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5 de out. de 2023

O que mudou na área do meio ambiente com a Constitução de 1988

Além de criar instrumentos de preservação, texto também desenhou responsabilidades com a causa
Foto: Mauro Schaefer

As discussões sobre a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais ainda engatinhavam em 1988. Mesmo assim, entre os pioneirismos trazidos pela Constituição, o tema conquistou um capítulo específico. Era a primeira vez que ingressava no documento. “A Constituição Federal foi a base para tudo o que veio depois no campo de políticas públicas, tanto na legislação, como nas atuações do Executivo e do Judiciário e os direitos que passaram a ser observados”, ressalta Suely Vaz Araújo, pesquisadora e ex-presidente do Ibama.

'A Constituição colocou o tema do meio ambiente de uma maneira avançada, que permanece atual'

O pioneirismo ou a preocupação com o tema veio a partir de um caminho sedimentado na própria Assembleia Nacional Constituinte (ANC), que conseguiu captar uma discussão que crescia no mundo, tanto que a origem do debate ambiental ocorre com o relatório Brundtland, de 1987, da Organização das Nações Unidas (ONU). “Ela colocou o tema do meio ambiente de uma maneira avançada, que permanece atual. Quer dizer, naquela época poucas Constituições tratavam do meio ambiente e praticamente todas as realizadas depois daquele período incorporaram a questão ambiental com maior ou menor intensidade”, relembra o constituinte Fábio Feldmann, primeiro deputado federal a ser eleito vinculado à causa ambiental. 

O fato de o texto ter permanecido atual, apesar das diversas mudanças no mundo e na sociedade ao longo das mais de três décadas, representa que os constituintes estavam corretos. “Sem essa materialização com a Constituição, não teríamos outras importantes leis que vieram depois. Só é uma pena que a gente não tenha um Código Ambiental para todos os estados em todo o país. Até temos no Rio Grande do Sul, mas em âmbito nacional não tem”, lamenta a professora de direito ambiental e constitucional da PUCRS e advogada Márcia Buhring.


Mesmo um tempo pouco divulgado à época, a biodiversidade foi consagrada na Carta Magna / Crédito: TV Brasil / Divulgação

Mas, afinal, que avanços foram esses? Em linhas gerais, entre eles estavam instrumentos de preservação, mas também de responsabilidades com a causa. Ferramentas como o Estudo de Avaliação Ambiental e o Licenciamento Ambiental estreavam na Constituição. A biodiversidade foi consagrada na Carta Magna, sendo um termo pouco difundido à época, e a própria identificação do bioma como patrimônio nacional, trazendo uma carga maior de proteção.

Inclusive, esse tópico pode ser considerado disruptivo na discussão. É a partir do texto de 1988 que nascem inovações importantes que se referem às responsabilidades e aquem responde pelas infrações. Tanto que será a partir da carta que nascerá a Lei de Crimes Ambientais, em 1998. “A Constituição trouxe dispositivos fortes e essenciais e uma visão que tem ajudado na garantia da proteção do meio ambiente”, reforça Suely.

'A Constituição trouxe dispositivos fortes e essenciais e uma visão que tem ajudado na garantia da proteção do meio ambiente'

Um exemplo prático é o fortalecimento da atuação do Ministério Público, fruto da Constituição, como relembra Fábio Feldmann. O aumento de responsabilidade é reconhecido e valorizado, mas os desafios estão longe de serem superados. À frente do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do MPE-RS, Ana Maria Moreira Marchesan utiliza-se de uma metáfora para explicar a evolução da legislação pós-Constituição: é uma tapeçaria de Penélope. Na história, Penélope, para ganhar tempo enquanto o marido estava na guerra e não ter que se casar com outro, todo o dia tecia a tela e à noite, secretamente, desfazia o trabalho feito. Nessa linha, cita retrocessos. “Atualmente, a gente vê o momento de desconstrução (das leis)”, cita, exemplificando o Código Florestal, que era uma lei de referência e que, com o passar dos anos, permitiu anistias.

Flexibilzações ao longo dos anos são consideradas preocupantes pelos especialistas, por muitas representarem retrocessos / Crédito: Carls de Souza / AFP

As flexibilizações nas leis são pontos preocupantes e que os efeitos talvez nem sejam sentidos efetivamente pelas gerações atuais. Além disso, recebem respaldos entre os poderes. Ana Maria cita o caso da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), iniciado pelo governo baiano, em 2011, e que, diante da ausência de uma reação mais contundente por parte das outras esferas, passou a ser copiado por outros estados e municípios do país. A legislação em questão permite que os empreendedores autodeclarem os possíveis impactos do seu negócio e, na sequência, isso é apenas fiscalizado pelo poder público. “Os retrocessos vieram pelo fluxo contrário, movido por interesses econômicos. Uma desconstrução para flexibilizar o licenciamento ambiental”, pontua.

'O cerne já estava ali presente em 1988, mas as regulamentações tiveram que se dar mais tarde, até porque a sociedade foi se modificando'

Como saldo, apesar das várias medidas provisórias e emendas desde 1988, Márcia Buhring ainda avalia que o texto da Constituição mantém o seu objetivo inicial: “O cerne já estava ali presente em 1988, mas as regulamentações tiveram que se dar mais tarde, até porque a sociedade foi se modificando”. E essas mudanças foram tamanhas que a questão ambiental transcendeu áreas: “As pessoas têm direito a um meio ambiente saudável. Hoje, a principal pauta dos direitos humanos no século 21 é o meio ambiente”, diz Jair Krischke, fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH).

