos estratos inclinados define os relevos de cuestas, também conhecidos como relevos monoclinais ou homoclinais (inclinados em um só sentido). Embora se denomine cuesta s para relevos dissimétricos com mergulho de camada de até 30 O , Cailleux & Tricart (1972) atribuem maior freqüência em declives entre 1 O e 2 O , podendo chegar a 7 O a 8 O no máximo.

Por se tratar de processo de denudação marginal, responsável pela gênese de relevo dissimétrico, a cuestatambém se caracteriza como tal pela morfologia específica de áreas de contato estruturais, cristalino e sedimentar.

O processo evolutivo de um relevo de cuesta pode ser assim apresentado:

1) As cuesta s se formam em áreas de estruturas concordantes inclinadas, nas periferias das bacias sedimentares, onde o contato litológico facilita a ação da erosão remontante (Fig. 2.21).

O processo, ou seqüência evolutiva proposta, se inicia a partir de uma superfície pediplanada: um pediplano de cimeira, como na maior parte dos exemplos clássicos brasileiros, quando a drenagem foi organizada a partir de uma fase climática úmida. Efeitos epirogenéticos positivos contribuíram para o entalhamento dos talvegues.


O curso principal, que acompanha o mergulho da camada, é denominado cataclinal ou conseqüente, enquanto seus tributários, perpendiculares ao mergulho, são denominados ortoclinais ou subseqüentes, os quais, muitas vezes, se encontram orientados por fraturamento.

2) Persistindo a condição climática úmida e o levantamento epirogenético da crosta, há a continuidade do entalhamento dos talvegues, fenômeno conhecido como epigenia, antecedência ou superimposição12 , originando verdadeiras “gargantas''. Isto sugere a evolução do próprio sistema hidrográfico, onde aparecem cursos anaclinais ou obseqüentes (contrários ao mergulho das camadas) ou cataclinais secundários (favoráveis ao mergulho), tributários dos cursos ortoclinais ou subseqüentes ( Fig. 2.22). Generaliza-se o processo de entalhamento da drenagem ou evolução verticalizada da morfologia. Desse modo, a erosão passa a ser induzida pela diferença de resistência das camadas litoestratigráficas (erosão diferencial), caracterizando relevo dissimétrico.

verticalizada da morfologia. (espelhar)

Observa-se que enquanto na zona de contato estrutural os cursos ortoclinais estão relacionados ao intenso aprofundamento dos talvegues (elevada dissecação), aqueles mais afastados do contato tiveram menor entalhamento por terem encontrado camada litológica resistente, como o basalto, a exemplo do comportamento evidenciado na bacia sedimentar do Paraná. Essa diferenciação no grau de entalhamento é que permitirá o desenvolvimento da depressão ortoclinal.

Com a evolução do sistema hidrográfico, identifica-se, a partir de então, o desenvolvimento de padrão de drenagem do tipo treliça, característico das estruturas monoclinais num sistema hidrográfico representado por confluências ortogonais ou subortogonais.

3) Admitindo a possibilidade de alternância climática, de clima úmido para seco, tem-se a interrupção do entalhamento dos talvegues e o predomínio da desagregação mecânica. O recuo paralelo das vertentes, associado à desagregação, e tendo como referência os níveis de base locais correspondentes a antigos leitos fluviais, proporcionaria o alargamento dos vales (evolução horizontal da morfologia). O material produzido por desagregação tenderia a ocupar as áreas depressionárias, promovendo a elevação do nível de base por pedimentação. Dependendo do tempo de duração do processo, poderia se desenvolver uma superfície pediplanada intermontana (Fig. 2.23).


4) Com o retorno das condições climáticas úmidas, haveria uma nova reorganização da drenagem e uma nova reativação dos processos erosivos. Com o aprofundamento da drenagem os paleopavimentos, como os pedimentos que ocupavam os vales por ocasião do clima seco (Fig. 2.24), ficariam suspensos em relação à posição do talvegue atual. As discrepâncias topográficas resultantes, sobretudo na depressão ortoclinal em desenvolvimento, desencadeariam erosão remontante mais intensa dos cursos anaclinais e cataclinais secundários, tributários dos ortoclinais, que comporiam o mencionado compartimento. 

Os cursos anaclinais ou obseqüentes, responsáveis pela continuidade da evolução da escarpa erosiva, poderiam favorecer o desenvolvimento de formas residuais, denominadas morros-testemunhos. Neste estágio é comum o desenvolvimento de cursos fluviais que nascem no reverso da cuesta e se dirigem para o centro da bacia, denominados cataclinais de reverso, por acompanharem o mergulho das camadas.

A dissimetria do relevo é marcada por uma topografia conseqüente de um lado e perpendicular de outro, correspondente ao front da cuesta.

Nesse estágio evolutivo podem se definir os elementos que compõem o relevo de cuesta:

a) Front - Corresponde à escarpa erosiva ou “costão'', que se encontra entre a depressão ortoclinal e a parte superior da cuesta , referente ao reverso.


front normalmente é caracterizado pela cornija, constituída de material ou camada resistente que atenua a evolução erosiva do front ; e pelo talus, constituído por depósito de detritos localizados na base do front (Fig. 2.25). O talus, ou falda da cuesta apresenta forma concavizada, ao contrário da cornija, que se individualiza pela verticalidade (free face).


b) Reverso. Corresponde ao compartimento de cimeira da cuesta , que tem início na parte terminal superior dofront e progride em direção ao centro da bacia sedimentar. Quando caracterizado pelas camadas litoestratigráficas denomina-se reverso estrutural; quando representado por sedimentos resultantes da intemperização da rocha subjacente denomina-se reverso escultural. Quando pediplanado, pode ser denominado de “superfície de erosão”;

c) Depressão ortoclinal. Refere-se à área embutida ou deprimida, a partir do front da cuesta , resultante de processo de denudação comandado pela drenagem ortoclinal (cursos subseqüentes). No caso de cuestasrelacionadas a contato estrutural (cristalino-sedimentar), geralmente as depressões encontram-se “abertas” em direção às rochas mais antigas, suporte das seqüências sedimentares, e deprimidas em direção ao front

Portanto, geralmente, a depressão apresenta um comportamento dissimétrico, com bordas internas íngremes, considerando o front como um dos lados, e externas relativamente suavizadas, considerando o comportamento da estrutura cristalina que foi exumada pelo processo denudacional.

Ainda deve-se considerar a possibilidade de percées, que são boqueirões escavados no front da cuesta por superimposição de cursos cataclinais, ante os esforços epirogenéticos. A extensão das percées depende do mergulho da camada, ou, mais especificamente, da extensão do próprio reverso (Fig. 2.26). Assim, quanto menor o mergulho da camada, maior a extensão do reverso e maior a amplitude das percées.


Os cursos anaclinais ou obseqüentes respondem pela evolução ou recuo do front das cuestas por meio da erosão remontante. A velocidade da evolução do front depende do gradiente do mergulho das camadas. Isto se justifica em função da quantidade de material necessário a ser retirado abaixo da camada sobrejacente (cornija), para que esta seja aluída por falta de sustentação basal. Portanto, o limite de sustentação da cornija é mantido até que o centro de gravidade seja rompido (Fig. 2.27).
da cornija em função do centro de gravidade (G).

A evolução do front depende também da espessura da cornija: quanto mais espessa a camada de material resistente, menor será o recuo mencionado anteriormente. A maior resistência à aluição leva a uma ação mais prolongada da erosão remontante dos cursos anaclinais, visto que maior será o volume de sedimento a ser retirado para romper o limite de sustentação em relação ao centro de gravidade. 

Ainda, quanto mais espessa a cornija, maior será a sua tendência de se tornar convexa, considerando o tempo de exposição da rocha ao intemperismo químico. Ao contrário, as cornijas delgadas, por evoluírem de forma mais rápida, considerando a escala de tempo geológico, geralmente permanecem angulosas, visto que o tempo de exposição ao intemperismo é menor, reduzindo a possibilidade de se tornarem convexas.

Partindo do princípio de que quanto mais fraco o mergulho das camadas litoestratigráficas, maior a propensão ao recuo do front, conclui-se que em tais condições, maior será a possibilidade de elaboração de formas residuais ou morros-testemunhos, resultantes da própria erosão remontante comandada pelos cursos anaclinais (Fig. 2.28).

A) Processo de “festonamento'' do front por erosão regressiva dos cursos anaclinais.

B) Recuo do Front evidenciado pela formação de morro-testemunho.
De acordo com os esquemas apresentados, a erosão remontante dos cursos anaclinais provoca retirada gradativa do material subjacente, o que pode ser exemplificado por sedimentos friáveis, implicando aluição da camada resistente (cornija) com conseqüente “festonamento'' do front (Fig. 2.28 A).

