A proteção ao meio ambiente deve ser igualada às relações de consumo. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, ao julgar recursos em ações civis ambientais, aplicou a inversão do ônus da prova, princípio previsto no Código de Defesa do Consumidor.
Em quatro casos, o Tribunal decidiu que as empresas é que devem provar que suas atividades não trazem danos à natureza. A orientação mostra a tendência de pacificar o tema e define o caminho seguido pelo STJ.
Em uma decisão, a ministra Eliana Calmon afirmou que o caráter coletivo das ações civis ambientais faz com que sejam aplicados os direitos do consumidor. "As ações buscam resguardar o patrimônio público", disse Calmon, relatora de um recurso em que o Ministério Público do Rio Grande do Sul pedia a reparação dos danos de uma indústria de borracha.
No âmbito civil, quem acusa é responsável por produzir as provas do processo, arcando, por exemplo, com custos de perícia. Já o Código do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso VIII, estabelece que a defesa dos direitos deve ser facilitada, inclusive com a inversão do ônus da prova. A lei instituiu ainda a responsabilidade civil objetiva, em que a necessidade de se provar a culpa é descartada e a simples existência do dano passa a ser suficiente para que haja reparação. Assim, cabe às empresas provarem que não houve prejuízos ao consumidor.
Agora o STJ definiu que as empresas precisam demonstrar também que o meio ambiente não foi danificado. Isso porque, segundo o Tribunal, a regra do ônus da prova em casos civis poderia representar um empecilho processual. Para o Tribunal, existe uma grande dificuldade de provar que a atividade exercida por determinada empresa tem efeitos na degradação ambiental. Além disso, a adoção de medidas para evitar a ocorrência de danos ambientais não pode ser adiada.
Segundo o advogado Victor Penitente Trevizan, especialista em direito ambiental do escritório Peixoto e Cury Advogados, o posicionamento do STJ já é realidade em outras instâncias, principalmente nas Câmaras Especiais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). "As empresas respondem pelos danos e isso já vem gerando a inversão do ônus da prova inclusive no curso do processo", diz.
Para ele, se ainda não há uma jurisprudência sobre o assunto, já é possível perceber que a maioria dos magistrados entende ser responsabilidade das empresas demonstrar a segurança de suas atividades. O advogado lembra que a própria lei que regula as ações civis públicas (Lei 7.347, de 1985)diz que as regras processuais do Código de Defesa do Consumidor devem ser aplicadas.
A professora Patrícia Iglesias, consultora do escritório Viseu Advogados, afirma que as decisões do STJ determinam que cabe a quem conhece o processo produtivo mostrar a segurança do empreendimento e que o acesso à tal informação é relevante.
Precaução:
O STJ baseia-se na ideia de que o benefício da dúvida deve prevalecer em favor do ambiente quando o conhecimento científico não consegue demonstrar a relação de causa e efeito entre a ação da empresa e os danos ecológicos.
Além disso, para impedir a demora em reparar os danos, o STJ adota o princípio da precaução. "Esse princípio pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou", afirmou Eliana Calmon em julgamento sobre a emissão de um suposto poluente (carbonato de cálcio) por uma empresa de transportes e armazenagem do interior de São Paulo.
O advogado Douglas Nadalini, do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, lembra que a orientação do STJ, apesar de não ser novidade no Judiciário, pacifica a inversão do ônus da prova e aperfeiçoa e amadurece o princípio da precaução, utilizado, segundo ele, de forma já banalizada. "O Tribunal mostra que não precisa haver prova a favor ou contra, e sim o bom senso", afirma.
De acordo com o especialista, o posicionamento do STJ deverá permitir o melhor contraditório, mas a aplicação sensata do princípio da precaução e a inversão do ônus da prova ainda serão analisados caso a caso - o que pode fazer com que juízes de primeira instância não sigam a orientação.
Para o advogado, o STJ pode acabar aumentando o "poder de fogo" do Ministério Público e das organizações não-governamentais (ONGs). "Qualquer indício ou até vontade levará a ações", disse. Outro possível impacto negativo é a judicialização ainda maior do licenciamento ambiental.
Fonte: Zoccoli Advogados S/S
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