Por André Lenart, em 26 de março de 2009.
Só a ignorância pode imputar aos Juízes a responsabilidade exclusiva pela letárgica tramitação de alguns processos. Tantos e tão variados são os fatores que melhor seria riscar do mapa a ideia de culpa – tão fortemente arraigada entre nós – e optar por um esforço concentrado em prol do abandono de certos hábitos. Um desses hábitos deploráveis se prende à apressada e precária elaboração de petições e requerimentos, forçando um sem número de emendas e complementações. Mas o despreparo juridico dos profissionais da advocacia não está aqui em foco; o que se busca é sugerir algumas singelas práticas que facilitariam consideravelmente o bom andamento dos processos.
Nada transmite uma imagem mais relaxada, típica do profissional inexperiente ou despreparado, do que um texto rebuscado, poluído e pouco legível. Além disso, há um componente psicológico da mais alta relevância. O Juiz e os servidores leem dezenas – às vezes, centenas – de peças processuais todos os dias e é natural que aquelas mal rascunhadas ou incompreensíveis sejam postas de lado ou relegadas ao final da fila. Quem atua na área tributária sabe disso perfeitamente e dá um tremendo valor à elaboração caprichada das petições e requerimentos: papel de qualidade, fontes limpas, letras grandes, texto espaçado, discurso coerente, ideias concatenadas, concisão (dentro do possível) – eis a (quase) infalível receita dos grandes escritórios.
Na distribuição do texto, convém atentar para estes aspectos:
1.ao redigir, use preferencialmente fonte pertencente a uma família tipográfica sem serifa, como Arial, Helvetica, Verdana ou Calibri – nova aposta da Microsoft. Também é possível recorrer a uma fonte serifada tradicional, como a Times New Roman, ou à antiquíssima Garamond. Importante é não usar fontes estilosas cujo impacto visual empolgue (ao utilizador…) num primeiro momento, mas depois canse os olhos e dificulte a leitura;
2.as letras devem ter tamanho igual ou superior ao corpo 12. Sugere-se corpo 14 para texto e 11 para destaques (transcrições);
3.as transcrições, citações e excertos de jurisprudência devem ser destacados do texto principal por meio de recuo de parágrafo e corpo de tamanho inferior àquele usado no texto principal;
4.o espaçamento entre as linhas deve ser duplo (melhor) ou de 1,5 (no mínimo);
5.deve haver espaçamento entre os parágrados – distância de uma linha ou 18 pontos;
6.o alinhamento do texto deve ser justificado;
7.use itálico e negrito apenas para ressaltar palavras ou expressões relevantes; o uso constante e desregrado embaça e empobrece o texto, tirando força àqueles elementos que mereceriam destaque;
8.configure as margens para impressão das páginas: 2 ou 3 cm para as margens superior e inferior, 3 ou 4 cm para a margem esquerda e 2 ou 3 cm para a margem direita. A falta de margeamento adequado – sobretudo à esquerda – pode ocasionar dificuldades para o entranhamento das peças e levar à inutilização de parte do texto.
Havendo documentos:
1.numere-os e inclua um índice no corpo da petição ou requerimento para acelerar a busca; nada irrita tanto quanto aquele amontoado de papéis sem nexo com que muitos advogados costumam instruir as iniciais;
2.separe-os por meio de folha com inscrição em letras garrafais: doc. 1 (Procuração), doc. 2 (CIC), doc. 3 (Declaração de Pobreza), etc;
3.se houver dinheiro para isso, siga o exemplo dos grandes escritórios e faça uso de marcadores coloridos.
Cabe ao patrono explicar no que consiste e qual a relevância de cada documento acostado. É o cúmulo da preguiça e da inconsequência profissional ressaltar que o autor tem direito àquilo que se pede, “como demonstram os documentos”. Tenho visto muito isso em processos de natureza previdenciária, o que denota a total ausência de familiaridade do advogado com a matéria.
Concisão e exposição metódica do pensamento são virtudes raras e muitíssimo apreciadas:
1.redija o texto como quem conta uma estória, isto é, com início, meio e fim;
2.escrever “difícil” não reflete erudição, nem cultura. Os grandes mestres preferem um linguajar direto e despojado de arcaísmos;
3.latim pede parcimônia; use expressões salpicadas, mas não abuse de brocardos ou citações;
4.separe os assuntos em tópicos, usando artifícios gráficos sem exageros para assinalar a separação – corpo maior (16 ou 18) e letras negritadas, por exemplo;
5.tome cuidado para não misturar questões prévias (preliminares ao mérito, preliminar de mérito) com o mérito propriamente dito, nem repisar aquilo que já foi dito;
6.há um velho ditado segundo o qual o que interessa está nas duas primeiras páginas. Impetrar mandado de segurança com inicial de 80 laudas é meio caminho em direção à derrota;
7.a mesma conclusão vale para liminares: não há direito líquido e certo cuja demonstração exija tanto papel assim;
8.se a pretensão estiver fundada em Súmula, precedentes rumorosos ou em jurisprudência consolidada do STF ou do STJ, não perca tempo com desenvolvimentos teoréticos intrincados. Juízes e Tribunais saturados de serviço não irão dar bola para isso. Cite a Súmula ou transcreva uma ou duas ementas. Isso será mais que suficiente e facilitará enormemente análise e triagem dos autos do processo;
9.ao requerer algo (produção de provas, por exemplo), faça-o da maneira mais objetiva possível e indique sempre a finalidade.
Algumas petições iniciais em processos concernentes ao Sistema Financeiro de Habitação costumam ser o melhor exemplo de tudo aquilo que não se deveria fazer: 60 ou 80 laudas de pura verborragia, transcrição de julgados na maior parte caducos (o que, a meu ver, afronta o dever de lealdade processual), causa de pedir padronizada – às vezes sem pertinência com o caso concreto -, descrição lacunosa e imprecisa das características contratuais, impugnações fantasiosas, e por aí se vai. Boa parte do tempo gasto na tramitação se deve à constante necessidade de emendas à inicial a fim de esclarecer dúvidas relativas à pretensão.
Os comentários e as dicas acima são todos muito óbvios. Tão óbvios que pouca gente costuma segui-los.
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