A evolução remontante é tal que pode, inclusive, com o surgimento de novos tributários dos próprios cursos anaclinais, processar fenômeno similar ao de captura por erosão remontante, respondendo pelo cut-off , ou seja, corte de parte do front com tendência de formação de estrutura residual. Assim, tem-se a separação ou desligamento de parte do front por erosão remontante, continuando este a ser recuado. 

À medida que a separação do residual de front em relação ao front atual vai sendo consolidada, tem-se a gênese do morro-testemunho (Fig. 2.28 B), protegido ou não por coroamento de material resistente denominado de somital. A denominação de morro-testemunho' identifica, portanto, a condição que assume ao testemunhar antiga posição do front.

Assim sendo, quanto mais fraco o mergulho das camadas litoestratigráficas de uma cuesta, maior a tendência de recuo do front e, conseqüentemente, maior a possibilidade de formação de morros-testemunhos, o que justifica o maior desenvolvimento destes nas estruturas concordantes horizontais.

Em Goiás, o relevo cuestiforme ocorre na periferia da bacia sedimentar do alto Paraná, na Serra do Caiapó, destacada em trabalho geomorfológico desenvolvido por Ab'Sáber & Costa Jr. (1959). Localiza-se a sudoeste do estado, nas imediações de Caiapônia. Apresenta extenso front , de direção aproximada NE, relativamente festonado, elaborado basicamente em sedimentos arenosos permocarboníferos do Grupo Aquidauna, o mesmo material que representa a depressão ortoclinal. 

O reverso encontra-se parcialmente capeado por sedimentos permianos da Formação Irati e, sobretudo, pela seqüência pelítica terciária da Formação Cachoeirinha. O mergulho das camadas varia entre 3 º a 5 º SE, ou seja, em direção ao eixo da bacia, regionalmente comandado pelo Rio Paranaíba (Fig. 2.29).


Admite-se que a evolução morfológica da cuesta do Caiapó esteja vinculada a processo de falhamento, responsável também pela gênese da denominada Serra Negra, no alto Araguaia, e pelo embutimento da calha do próprio Rio Araguaia em fossa tectônica, reflexo da orogenia Andina. Partindo desse princípio, entende-se que a elaboração da cuesta do Caiapó teve início em algum momento do Terciário, provavelmente no Terciário Superior, haja vista a existência de depósitos considerados terciários na porção superior do reverso.

Por meio de imagens, infere-se a possibilidade de o Rio Claro, em determinados trechos, estar vinculado a provável linha de falha, o que teria permitido o deslocamento de blocos, originando escarpa de falha e preservando a disposição geral do mergulho das camadas.

Após a organização da drenagem, inicia-se o recuo paralelo da escarpa por erosão remontante, dos cursos anaclinais, tributários do Rio Claro, promovendo a evolução e conseqüente elaboração de escarpa herdada de falha, denominada front . Acredita-se que o fenômeno tectônico responsável pelo falhamento tenha originado a formação de importante divisor de água regional: os cursos que nascem no front da cuesta integram a bacia do Araguaia (bacia Amazônica), enquanto os que nascem no reverso se dirigem para o Rio Paranaíba (bacia Platina).

O rejeito determinado pela tectônica propiciou o aumento de gradiente e a intensificação do processo de erosão remontante no front da cuesta (Fig. 2.30). Isso contribuiu para a retirada de prováveis seqüências delgadas de sedimentos permianos ou mesmo terciários, exumando as seqüências carboníferas. 

No reverso, a manutenção da declividade do mergulho, ou menor efeito da atividade tectônica, permitiu o desenvolvimento de cursos cataclinais com baixo gradiente e fraco entalhamento de talvegues, proporcionando, com freqüência, o desenvolvimento de depósitos aluviais holocênicos (veredas) sobre as coberturas terciárias. Esse fato indica redução da capacidade de transporte pela disposição do gradiente e pela própria vazão reduzida.


A linha de cuesta divide dois compartimentos distintos: a depressão ortoclinal, abaixo, entre 700 e 800 metros de altitude, e o reverso da cuesta, a aproximadamente 1.000 metros de altura. A depressão ortoclinal, esculpida em sedimentos arenosos da Formação Aquidauana, contribui para o desenvolvimento de formas residuais aguçadas, do tipo torres ou alcantis (Planalto dos Alcantilados, de Almeida, 1959). 

Apresenta drenagem dendrítica, com fortes angularidades produzidas pelos reflexos da tectônica quebrante. O reverso da cuesta , (Fig. 2.29), recoberto por seqüências deposicionais terciárias, apresenta-se dissecado em formas tabulares amplas, com drenagem de padrão treliça, tendendo a pinado, com direção cataclinal. Esses cursos, além de proporcionarem a gênese de depósitos holocênicos em superfícies alveolares, permitem a exumação da seqüência subjacente, referentes a sedimentos permianos.

Os dois compartimentos refletem formas de apropriação diferenciada do solo: enquanto na depressão ortoclinal, de formas convexas e estruturas ruiniformes, predomina a pecuária extensiva , no reverso evidenciam-se cultivos comerciais, onde a disposição tabular do relevo favorece o processo de mecanização.

2.2.1.2. Características morfoestruturais em Áreas de Deformação Tectônica

A partir de agora, serão feitas algumas considerações a respeito da evolução morfológica em estruturas deformadas pela tectônica, utilizando-se dos modelos clássicos em geomorfologia. Na oportunidade serão destacados os modelos do tipo Hob-back , dômico, esculpido em dobras e de estruturas falhadas.

a) Relevo do Tipo Hog-back

Os hog-backs são formas similares às cuestas , porém elaborados em estruturas monoclinais com mergulhos superiores a 30 O . Considerando o declive necessário à sua caracterização, torna-se possível entendê-los como vinculados a fenômenos tectônicos, uma vez que dificilmente se constatam mergulhos em tais proporções, associados unicamente aos processos de deposição.

Por admitir semelhança evolutiva com o relevo de cuestas , será apresentado exemplo goiano, que caracteriza a referida morfologia: a Serra Dourada, localizada na cidade de Goiás .

A Serra Dourada, de direção predominantemente ENE (60-80 º NE), com front voltado para norte, constitui importante divisor entre as bacias Platina e Amazônica. Os cursos originados no reverso integram a bacia do Paranaíba e os rios que nascem no front do hog-back integram a bacia do Araguaia. Sua imponência e extensão devem-se aos quartzitos muscovíticos que a sustentam a uma altitude de 1.000 metros .

front é marcado pela presença quase contínua de cornija estrutural, chegando a atingir até 20 metros de exposição, em extrema verticalidade (free-face), a partir da qual colúvios pedogenizados recobrem níveis de pedimentação. O talus apresenta-se preenchido por colúvios provenientes de montante que atenuam a declividade em aproximadamente 30 º O relativo festonamento do front é determinado pelo efeito de erosão remontante de cursos anaclinais, como os córregos Pedra de Amolar, do Aguapé e Santo Antônio, tributários do Rio Vermelho.

O reverso é marcado por seqüência de clorita-quartzo-xistos, filitos quartzosos e sericíticos, com presença de bancadas escalonadas, determinadas por resistência estrutural e realçadas pela incisão dos cursos cataclinais. Apresenta elevado mergulho das camadas, em torno de 30 a 40 O SSE ou SW, refletindo na própria limitação evolutiva do front . Os cursos cataclinais de reverso, como os córregos Cafundó, Conceição e Fundo, formam verdadeiras cluses13 , coincidentes com falhamentos conseqüentes, fato que faz evidenciar a presença de terraços estruturais ao longo dos vales (Fig. 2.31).


O reverso é marcado por terreno ondulado, interrompido por cristas quartzíticas ou ocorrências de cordierita horblenda gnaisses, como na Serra São João, ou granada-muscovita-xistos na Serra Mangabal.

A depressão ortoclinal ou setor intermontano (450- 650 metros) corresponde ao anfiteatro granito-gnáissico do Complexo Goiano, pontilhado de paleo inselbergs . Localmente o knick14 é caracterizado pelo contato estrutural (Complexo Goiano-Grupo Araxá), recoberto por espesso nível de pedimentos quartzosos, que se adelgaçam à medida que se afastam do front.

A gênese do hog-back em questão é entendida da seguinte forma:

1) Estruturalmente resulta de provável braquianticlinal, ou seja, uma grande anticlinal que teria sido esvaziada, restando apenas o flanco meridional, responsável pela morfologia resultante (Fig. 2.32d). Portanto, a gênese estrutural estaria relacionada à tectônica, justificando as razões do elevado mergulho.

c) Provável ocorrência de falhamentos em direção à bacia do Araguaia (como teria acontecido com relação àcuesta de Caiapó), vinculada à orogenia Andina (Terciário).

d) Elaboração parcial do hog-back da Serra Dourada após arrasamento do flanco setentrional da braquianticlinal.


