Por Luiz Carlos Forghieri Guimarães em 26/09/2005.
Vem emergindo o entendimento no Superior Tribunal de Justiça* que a capitalização mensal dos juros, desde que pactuada, é legal a partir dos contratos de mútuo bancário, celebrado a partir de 31 de março de 2.000, data da primitiva publicação do artigo 5º. da medida provisória nº.1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº. 2.170-36/2001. A perenização da sua vigência se deve ao artigo 2º da emenda constitucional nº. 32, de 12 de setembro de 2001.
Seguindo essa orientação, alguns Tribunais Ordinários**. Entretanto, data maxima venia, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e de alguns Tribunais Ordinários que seguem essa orientação são passíveis de crítica, como se demonstrará.
Inicialmente, invoca-se a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, em plena vigência, que assevera: “é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.
Segundo, é de uma clareza solar que a capitalização composta é tema específico do sistema financeiro nacional, logo, por força do artigo 62, parágrafo 1º, inciso lll, da Constituição Federal, medida provisória não pode tratar de matéria que exige lei complementar como determina o art.192, da ordem financeira.
Terceiro, o artigo 5º da Medida Provisória 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, é inconstitucional, na medida que o Poder Executivo extrapolou a permissão constitucional e tratou de matéria antiga, sem qualquer tipo de urgência. Não se pode chamar de urgente um dispositivo que trata de matéria há muito discutida e que foi enxertada na medida provisória que trata de tema totalmente diverso do seu conteúdo.
Ademais, averba Alexandre de Moraes***, fundando-se em posicionamento do Superior Tribunal Federal, que os requisitos de relevância e urgência, em regra, somente deverão ser analisados, primeiramente, pelo Presidente da República, no momento da edição da medida provisória, e, posteriormente, pelo Congresso Nacional, que poderá deixar de convertê-la em lei, por ausência dos pressupostos constitucionais. Excepcionalmente, porém, quando presente desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar, por flagrante inocorrência da urgência e relevância, poderá o Poder Judiciário adentrar a esfera discricionária do Presidente da República, garantido-se a supremacia constitucional.
É o que ocorre no momento.
A constitucionalidade desta medida provisória que permite a capitalização mensal dos juros, vem sendo discutida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADIN nº 2.316-1, sendo Relator o Ministro Sydney Sanches, que suspendeu a eficácia do artigo 5º caput e parágrafo único e a decisão final encontra-se pendente de julgamento. Embora não tenha sido concluído o julgamento da liminar da Medida Cautelar, o entendimento adotado pelo relator, o eminente Ministro Sidney Sanches, o qual deferiu a suspensão cautelar dos dispositivos impugnados com fundamentos na “aparente falta de urgência”, objetivamente considerada, para a edição de medida provisória, e pela ocorrência do “periculum in mora inverso”, sobretudo com a vigência indefinida da referida MP desde o advento da EC 32/2001, com a possível demora do julgamento do mérito da ação.
Vejam, agora, o atual posicionamento de outros Tribunais Ordinários**** refutando essa indesejada medida provisória.
Mediante os argumentos aqui expostos, é de se entender que deva ser afastada a pretensão visando à capitalização mensal dos juros nos contratos bancários a partir de 31 de março de 2.000, com base em medida provisória, pela evidente inconstitucionalidade, seja material, seja formal.
* RESP 629487/RS, Relator: Fernando Gonçalves(1107) – T4 – Data do Julgamento: 22/06/2004 – Data da Publicação/Fonte : 02.08.2004 p. 412. Ementa. (...) 2 – Aos contratos de mútuo bancário, celebrados a partir de 31 de março de 2.000, data da primitiva publicação do art. 5º da MP nº 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº. 2.170-36/2001, incide a capitalização mensal, desde que pactuada.
** Apelação Cível nº 70008516932, TJRS, Relator: Carlos Cini Marchionatti – Órgão Julgador: Vigésima Câmara Cível – Data do Julgamento: 16/04/2004. Ementa.. (...) Admite-se a capitalização mensal dos juros quando contrato for posterior a medida provisória nº 1.963-17, de 30 de março de 2.000, sucessivamente reeditada até a medida provisória nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, em vigor pelo artigo 2º da emenda constitucional nº 32/2001.(...)
*** Direito Constitucional, 9ª. Edição, pág. 540. CF. STF, Pleno, ADInMC 162-/DF (DJU de 19.09.97), ADInMC 1.753-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 16.4.98.
**** Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - Tipo de Processo: Agravo. Número: 70012035044. Relator: Mario Rocha Lopes Filho. Data do Julgamento: 14/07/2005. EMENTA: Agravo interno. Apelação Cível. Negócio Jurídico Bancário. Ação Declaratória de Revisão Contratual. Capitalização: Inadmissível a capitalização mensal, por ausência de previsão legal. Viável somente a capitalização anual.