2) Após dobramento (pré-cambriano) que resultou na elaboração da braquianticlinal (Fig. 2.32a) (sucessivos efeitos morfoclimáticos) , o processo de pediplanação terciária teria respondido pelo seccionamento da parte superior da anticlinal, atingindo a faixa dos quartzitos micáceos até então recobertos pelas seqüências de topo (clorita-quartzo xistos e quartzo-clorita xistos) evidenciadas na periferia do reverso (Fig. 2.32b). 

A organização da drenagem em fase climática úmida obedeceu à imposição morfoestrutural associada ao mergulho divergente. Este fato conferiu à rede de drenagem um padrão radial centrífugo. Além disso, a epirogênese promoveu entalhamento generalizado dos talvegues.

3) Efeitos da tectônica quebrante, associados aos reflexos da orogenia Andina, foram sentidos no interior do continente brasileiro e foram responsáveis pela elaboração da calha do Araguaia e de uma rede pronunciada de falhamentos, que parecem ter atingido a seção setentrional da referida braquianticlinal (Fig. 2.32c). 

A drenagem é definitivamente partida, permanecendo a área setentrional, tectonicamente mais afetada, o que permitiu a aceleração dos efeitos erosivos. O forte gradiente intensificou a erosão remontante, enquanto a parte meridional, oposta, apresentou comportamento mais estável, apesar de os falhamentos transversais terem favorecido o entalhamento dos cursos cataclinais, originando as denominadas cluses (corte transversal ao eixo da anticlinal ou às direções de camada produzidas por cursos d'água).

4) Finalmente, tem-se o arrasamento total da parte setentrional da braquianticlinal, com exumação da estrutura subjacente, representada pelo Complexo Granulítico (granito-gnaisses) e continuidade evolutiva do flanco meridional, hoje caracterizado pelo reverso do hog-back em questão. (Fig. 2.32d).

Provavelmente no Pliopleistoceno, nova fase de clima agressivo seco foi responsável pela elaboração de pediplanos intermontanos , bem preservados nos topos interfluviais no sudeste do reverso, na região de Itaberaí -GO.

A resistência oferecida pelos quartzitos micáceos que compõem a cornija estrutural ( free face ), o forte mergulho das camadas ( 30 a 40 O ), e o caráter intermitente de grande parte dos cursos anaclinais, atenuam os efeitos de uma evolução regressiva do front . No reverso, a topografia orientada pela estrutura e o uso e ocupação do solo (Cambissolos distróficos, com horizonte B incipiente), contribuem para algumas evidências de erosão acelerada, sobretudo comandada pelo escoamento concentrado.

b) Relevo do Tipo Dômico

O relevo do tipo dômico corresponde a uma estrutura circular resultante de atividade intrusiva (plutonismo ou fenômenos magmáticos) que provocou arqueamento da paleomorfologia, com conseqüente elaboração de abóbada topográfica. Os melhores exemplos são observados em seqüências sedimentares que passaram a ter as seqüências litoestratigráficas em conformação com a disposição do corpo intrusivo. A elevada temperatura do material intrusivo gera metamorfismo de contato, alterando o comportamento físico ou as propriedades geomorfológicas das rochas.

A dimensão de um domo varia segundo a proporção do corpo intrusivo, que pode estar ou não concordante com as rochas encaixantes, ou segundo planos de estratificação ou de xistosidade. O sill , o lacólito, o lopólito e o facólito são exemplos de corpos intrusivos concordantes com as rochas encaixantes, enquanto o dique, o neck , a apófise e o batólito são discordantes. 

Esses corpos intrusivos são de origem tectônica, com material proveniente do sima ou parte superior do manto, embora os domos salinos sejam entendidos como resultantes de processos atectônicos (baixa densidade do cloreto de sódio que tende a ocupar um nível superior em relação às rochas sobrejacentes). O efeito intrusivo pode ocasionar anomalia geotérmica explicando, em determinadas situações, a gênese de águas termais.

Após efeitos erosivos, associados a processos epirogênicos positivos, a estrutura dômica tende a proporcionar o desenvolvimento de uma morfologia circular ou elíptica, dada a resistência não só do corpo intrusivo, como também das rochas encaixantes que foram submetidas a metamorfismo de contato. 

Em função dos processos erosivos o core intrusivo pode ser exumado, a exemplo dos dunitos e serpentinitos de Serra Negra, no município de Patrocínio, Minas Gerais (Casseti, 1977), ou permanecer encoberto, como no caso da Serra de Caldas Novas, GO, embora este seja também interpretado como antigo aparelho vulcânico preenchido por sedimento Terciário, considerando a disposição morfológica e inferências magnetométricas, ou ainda interceção de dobras.

A evolução de uma estrutura dômica pode ser esquematizada da seguinte forma:

a) Com a atividade intrusiva em uma determinada seqüência sedimentar de forma concordante, tem-se o arqueamento estrutural e a conformação dos estratos em função do corpo intrusivo, além de possível metamorfismo de contato ( Fig.2.33 ). As camadas mais próximas ao core intrusivo tendem a apresentar um mergulho superior em relação às seqüências periféricas, com possibilidade de alternância de camadas de resistência variada.

b) Após efeito intrusivo, segundo exemplos brasileiros, o domo é submetido a efeitos morfoclimáticos agressivos (clima seco), responsáveis pelo recuo paralelo de vertentes, com tendência de pediplanação da área, podendo haver seccionamento das rochas arqueadas e exumação do core intrusivo (Fig. 2.34). Com o retorno do clima úmido, a drenagem é organizada obedecendo a um padrão radial centrífugo, em sincronia com os efeitos epirogênicos positivos, que ativam o entalhamento dos talvegues.


c) À medida que a área vai sendo soerguida por efeito epirogenético positivo, os cursos cataclinais vão cortando, por epigenia ou superimposição, camadas de diferentes resistências, quando começam a aparecer, então, tributários ortoclinais, que se instalam nas camadas circulares de menor resistência, levando à configuração de um padrão de drenagem ânulo-radial. A partir de então, os cursos ortoclinais aprofundam os talvegues nas camadas circulares menos resistentes ou friáveis, proporcionando o destaque de saliências topográficas das seqüências resistentes e originando vales assimétricos. As seqüências resistentes assumem características de pequenos hog-backs também denominados cristas monoclinais (Fig. 2.35 e 2.36).

Os cursos cataclinais superimpostos, ao serem submetidos ao soerguimento crustal, entalham fortemente os talvegues, e na elaboração dos vales homoclinais pelos tributários ortoclinais, os cortes efetuados pelos primeiros se destacam sob forma de gaps ou gargantas epigênicas. As gargantas epigênicas são denominadas de water gap, quando atravessadas por cursos d´água, e wind gaps quando a drenagem responsável pela sua gênese tenha desaparecido. Assim, a gênese de vales ortoclinais dissimétricos elaborados pelos cursos homônimos em camadas friáveis coloca em destaque as cristas monoclinais atravessadas por gaps epigênicas ou superimpostas pelos cursos cataclinais (Fig. 2.36).


A dissimetria dos vales ortoclinais é estabelecida pela relação entre a perpendicularidade das camadas do frontde uma crista monoclinal em relação ao reverso da crista anterior, que concorda com a disposição do mergulho.

Numa fase mais adiantada, a presença de cursos anaclinais, tributários dos ortoclinais, promove o recuo do frontdas cristas monoclinais por erosão remontante, sobretudo pelo forte gradiente. Observa-se mais uma vez que, quanto maior o gradiente de mergulho da camada, menor a tendência de evolução do front ( Fig. 2.26).

O resultado desse estágio evolutivo permitirá a caracterização de uma morfologia representada pela sucessão de cristas e vales circulares, ou elípticos, associados ao comportamento do corpo intrusivo.

Como exemplo de relevo dômico tem-se o domo de Serra Negra, no município de Patrocínio, em Minas Gerais , que abrange uma área de aproximadamente 500 km².

O corpo intrusivo, representado pelo dunito, processou o soerguimento dos sedimentos do Grupo Paranoá, carregando xenólitos provenientes do manto, bem como outras rochas do embasamento. Trata-se de materiais intrusivos com idade de 82 milhões de anos (Cretáceo Superior).

O caráter intrusivo determinou o arqueamento e lineamento estrutural concêntrico da seqüência estratigráfica e um mergulho das camadas de maneira centrífuga, a partir do core. Junto à massa dunítica exposta no setor norte, o mergulho de acamamento é da ordem de 65 º , enquanto no sul é de 50 º . Cerca de 50 falhas normais foram registradas, as quais, na maioria, após pediplanação terciária, foram ocupadas pela rede de drenagem radial (cursos cataclinais), o que favoreceu o entalhamento pronunciado dos talvegues.

Na seqüência litoestratigráfica, os quartzitos e folhelhos do Grupo Paranoá, metamorfizados pela ação tectônica e depois seccionados pela pediplanação, que exumou parcialmente o corpo intrusivo, foram cortados indistintamente pela drenagem cataclinal (superimposição), favorecida pela rede de falhas radiais e efeitos epirogênicos positivos, subseqüentes.

Com a organização dos cursos ortoclinais (tributários dos cataclinais) nas seqüências anelares, representadas pelos folhelhos sílticos ou argilosos, iniciou-se um processo de elaboração dos vales homoclinais dissimétricos com a conseqüente exposição dos quartzitos ou ortoquartzitos, constituindo sucessão de cristas monoclinais concêntricas. O entalhamento processado pelos cursos cataclinais nas faixas quartzíticas, com elaboração de vales ortoclinais, resultou na exposição de gaps epigênicas.

O restante das formações - cobertura detrito-laterítica - que compõe o topo horizontalizado pediplanado do complexo dômico, denominado Chapadão do Ferro, encontra-se em processo de erosão remontante dos cursos cataclinais, onde é exumado o material pertencente ao corpo intrusivo (dunitos e serpentinitos). No topo, a 1.200 metros , desenvolve-se extenso lago atribuído à dissolução do carbonatito, que participa do referido corpo (Fig. 2.37).

A parte periférica do domo, além de submetida a processo de pediplanação intermontana nos folhelhos do Subgrupo Paraopeba, encontra-se parcialmente coluvionada por material proveniente da intemperização do dunito, que proporciona fertilidade natural com conseqüente aproveitamento do solo por atividades agrícolas.


c) Relevos Esculpidos em Dobras

Dobra é uma curvatura ou flexão produzida em seqüências litoestratigráficas associadas a efeitos tectônicos. Para isso é necessário que o material submetido aos efeitos de compressão apresente condições de deformação plástica, muitas vezes obtida graças ao tempo de duração das forças aplicadas. As rochas apresentam um limite de resistência à compressão, o que explica as razões de umas se dobrarem por apresentar maior capacidade de deformação elástica, e outras, pelo estágio de pressão, ultrapassam o limite de resistência. 

Quando a pressão incidente ultrapassa o limite de resistência, tem-se a ruptura, que pode se comportar como uma fratura ou como uma falha. Esse fato explica porque o quartzito, ao ser submetido à compressão, se fratura com facilidade, sendo entendido como “incompetente” quanto à deformação, enquanto outras, como as próprias formações de argilas, são maleáveis à pressão, mantendo sua forma dobrada sem se fraturar, sendo denominadas de rochas “competentes”.

As dobras estruturais são compostas de determinados elementos, como: a) sinclinais, que correspondem às partes côncavas das dobras; b) anticlinais, que representam os setores convexos; c) flancos, que correspondem aos lados que ligam a anticlinal à sinclinal; d) eixo ou charneira, que se refere à linha ao redor da qual se dá o dobramento; e) plano axial, correspondente à superfície que divide a dobra em duas partes similares (Fig. 2.38 ), indicando seu grau de simetria.


Existem diferentes tipos de dobras, relacionadas ao próprio jogo das forças de compressão (anticlinal, sinclinal, monoclinal), que podem ser agrupadas em simétricas (quando existe simetria entre os flancos) e dissimétricas (quando não existe simetria).

Consideram-se dois tipos básicos de relevo elaborado em estrutura dobrada: o jurássico e o apalachiano, a serem descritos a seguir. Dada a duração de tempo necessária para a individualização desses tipos de relevos, encontram-se na presente abordagem vinculados aos efeitos tectônicos pré-cambrianos, sobretudo proterozóicos, ou ainda a material sedimentar dobrado em épocas que remontam ao Paleozóico.

d) Relevo do Tipo Jurássico

O relevo jurássico, nomenclatura proveniente do Jura, região dobrada da França, é o resultado da evolução morfológica de uma estrutura dobrada, onde a intercalação de camadas de diferentes resistências e as atividades morfogenéticas em diferentes condições climáticas respondem pela inversão do relevo, ou seja, as anticlinais são arrasadas, por corresponderem a material friável, enquanto as sinclinais ficam alçadas, por serem individualizados por rochas duras.

O processo evolutivo de um relevo do tipo jurássico pode ser assim suposto: a) Após dobramento em estrutura sedimentar, gerando arqueamento de camadas de resistências diferenciadas, as anticlinais, que constituem as saliências topográficas, podem ser submetidas a recuo paralelo por desagregação mecânica sob a ação do clima seco, tendo as sinclinais como níveis de base. Os mecanismos morfogenéticos mecânicos ao longo do tempo geológico originam pediplanação, com destruição das anticlinais, enquanto parte do material resultante da desagregação inuma as sinclinais (Fig. 2.39 ). Assim, as camadas dobradas, de diferentes graus de resistência, são seccionadas e parcialmente mascaradas por coberturas detrítico-lateríticas.

Com o retorno do clima úmido, imagina-se a organização de um sistema hidrográfico representado inicialmente por cursos ortoclinais, ocupando indistintamente eixos de sinclinais pedimentadas ou anticlinais seccionadas. Efeitos epirogenéticos positivos contribuiriam para o entalhamento dos talvegues e a conseqüente erosão diferencial.

b) Após entalhamento significativo dos talvegues, a área pode novamente ser submetida à morfogênese mecânica (clima agressivo), causando desde simples reafeiçoamento das vertentes por recuo paralelo, com abertura lateral de vales, até o desenvolvimento de pediplanos intermontanos, dependendo apenas da duração do período seco ( Fig. 2.40 ).

No esquema representado ( Fig. 2.39 ), os cursos ortoclinais, localizados no eixo das sinclinais, entalham menos que os localizados na charneira arrasada da anticlinal, determinada pela diferenciação litológica, ou seja, enquanto os primeiros são interrompidos por camada resistente, o outro se organiza e se desenvolve em camada friável, visto que o mont (capa resistente do anticlinal) teria sido arrasado anteriormente por processo de pediplanação.


c) Após a possibilidade de abertura dos vales, com o retorno ao clima úmido, verifica-se tendência de reorganização da drenagem, onde novos tributários dos paleocursos ortoclinais aparecem ( Fig. 2.41 ). Tem-se assim, a inversão do relevo, com sinclinais alçadas, mantidas por resistência litológica, se comportando como cornijas estruturais, e anticlinais entalhadas, por corresponderem a seqüências de materiais friáveis.


Como exemplo de relevo do tipo jurássico em Goiás, pode-se considerar a inversão morfoestrutural a leste da cidade de Niquelândia. O relevo é marcado por sinclinais suspensas, revestidas por camadas do Grupo Paranoá (Proterozóico Superior), enquanto a anticlinal arrasada é representada por seqüência do Grupo Araí (Proterozóico Médio). 

A anticlinal arrasada é individualizada por metassiltitos, com restos de flancos resistentes denominados gret (escarpa de camada dura de flanco da anticlinal, voltada para o interior da combe ), representados pelos quartzitos (Formação Traíras do Grupo Araí). As sinclinais suspensas encontram-se mantidas pelos quartzitos (continuação do mont ) inumadas por restos de sedimentos silto-arenosos do Grupo Paranoá ( Fig. 2.42 ).

Admite-se que o dobramento em questão esteja provavelmente relacionado ao ciclo Brasiliano (Proterozóico Superior), envolvendo as seqüências metassedimentares dos Grupos Araí (Formação Trairas) e Paranoá.


Após processo de pediplanação, que teria ocasionado o seccionamento de ambas as formações, organizou-se a drenagem, com conseqüente soerguimento epirogenético, onde os cursos entalharam seus talvegues em grau diferenciado pela alternância litológica.

Deve-se considerar ainda que a provável existência de falha perpendicular ao eixo do anticlinal teria ocasionado um desvio angular do Rio Bagaginha, no início da superimposição, rompendo o flanco da anticlinal quartzítica e originando uma cluse (passagem de um rio através de um mont ). 

O Rio Bagaginha, após organizar-se ao longo do eixo da sinclinal meridional (sentido E-W), muda abruptamente de direção (S-N), devido ao falhamento transversal, razão do rompimento do quartzito, dando origem à referida cluse . Quando penetra na anticlinal arrasada, recebe o ribeirão Conceição, passando novamente a assumir a direção E-W, até desaguar no Rio do Peixe ( Fig. 2.43 ).

Após o entalhamento da drenagem, associado a esforços epirogenéticos positivos, com grau diferenciado de erosão dada a variação litoestratigráfica, a área foi submetida à morfogênese mecânica (clima seco), levando à abertura de vales. Com o retorno do clima úmido, a drenagem foi reorganizada, dando prosseguimento à individualização da inversão do relevo ( Fig. 2.43 ).