MEDIDA PROVISÓRIA 2.170/2001: É de ser afastada a aplicabilidade do art. 5º da MP 2.170, pois o STF já se pronunciou, em julgamento de liminar ainda não encerrado, favorável à suspensão da sua vigência (ADInMC nº 2.316-DF).
Tribunal de Justiça do Paraná.Acórdão nº 5513 – Décima Câmara Cível – Curitiba/PR – Processo nº 0264940-7 – Apelação Cível – Relator: Jorge de Oliveira Vargas – Julgamento: 19/08/2004. Decisão Unânime. Ementa.
Argüida a inconstitucionalidade de artigo de Medida Provisória em que se sustenta o recurso e ouvida a Procuradoria Geral da Justiça, que se manifestou pela declaração de inconstitucionalidade da norma, no plano concreto, tendo a Câmara acolhida a alegação, os autos são encaminhados à Corte Especial. Ás fls. 539 e 540 o relator convocado suscitou, de ofício, a questão de constitucionalidade para que se fizesse o controle difuso da constitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória nº 2.087, que admite a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, o qual é invocado no recurso apresentado pela apelante.
Ouvida a Procuradoria Geral da Justiça, esta se manifestou pela declaração da inconstitucionalidade às fls. 544 a 553. Esta Câmara acolheu a argüição para determinar que a questão seja submetida à Corte Especial, nos termos do art. 108 do regimento Interno deste Egrégio Tribunal”
Tribunal de Justiça do Distrito Federal APELAÇÃO CÍVEL 20040110801245APC DF Registro do Acórdão Número : 222565. Relator: Flavio Rostirola. Data de Julgamento: 12/08/2005. Revisão de Cláusulas Contratuais. Juros. Capitalização.
Impossibilidade.MP-1.963-17. 1. A medida provisória 1.963-17, que disciplina a capitalização temporária de juros, não contempla todos os tipos de operações financeiras, devendo ser repelida a prática do anatocismo. ademais, o sistema financeiro nacional depende de lei complementar que o regule, o que não pode ser feito por medida provisória.
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - 2004.017.00005 - Argüição de Inconstitucionalidade. Des. J.C. MURTA RIBEIRO – Julgamento: 13/12/2004 . Órgão Especial. Argüição de Inconstitucionalidade. Instituição Financeira. Anatocismo. Art. 5. Medida Provisória nº. 2.170-36, de 2001. Inconstitucionalidade de Dispositivo. Arguição de Inconstitucionalidade incidenter tantum do artigo 5° da medida provisória n° 2.170-36 de 23 de agosto de 2001 que vem a permitir o anatocismo - aparente falta de requisito de urgência para a edição de medida provisória - norma incompatível com os arts. 5°, inciso xxxii e 170 e inciso v da constituição da república - flagrante afronta ao princípio da proporcionalidade - arguição de inconstitucionalidade que se tem como procedente.
A medida provisória em foco não esclarece qual seria a necessidade de se alterar, com urgência, uma disposição legal vigente há 70 anos, tempo suficiente para ser revogada sem o uso de medida provisória. Ademais, é patente a inconstitucionalidade do artigo 5° da Medida Provisória N° 2.170-36/2001; por ofensa ao inciso XXXII do artigo 5° da Constituição da República que assim estabelece: ."O Estado promoverá for lei a.. defesa do consumidor".
Ora, se apresenta como prática nefasta a capitalização de juros pelos Bancos, isto porque, ao invés de promover a defesa do consumidor, patrocina de forma inadmissível e injustificável unicamente os interesses das instituições financeiras. Por outro lado, o dispositivo, objeto da presente Argüição, verdadeiramente não é proporcional, mas, excessivo e injustificável, e por isso mesmo, inconstitucional, na forma do artigo 5°, § 2° da Constituição da República.
De se destacar que a norma alvejada autoriza o credor a cobrar juros não apenas do valor principal, mas também sobre o que não emprestou, obtendo, portanto, receita sem trabalho, sem contraprestação, agredindo brutalmente o artigo 170 da nossa Lei Magna que assim estabelece: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça a social observados os seguintes princípios: V. defesa do consumidor;" (grifei).
Ademais, de se reconhecer só a inconstitucionalidade material, mas, também, a formal, na medida em que, segundo o artigo 192 § 3° da Constituição da República, a norma combatida está reservada a lei complementar, sendo, por conseguinte, insuscetível de ser disciplinada pela via da medida provisória.
Por tais considerações, julga-se procedente a presente Argüição para acolher a inconstitucionalidade do art. 5° da Medida Provisória n° 2.170-36/2001.
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