A anticlinal “esvaziada”, representada pelas cotas dos 500 metros , corresponde ao Vão do Ribeiro, caracterizado pelos metassiltitos da Formação Traíras, deprimido entre restos de flancos da anticlinal ( cret ), caracterizados pelas serras dos Bois ( 700 metros ) e dos Rogados ( 800 metros ) ou Larga (cristas quartzíticas), evidenciando-se, na última, a presença de cluse escavada por superimposição do rio Bagaginha. Nas sinclinais suspensas ( 600 metros ), são encontrados restos das seqüências sedimentares (siltitos e arenitos) do Grupo Paranoá.

e) Relevo do Tipo Apalacheano

Enquanto o relevo do tipo jurássico é entendido como o resultado de inversão do relevo a partir de uma sucessão regular de dobras, o apalacheano se caracteriza pelo paralelismo de cristais e vales, originados a partir de total aplainamento de estrutura dobrada.

Para compreender a evolução do relevo apalacheano devem ser consideradas as seguintes premissas:

a) O material dobrado e aplainado deve ser heterogêneo, para expor seqüências paralelas, representadas por camadas duras e tenras ou friáveis;

b) Organização de drenagem, associada a efeito epirogenético positivo, responsável pela retomada erosiva.

No presente caso podem existir também sinclinais suspensas ao lado de anticlinais arrasadas, normalmente isoladas ou integrando um conjunto caracterizado por sucessão de cristas. As cristas são constituídas por rochas resistentes enquanto os vales identificados por rochas tenras. A morfologia resultante, a exemplo das sinclinais alçadas da Chapada dos Veadeiros, não se enquadra no conceito genético de relevo do tipo jurássico.

Para se compreender o processo evolutivo do relevo apalacheano, que praticamente obedece aos mecanismos descritos no relevo jurássico, admite-se que:

a) Após processo de pediplanação, que gerou extensa superfície de erosão, houve um período de umedecimento climático, no qual organizou-se o sistema hidrográfico, comandado por curso cataclinal que se superimpôs e entalhou progressivamente seus talvegues, cortando camadas de diferentes resistências ( Fig. 2.44 ).

b) À medida que o curso cataclinal definiu o seu leito, rompendo camadas de resistências diferentes, começaram a aparecer tributários ortoclinais, orientados pelas camadas de menor resistência, paralelos à direção das dobras. Formou-se, portanto, uma drenagem do tipo retangular, com confluências ortogonais, e possibilidade de ocorrência de “baionetas”15 .

Uma fase agressiva intermediária deve ter ocorrido para favorecer o alargamento de vales, com elaboração de níveis de embutimento pediplanados.


A continuidade da evolução da morfologia, comandada pelo sistema hidrográfico, proporciona a caracterização tipológica do relevo apalacheano, o que define com precisão a sucessão de cristas e vales paralelos, com as respectivas denominações ( Fig. 2.45).

Cristas monoclinais, anticlinais ou sinclinais são mantidas por camadas resistentes, e vales anaclinais, cataclinais e sinclinais, por camadas tenras, com possibilidade de inversão de relevo.

Como exemplo de relevo do tipo apalacheano, pode-se considerar a sucessão de cristas e vales paralelos evidenciados no município de Alvorada, Estado do Tocantins, à margem esquerda do rio Tocantins, nas proximidades da confluência com o Rio Paranã. A imagem de radar permite a nítida observação do aspecto morfológico considerado, cuja seção periclinal16 da dobra (fechamento da dobra) é denominada regionalmente de Serra Grande.

O relevo em foco encontra-se esculpido em estrutura dobrada no Proterozóico, representada pelo Grupo Araxá. Localmente apresenta-se individualizado por seqüências estratigráficas diferenciadas (metassedimentos), caracterizadas pelos quartzitos (cristas) e micaxistos (vales).

Os testemunhos da pediplanação que seccionou restos de cristas aos 900 metros de altura, se constituem no estágio referencial para o entendimento do processo evolutivo desse relevo.

Assim, torna-se possível entender esse processo com a organização de um sistema hidrográfico ortoclinal, em superfície aplainada, onde efeitos epirogênicos positivos, ao mesmo tempo em que proporcionavam entalhamento dos talvegues, permitiam a acomodação dos referidos cursos nas seqüências menos resistentes, no caso específico representadas pelos micaxistos.

Apesar da ausência de subsídio para maior esclarecimento, admite-se que os vales tenham sido relativamente alargados pela morfogênese mecânica, sob condição de clima seco. Uma nova fase de clima úmido teria restabelecido a drenagem e permitido o desenvolvimento de tributários anaclinais e cataclinais, tendo os primeiros, contribuído para o recuo paralelo de cristas monoclinais ( Fig. 2.46 ).

A presença de algumas falhas transversais favoreceu o desenvolvimento de cursos que foram superimpostos, como o córrego Porteira, formando gaps (localizadas mais ao norte, não evidenciadas no esquema), sem qualquer característica genética comandante da referida evolução, o que levou à justificativa considerada, quanto à ausência de um curso cataclinal responsável pelo processo inicial.

Cursos ortoclinais, como os córregos das Pedras e Água Bonita, originaram vales ortoclinais nos micaxistos do Grupo Araxá, ou vale anticlinal, como no caso do rio das Alminhas. O entalhamento dos talvegues, associado aos fenômenos denudacionais subseqüentes, permitiram o destaque das cristas monoclinais ou isoclinais quartzíticas, truncadas durante o processo de pediplanação.

f) Relevo Elaborado em Estrutura Falhada

Quando as forças de compressão, associadas às atividades tectônicas, rompem o limite de resistência de determinada rocha, sobretudo aquelas incompetentes, que não resistem a esforços de dobramento, tem-se a origem de rupturas, como as caracterizadas pelas fraturas ou falhamentos. A origem da falha está no deslocamento relativo dos blocos contíguos ao longo de uma fratura, favorecido por efeitos de tensão. 

O plano sobre o qual se dá o deslocamento é denominado plano de falha, cuja fratura pode ser preenchida por material fragmentado, resultante do trituramento da própria rocha com o atrito, conhecido por brecha de falha ou milonito. A parte exposta, resultante do deslocamento, é denominada espelho tectônico, que submetido à erosão converte-se em escarpa de falha. O deslocamento dos blocos, muitas vezes identificados por camadas-guias, como as seqüências litoestratigráficas que se deslocaram em função do falhamento, é conhecido como rejeito ( Fig. 2.47 ).


Na análise evolutiva de um relevo falhado devem ser levados em consideração os diferentes tipos de falhas, como as normais, as transcorrentes ou de deslocamento horizontal, sistemas de falhas que explicam a gênese de fossas tectônicas, dentre outros. Além do tipo de falha deve-se considerar as respectivas intensidades e grau de complexidade relacionados com os demais componentes estruturais, o que acarretará diferenciação evolutiva e caracterização da morfologia resultante.

Os relevos originados por falhamento dependem do arranjo e extensão dos deslocamentos que afetam preferencialmente regiões cristalinas, dada a rigidez das rochas e a sucessão de forças de compressão a que foram submetidas. No domínio cristalino as falhas encontram-se quase sempre relacionadas aos respectivos ciclos tectogenéticos, ou foram remobilizadas por ocasião da orogenia andina, como acontece ao longo da costa oriental brasileira. 

A colisão de placas no Terciário repercutiu inclusive nas bacias sedimentares, como no deslocamento de blocos na borda ocidental da bacia do alto Paraná, exemplificado pelo front da Serra do Caiapó, e até mesmo em seqüências mais modernas como em bancadas ferruginosas do Terciário Médio, na região de Brasília.

No caso de falhamento normal, pode-se estimar evolução morfológica a partir da organização do sistema hidrográfico, que, se estiver estruturalmente conforme, poderá intensificar a erosão remontante na escarpa de falha em função do forte gradiente produzido. O entalhamento pronunciado de talvegues em gradientes relacionados a espelhos de falhas normais tenderá a elaborar, numa primeira fase, facetas trapezoidais. A abertura progressiva dos vales, decorrentes do processo de denudação, proporcionará a transformação das facetas trapezoidais em triangulares ( Fig. 2.48 ).


Uma falha elaborada em seqüências litoestratigráficas de resistências diferentes pode evoluir para a inversão topográfica do relevo. Admitindo-se que a escarpa de falha encontra-se protegida por camada resistente, sobrejacente a seqüências tenras, e seja submetida à ação remontante de cursos conformes ou cataclinais, estima-se a seguinte possibilidade evolutiva:

a) Os cursos conseqüentes, em decorrência do forte gradiente produzido pela falha, tendem a entalhar a escarpa, atacando inicialmente o material friável subjacente à cornija. Com a redução gradativa da seqüência friável pode-se ultrapassar o limite de sustentação proporcionado pelo centro de gravidade da rocha, resultando na aluição da camada resistente sobrejacente ( Fig. 2.49a ). Assim, progressivamente, a escarpa vai sendo erodida, transformando-se em “escarpa herdada de falha'' (Fig. 2.49b ), enquanto o bloco deprimido permanece inalterado e protegido pela seqüência resistente, que corresponde à camada sobrejacente da própria escarpa. 

A erosão mais ativa nos terrenos tenros que compõem a escarpa pode evoluir até fazer com que o bloco originalmente elevado fique rebaixado em relação ao terreno resistente, correspondente ao bloco oposto, outrora deprimido. A partir de então, tem-se o desenvolvimento de ”escarpa de linha de falha'', com inversão do relevo e, conseqüentemente, do sistema hidrográfico ( Fig. 2.49c ).

O processo pode ser reiniciado em situação oposta, até que a erosão diferencial ressalte novamente o plano de falha original, promovendo o rejuvenescimento da escarpa. Além dos efeitos morfoestruturais da tectônica quebrante no relevo, observam-se também implicações no comportamento hidrográfico.

Às vezes, as discrepâncias topográficas processadas por deslocamento de blocos foram mascaradas pelos efeitos morfoclimáticos subseqüentes, podendo ser inferidas através de anomalias no próprio traçado dos cursos d'água. Um dos efeitos principais da tectônica quebrante na disposição dos rios é evidenciado pelas angularidades, como as retangulares ou dendrítico-retangulares, particularizando determinado padrão de drenagem. 

A angularidade, conforme o próprio nome indica, refere-se a mudanças bruscas, às vezes ortogonais, na disposição de um curso d'água, evidenciando-se a gênese de “baionetas”, acepção dada à sucessão de angularidades, como mostra o esquema referente ao baixo Ribeirão Anicuns, em Goiânia-GO ( Fig. 2.50 ).


Como exemplo goiano de relevo elaborado em estrutura falhada, tem-se a Serra Geral do Paranã, utilizando-se a seção esquemática localizada nas proximidades de São Gabriel de Goiás, município de Planaltina-GO.

A serra Geral do Paranã corresponde à escarpa herdada de falha inversa, cuja capa é formada por quartzitos do Grupo Paranoá (anteriormente caracterizado como formação basal do Grupo Bambuí), que cavalgam os arcóseos da Formação Três Marias (formação ou seqüência de topo do referido grupo). Enquanto o pediplano de cimeira, sustentado pelos quartzitos (capa), encontra-se marcado pelas cotas de 1.200 metros , a zona deprimida (lapa) caracterizada pela Formação Três Marias, correspondente ao pediplano intermontano do Vão do Paranã, é individualizado pelas cotas médias dos 600 metros.

Além do deslocamento estrutural produzido por falhamento, a erosão diferencial comandada pelo sistema hidrográfico, submetido aos efeitos epirogenéticos, processou diferença topográfica da ordem de 600 metros ( Fig. 2.51 ).

Admite-se que a escarpa resultante tenha sofrido recuo significativo quando da ação prolongada da morfogênese mecânica, responsável pela elaboração do pediplano intermontano. Com a organização da drenagem decorrente de uma nova fase de clima úmido, os cursos anaclinais, como os córregos Itiquira, Palmeira e dos Porcos, contribuíram para a continuidade da evolução da escarpa, o que pode ser comprovado pela existência de uma série de recuos no front , associados à erosão remontante, proporcionando “festonamento” relativo. 

Apesar do elevado gradiente, o forte mergulho das estruturas metassedimentares atenua o ataque erosivo processado pelos cursos anaclinais. Os boqueirões resultantes da erosão remontante na escarpa encontram-se ocupados por vegetação herbáceo-arbustiva, identificando o caráter de estabilidade relativa do relevo.

Abaixo da cornija estrutural ( free-face ) inicia-se a zona de deposição de detritos ( debris slope ) que transgride em direção ao pediplano intermontano. A disposição concavizada do tálus é explicada pela existência de pedimentos detríticos que recobrem o knick resultante do recuo paralelo do front por morfogênese mecânica, posteriormente inumado por colúvios pedogenizados (clima úmido). Assim, tem-se o mascaramento completo da linha de falha.

O topo pediplanado aos 1.200 metros , com relevo suavemente dissecado em formas tabulares, apresenta caimento suave em direção W , pouco trabalhado pelos cursos cataclinais de reverso. Ao norte de São Gabriel, a presença de rift-valley (sistema de falhas de gravidade) em quartzitos ( Fig. 2.51 ), gera escarpas caracterizadas por facetas triangulares, elaboradas pelos tributários do córrego Piedade. O córrego Piedade, encaixado em falha paralela ao topo da escarpa, elaborou um vale amplo e profundo, conhecido regionalmente como Vão do Piedade.

2.2.1.3. Características morfológicas em estruturas cársticas e cristalinas

Serão feitas algumas considerações a respeito das principais características morfológicas em estruturas cristalinas e cársticas ou calcáreas, procurando ressaltar o caráter evolutivo com base no jogo de forças contrárias e reações específicas.

a) Relevo em Estrutura Cristalina

A estrutura cristalina incorpora a noção de “plataforma'' conceituada anteriormente, classificada em paraplataforma e ortoplataforma. A primeira constitui-se de embasamento menos consolidado que a última. As paraplataformas recobrem-se de sedimentos típicos de plataforma, de espessuras geralmente maiores que as verificadas sobre as ortoplataformas, além de freqüentemente menos maturos e extensos. As paraplataformas resultam de “aulacógenos”, que são grandes fossas tectônicas, como os rift valleys africanos, preenchidos de sedimentos que foram comprimidos por reativação das “ortoplataformas”.

As evidências morfológicas associadas às estruturas cristalinas não se restringem àquelas vinculadas ao processo genético das rochas ígneas, mas também às metassedimentares, submetidas aos efeitos tectônicos, sobretudo proterozóicos, aos quais deve-se incorporar manifestações de natureza ácida e ultrabásica.

As rochas cristalinas apresentam características próprias, decorrentes de condições específicas quanto a estrutura e textura. Apesar de possuírem baixo grau de permeabilidade, apresentam rede pronunciada de fraturas e diáclases, e considerável heterogeneidade de minerais, contribuindo para o processo de intemperização química. A impermeabilidade e os efeitos tectônicos contribuem para a caracterização de uma drenagem do tipo dendrítica. A rede de diáclases, muitas vezes ortogonal, acelera a decomposição esferoidal em ambientes úmidos, dando origem aos “matacões” e às morfologias convexas.

O mecanismo essencial de alteração das rochas nas regiões intertropicais úmidas é a hidrólise, enquanto os elementos mais suscetíveis à climatização são os silicatos, que correspondem a mais de 70% dos minerais presentes na superfície terrestre. Maiores considerações sobre o processo de hidrólise serão feitas no capítulo seguinte.

A água pura ioniza apenas ligeiramente, mas reage com os silicatos, facilmente intemperizáveis. A reação implica destruição praticamente completa da rede silicatada original, com remoção do íon magnésio ou potássio, no caso do ortoclásio.

A seqüência de Goldich (1938), apresentada no próximo capítulo, mostra a resistência dos minerais à hidrólise, considerando as rochas aluminossilicáticas. O autor estabelece a seguinte ordem quanto ao grau de estabilidade dos minerais frente à hidrólise: plagioclásio cálcico, plagioclásio sódico, feldspato potássico, muscovita e quartzo. A seqüência explica as razões de se considerar o quartzo como importante testemunho nos depósitos correlativos, com participação na maioria dos paleopavimentos, ao contrário dos ferromagnesianos e dos plagioclásios que apresentam alta suscetibilidade à intemperização química.

Trabalhos como de Strakhov (1967, apud Choley & Schumm, 1985), demonstram os efeitos do clima na intemperização das rochas ( Fig. 3.2 ). Como exemplo, a elevada precipitação na zona intertropical se reflete na profundidade do material meteorizado. Constata-se ainda a importância da hidrólise na espessura do material sialitizado (ver capítulo seguinte). De maneira geral deduz-se que a intensidade e a freqüência dos sistemas morfoclimáticos determinam as particularidades no grau de convexização das formas, comandadas principalmente pela densidade hidrográfica. 

Assim, enquanto no domínio de climas quentes e úmidos os granitos originam formas de “mares-de-morros'', com dissecação de moderada a forte, nos quentes e subúmidos mantém-se as paleoformas nos topos interfluviais, como os remanescentes de aplainamento relacionados à agressividade pretérita de clima seco. 

A forte incisão da drenagem no domínio dos “mares-de-morros”, responsável pelas formas convexas, pode ser atribuída ao ajustamento tectônico Terciário aliado à orogenia Andina. A preservação parcial de pediplanos nas faixas intertropicais subúmidas é justificada pelo menor grau de dissecação em relação à evidenciada no clima úmido ( Fig. 2.52 ). Ab´Sáber (1966) observa que “o domínio dos ‘mares-de-morros' corresponde à área de mais profunda decomposição das rochas e de máxima presença de mamelonização topográfica, em caráter regional, de todo o país. A alteração das rochas cristalinas e cristalofilianas atinge aí o seu maior desenvolvimento, tanto em profundidade quanto em extensão, chegando a ser universal para enormes setores das regiões serranas acidentadas dos planaltos cristalinos do Brasil de Sudeste”.


Outras vezes constata-se a presença de formas convexo-côncavas, como no domínio cristalino das regiões temperadas, determinadas pela redução da capacidade de transporte do sistema fluvial, que contribui para o acúmulo gradativo de material na base da vertente.

Além das implicações climáticas na diferenciação morfológica, a serem consideradas oportunamente, há de se considerar o significado de certas rochas, como os embrechitos, de elevada resistência, proporcionando o desenvolvimento de “pães-de-açúcar'', correspondentes a maciços inselbergs, caracterizados por vertentes íngremes, muitas vezes superiores a 40 O , que, além de dificultarem o desenvolvimento da pedogênese, são altamente suscetíveis à esfoliação.

É comum observar, principalmente nas rochas cristalinas do sudeste brasileiro, elevado grau de dissecação determinado pela tectônica quebrante, associada a efeitos epirogenéticos positivos, vinculados à orogenia andina.

Parece existir amplo consenso quanto ao entendimento de que as rochas cristalofilianas ou metamórficas integram as estruturas cristalinas. Assim, comparativamente observa-se, em condições de clima úmido, que os xistos ou micaxistos são menos resistentes que os quartzitos, os quais proporcionam o desenvolvimento de relevos monoclinais, como os hog-backs , individualizando as cornijas estruturais.

Os gnaisses dificilmente originam relevos monoclinais, visto que os planos de xistosidade são menos expressivos, proporciondo-lhes um comportamento morfológico mais próximo aos granitos.

Como exemplo goiano de evolução morfoestrutural cristalina, consideram-se as províncias serranas de Niquelândia, Canabrava e Serra da Mesa. A Serra da Mesa, constituída por granito do mesmo nome, é marcada por eixo de braquianticlinal em rocha ígnea intrusiva. A reativação tectônica do Proterozóico originou disposição monoclinal das rochas encaixadas, representadas por intercalações de xistos e quartzitos do Grupo Araxá.

A topografia imposta pelo arqueamento produzido pelo corpo intrusivo, após processo de pediplanação responsável pelo truncamento das rochas, foi intensamente dissecada pelo sistema de drenagem cataclinal, ajustando-se à rede de falhamento radial associada às manifestações tectônicas. Os cursos cataclinais cortaram as seqüências araxaídes de diferentes resistências (xistos e quartzitos), enquanto os cursos ortoclinais, organizados posteriormente, entalharam seus talvegues nas seqüências xistosas, ressaltando a imponência das cristas monoclinais quartzíticas (Fig . 2.53 ).


O mosaico de radar da Serra da Mesa mostra forte imposição estrutural no traçado do Rio Maranhão, que depois de submetido a forte angularidade determinada pela resistência do granito Serra da Mesa, passa a ocupar seqüências xistosas do Grupo Araxá, ladeadas por cristas quartzíticas, razão pela qual se aloja em linha de falha inversa, isolando o braquianticlinal da Serra da Mantiqueira.

Dada a complexidade morfológica relacionada às estruturas cristalinas, recomenda-se a leitura dos estudos desenvolvidos por Ab´Sáber (1966) e Bigarella et al (1994), dentre outros.

b) Relevo Cárstico

As rochas carbonatadas, quando submetidas a intemperismo químico, proporcionam o desenvolvimento de formas específicas, resultantes do processo de dissolução ou carbonatação. Rochas carbonatadas, como o calcário, que têm a calcita como principal elemento, são altamente solubilizadas na presença do ácido carbônico, formado a partir da combinação do dióxido de carbono, presente na atmosfera, com a água.

A carbonatação é a reação dos minerais carbonatados com o ácido carbônico. Sob condições naturais, a dissolução do carbonato de cálcio (carbonato mais abundante na natureza) é um pouco mais complexa, uma vez que os ácidos envolvidos são normalmente mais fracos. Por exemplo, quando o calcário se dissolve com o ácido carbônico, o processo pode ser sintetizado da seguinte forma:

Nota-se que dois íons HCO são provenientes de fontes diferentes: um é liberado pela ionização do H 2 CO 3 e o outro formado pela reação do H+ do ácido com CaCO 3.

Essa reação demonstra o que acontece com o calcário exposto ao ar atmosférico, formando cavernas, ou quando o mármore é dissolvido por soluções que contêm minérios nas paredes de uma fissura. “O processo inverso representa a precipitação do carbonato de cálcio no mar, bem como cimentação de material em rochas sedimentárias, ou quando gotas evaporam na extremidade de uma estalactite '' (Krauskopf, 1972). Observa-se que a solubilidade do CaCO 3 diminui com o aumento da temperatura. A decomposição da matéria orgânica na presença do ar ou de água fornece CO 2 em grande quantidade, propiciando a maior solubilidade do CaCO 3 existente nas proximidades. 

Deve-se acrescentar que a água fria dissolve mais gás carbônico que a quente, assim como a água sob pressão. A maioria dos calcários apresenta certas impurezas insolúveis, como argila e areia, que se acumulam para formar depósitos residuais. 

Os minerais portadores de ferro são comumente oxidados, originando os solos residuais que se destacam na paisagem cárstica. Portanto, a partir do processo de dissolução ou carbonização referido, que também pode ocorrer em função de chuvas ácidas (ácido nítrico ou H 2 S), tem-se a elaboração de formas bizarras, com a conseqüente precipitação da calcita, a exemplo dos depósitos de travertino.

As formas cársticas17 podem ser caracterizadas como endocársticas, referentes àquelas de evolução subterrânea (espeleogênese) e exocársticas, correspondentes às formas superficiais desenvolvidas na zona de absorção das águas, onde são muito características.
Para acontecer a carbonatação é imprescindível a existência de umidade, o que justifica a presença de residuais calcários preservados ou pouco alterados quando submetidos a clima seco. No caso de excesso de água, grande parte das formas originadas no clima seco podem ser intemperizadas, deixando vestígios nas seqüências estratigráficas dos depósitos correlativos ou nas cavidades existentes nas paredes das grutas, associadas a processo de evorsão.

O processo de dissolução se dá principalmente através de linhas de fraqueza da rocha, visto que os calcários, de forma geral, apresentam baixa permeabilidade. A partir de juntas ou diáclases, o ácido carbônico processa a carbonatação, passando a elaborar formas específicas.

No ciclo cárstico a evolução superficial e a subterrânea não se desenvolvem paralelamente, embora no início possam seguir etapas similares.

•  Formas endocársticas

Para Bögli (1964), a espeleogênese inicial ocorre sempre abaixo do nível hidrostático, onde se dá a mistura das águas descendentes, provenientes da zona vadoza18, com as águas freáticas. A diferença de conteúdo de CO 2 e HCO 3 - provoca deslocamento do equilíbrio químico, aumentando o poder de corrosão da solução.

Dentre as principais formas endocársticas destacam-se as cavernas. Bigarella et al (1994) apresentam tópico específico sobre origem e classificação dos espeleotemas destacando as formas de cimeira ou zenitais, que crescem verticalmente no sentido da gravidade, como as estalactites e cortinas; as formas parietais, correspondentes a deposições nas paredes das cavernas; e as formas pavimentárias, como as estalagmites, colunas, represas de travertino, dentre outras.

A caverna, uma das principais formas endocársticas, pode ser definida como um leito natural subterrâneo, com presença ou ausência de água, ocupando um espaço vazio. Para Bigarella et al (1994), seu desenvolvimento torna-se mais evidente ao longo de linhas de maior fraqueza, sendo as diáclases e os planos de estratificação determinantes da sua geometria e orientação. Para Lladó (1970), a caverna19 é referida como gruta quando possui uma ornamentação estalactítica proeminente, embora essa designação não tenha um significado preciso.

Algumas galerias podem estar associadas a tributários de drenagem criptorréica que foram desativados, ficando suspensos em relação ao nível de base atual, que ainda pode estar ocupado pelo rio principal.

Com a abertura de grutas pelo trabalho da água subterrânea, há o desenvolvimento de estalactites , a partir de fissuras existentes no teto das cavernas, cuja dissolução acarreta a precipitação da calcita (gotejamento), originando no assoalho, as estalagmites . A união das estalactites e estalagmites origina colunas, que justapostas proporcionam o desenvolvimento de “cortinas”, correspondentes a um fino rastro de calcita. As cortinas podem evoluir para lâmina de calcita ondulada, branca e translúcida ou tingida pelo sesquióxido de ferro ( Fig. 2.54 ).

Para Bloon (1970) pelo menos parte da deposição das estalactites é causada “quando a água subterrânea, movendo-se sob pressão, através da rocha acima da caverna, encontra o ar livre e perde algum CO 2 dada a queda de pressão. Com a perda do dióxido de carbono em solução, parte do bicarbonato de cálcio dissolvido reverte para o carbonato de cálcio menos solúvel, usualmente na extremidade de uma saliência sobre a qual a água pinga e flui''.

Alguns tributários subterrâneos podem confluir no interior das cavernas sob forma de fontes de ressurgência, contribuindo para a evolução da morfologia cárstica.

Numa caverna admite-se a possibilidade de existirem diferentes níveis de base, justificando a denominação de “andares''. Tais níveis, em determinadas regiões, são muito variáveis. Para Derruau (1970), em massas calcárias não deve haver um nível de base único ou uniforme, pela interdependência do próprio sistema de circulação subterrânea. No Vale do Colorado (EUA), admite-se que o nível cárstico encontrava-se a centenas de metros abaixo do nível do mar, caracterizando uma situação de desembocadura fóssil, resultante de paleoclima; ou que os referidos níveis não apresentavam qualquer relação com o nível de base geral.

Formas cársticas fósseis são também encontradas em Vercors, de origem pré-glaciária, caracterizadas por dolinas recobertas de morainas20, em processo de reelaboração.

Como exemplo de abatimento topográfico causado por dissolução considera-se a Ponte de Pedra, no município de Paraúna-GO, que evidencia ser resultante do desabamento de teto superior de paleocaverna.

•  Formas Exocársticas
Correspondem às formas superficiais do carste desenvolvidas na zona de absorção das águas ou zona subaérea, onde são muito características (Bigarella et al, 1994). Bögli (1980) classifica as formas exocársticas em dois tipos: fechadas e abertas. As primeiras, também denominadas de formas cársticas erosivas superficiais, são representadas pelas lapiás , dolinas, uvalas, poljé e canhões ou canyons21As formas abertas de absorção são definidas por sumidouros ( ponors ), abismos e demais formas residuais como muralhas e paredões, cones cársticos ou cockpits , dentre outras.

No domínio cárstico é comum a presença de canyons com paredes verticais, dispostas segundo a alternância de bancos calcáreos, como o canyon de Colorado. Os rios alógenos podem, a partir de determinado ponto, desaparecer (abismos), caracterizando assim uma drenagem criptorréica ou subterrânea. Os “abismos” são muito generalizados nas regiões cársticas, originados a partir de fissuras ou fraturas que se expandem por dissolução e que podem progredir por desmoronamento. Assim, tem-se a formação de verdadeiras cavernas que vão sendo ampliadas de acordo com o entalhamento do talvegue e conseqüente dissolução processada pela água subterrânea. Canyons só se formam quando o calcário é bastante resistente e as paredes evoluem por solapamento basal.

Nas planícies cársticas, conhecidas como poljé , a impermeabilização dos calcários pode contribuir para a concentração de água que promove sua dissolução, com conseqüente formação de depressões circulares ou mesmo sinuosas, denominadas dolinas. A gênese das dolinas, assim como a riqueza de detalhes cársticos, se relaciona ao grau de pureza da rocha. Como exemplo, pode-se considerar o Poço Verde, no município de Coromandel, Minas Gerais, um lago permanente em formação cretácica, desconhecendo-se o seu ponto de ressurgência. Também podem se observar formas clássicas de dolinas na região de Padre Bernardo, Goiás, em calcários do Subgrupo Paraopeba, além das registradas no Muquém, município de Niquelândia-GO.

As dimensões das dolinas são muito variáveis, de algumas dezenas de metros até alguns quilômetros de diâmetro. A coalescência destas, associada a processo de dissolução, dá origem às “uvalas”. ( Fig. 2.55 ).

Cursos d'água que se desenvolvem na poljé podem desaparecer em ponors (sumidouros) e reaparecerem quilômetros adiante sob a forma de fontes de ressurgência ou fontes do tipo “ vauclusiana s''.

Sobre a superfície das rochas calcárias aparecem sulcamentos processados por dissolução da água superficial escoada, enriquecida por ácido úmido presente no solo, denominados lapiaz . O desenvolvimento de lapiaz pode ser favorecido por linhas de fissuras ou diáclases existentes, ou ainda orientados segundo planos de estratificação.

Ainda como forma cárstica pode-se considerar a estrutura circular do Muquém, no município de Niquelândia, formada por “paleorrecifes” que preservam a estratificação cruzada, produzida por ação marinha, bem como estruturas de estromatólitos22 do tipo C ollenias Conophytons . Tais ocorrências vinculam-se às seqüências do Subgrupo Paraopeba, levando a entender, pelo caráter circular (diâmetro em torno de 10 km ), estreita relação com antigo “atol”.

Para maiores considerações sobre formas desenvolvidas em estruturas cársticas sugere-se a consulta das obras citadas no texto.

Notas de Rodapé
1 A proposta apresentada por Gerasimov (1946) utiliza os conceitos de geotextura, morfoestrutura e morfoescultura, que se constituem na base para o tratamento taxonômico desenvolvido por Ross (1992).
2 Para Novaes Pinto (1988), aos conceitos de pedimentos e pediplanos devem ser incluídos os termos etchiplano e etchiplanação, que : “é o processo de aplainamento típico de regiões tropicais semi-úmidas, que provoca o rebaixamento topográfico pela retirada parcial ou total do regolito, dando origem a uma superfície designada etchiplano”.
3 Refere-se a horizontes portadores de alta concentração de ferro por precipitação em condição biostásica, exumados pelos mecanismos morfogenéticos característicos das fases transicionais.
4 Por níveis de embutimento entende-se a retomada de escavação acentuada, após um soerguimento marcante ou sensível abaixamento do nível marinho. Os rios se encaixam de jusante para montante, onde a erosão é desencadeada através da erosão regressiva.
5 O óxido férrico precipita-se a pH3, sendo completamente estável na maioria dos ambientes de intemperismo sob condições oxidantes.
6 O composto Al 2 O 3 reage prontamente com os ácidos e bases, e tem alta solubilidade em pHs menores do que 4 ou maiores do que 10, ou seja, a alumina é solúvel nos extremos.
7 A sílica, como ácido monossilícico, se ioniza apreciavelmente apenas acima do pH9.
8 Clima úmido, regionalmente ocorrido no Terciário Superior, ou seja, entre o pediplano de cimeira, provavelmente elaborado no Terciário Médio, e o pediplano intermontano, cuja origem estaria relacionada ao Pliopleistoceno.
9 Para Rizzini (1963), a gênese do cerrado é justificada pelo “escleromorfismo oligotrófico”, pobre em nutrientes nos solos.
10 Ma: milhões de anos.
11 Conforme Leinz & Leonardos (1971), Plataforma refere-se a “área rígida da crosta continental em que os movimentos tectônicos são geralmente de modesta grandeza e caráter epirogênico, em contraste com as áreas de grande mobilidade, denominadas geossinclinais ”. As plataformas dividem-se em Ortoplataforma , “que apresenta alto grau de consolidação de seu embasamento, recobrem-se de espessuras modestas de sedimentos litologicamente muito evoluídos e que podem estender-se a vastas áreas” e Paraplataforma , que “apresenta espessuras de sedimentos geralmente maiores, podendo ter caráter imaturo” com possibilidade de deformações intensas.
12 Rios que se organizam independentemente da estrutura anterior e cortam camadas de diferentes resistências.
13Cluse refere-se a vale transversal ao eixo de um anticlinal ou às direções de camadas, elaborado por um rio, muitas vezes associado a linha de falha ou de fraturamento.
14Knick corresponde ao ângulo formado na base de uma vertente ( inselbergue) em relação à topografia (pedimento) , produzido pela morfogênese mecânica ( recuo paralelo de vertente).
15 A denominação de “baioneta” , em tal circunstância, corresponde à sucessão de angularidades que se assemelham à baioneta calada colocada na boca do fuzil.
16 O setor periclinal da dobra é conhecido na literatura como dobra em chevron.
17 O termo karst é de origem servo-croata, significando campo de pedras calcárias.
18 Zona vadosa corresponde àquela localizada acima do nível hidrostático. O nível hidrostático é um nível variável que acompanha aproximadamente a topografia, sendo constituído pela água infiltrada no solo, sorvida pelos poros.
19 De acordo com a União Internacional de Espeleologia, para serem consideradas cavernas devem apresentar comprimento superior a 10 metros .
20 Morainas ou morenas são depósitos em forma de lombadas ou irregular, transportados e sedimentados pelo gelo, associados a geleiras do tipo alpino ou continental.
21 As lapiás são superfícies intensamente sulcadas devido à ação corrosiva das águas; dolinas são depressões em forma de funil, relacionadas a processo de dissolução ou resultantes de desmoronamento de teto de cavernas; uvalas correspondem à coalescência de dolinas; poljés é uma planície cárstica ou uma depressão muito grande, resultante da dissolução extensiva; canyons ou canhões correspondem a vales de flancos retos e íngremes, podendo estar associados a antigos rios subterrâneos que tiveram a abóbada das galerias desmoronadas.
22 Pertencentes ou relativos a certo peixe do gênero estromáteo.