Por: Mauren Xavier, Flávia Simões* e Carlos Corrêa
* Sob supervisão de Mauren Xavier e Carlos Corrêa

17 de dez. de 2022

Direito ambiental: conceito, princípios e áreas de atuação

Uma das áreas de atuação para advogados que vem ganhando destaque é o Direito Ambiental. Conheça aqui seus princípios, principais leis e instrumentos de proteção.

O Direito Ambiental é uma área jurídica que tem se tornado uma das preocupações do legislador brasileiro.

Nos últimos anos, surgiram novas leis visando a proteção do meio ambiente e, com elas, novos mecanismos e instrumentos foram colocados à disposição dos cidadãos e das empresas, para o mesmo fim.

Em um país em que as empresas agropecuárias representam mais de 20% da economia, é primordial que os advogados, atuantes em escritórios e em departamentos jurídicos, conheçam as principais leis de Direito Ambiental e sua aplicação em cada situação.

O Direito Ambiental é um ramo jurídico constituído por um conjunto de leis, normas e princípios que visam a proteção do meio ambiente como um todo, a preservação das espécies e a qualidade de vida.

As disposições e os instrumentos legais de Direito Ambiental tratam de aspectos ecológicos, econômicos e sociais, influenciando as relações individuais, de governo e de empresas com o ecossistema.

A área de Direito Ambiental não possui um código ou uma legislação única no Brasil, da mesma forma que encontramos em outros ramos.

Ao longo dos anos, as leis ambientais foram se desenvolvendo e se aprimorando, sendo que, atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro possui diversas legislações esparsas que regulam o tema. Abordaremos as principais delas mais adiante.

Diferença entre direito ambiental, direito agrário e direito rural

Existem alguns ramos do Direito que podem causar dúvidas na hora de entender a abrangência e o conceito de cada um. São eles o Direito Ambiental, o Direito Agrário e o Direito Rural.

Sendo assim, é primordial compreender a definição e as diferenças dessas áreas.

O Direito Ambiental, como visto, é uma ampla área do Direito que busca regulamentar relações entre o homem, os governantes e as empresas com o meio ambiente, em sua totalidade, a fim de protegê-lo.

Já o Direito Agrário é o ramo jurídico que disciplina e estuda a relação do homem com as propriedades rurais. Seu objetivo é buscar o progresso social e econômico do trabalhador rural e enriquecer a coletividade a partir da promoção da função social da terra.

Esse ramo do Direito também visa a criação de direitos e obrigações relacionados aos bens imóveis rurais, para fins de reforma agrária e de políticas agrícolas. A principal legislação que o regulamenta é o Estatuto da Terra.

O Direito Rural, por sua vez, é conhecido modernamente como “Direito do Agronegócio”, e tem sua base na Constituição Federal, uma vez que o legislador elevou a agricultura a um setor prioritário da economia do país. Esse ramo se insere no Direito Agrário e seu objetivo é proteger a atividade agrícola.


Princípios do Direito Ambiental

Para efetivar a proteção do meio ambiente, o Direito Ambiental lança mão de vários princípios, os quais estão espalhados em diversas leis.

Existem seis deles que são considerados os mais importantes e conhecidos: o princípio da precaução, da prevenção, do poluidor-pagador, da responsabilidade, do equilíbrio e o democrático.


Princípio da precaução

O princípio da precaução antecede ao princípio da prevenção.

Por meio dele, objetiva-se evitar qualquer risco de dano ao meio ambiente.

Existem casos, por exemplo, que uma atividade empresarial sabidamente irá causar danos ambientais; nestes, o princípio da prevenção atua.

Entretanto, quando não é possível ter certeza sobre os riscos e danos que uma conduta ou atividade pode causar, haverá incidência do princípio da precaução.

Assim, em situações de incerteza quanto à ocorrência de dano ambiental, o princípio incide para evitar riscos, impedindo que as condutas sejam concretizadas.


Princípio da prevenção

Embora gere dúvidas quando comparado à precaução, o princípio da prevenção é aplicado em momentos distintos.

A ideia de prevenção está ligada à ideia de cautela e de ações que devem ser tomadas para se evitar a ocorrência de danos, em casos em que este é sabido e previsível.

De modo geral, todo dano ambiental é considerado irreversível, de difícil ou impossível reparação, e isso demonstra a importância da prevenção para que seja possível evitá-los.

Esse princípio está previsto na Constituição Federal e busca proteger e preservar o equilíbrio ecológico, para as presentes e futuras gerações.


Princípio do poluidor-pagador

O princípio do poluidor-pagador possui caráter preventivo.

Sua função é atribuir ao poluidor ou condutor de atividade econômica potencialmente poluidora os custos decorrentes da prevenção da poluição e os de reparação de danos ambientais não evitados.

Assim, cabe ao poluidor a responsabilidade material e financeira pela proteção ambiental, a qual deve ser satisfeita por meio de prevenção, eliminação ou compensação financeira de degradação ambiental.


Princípio da responsabilidade

O princípio da responsabilidade está estritamente vinculado ao princípio do poluidor-pagador.

Ele define que, ocorrendo dano ambiental, aquele que o causar será responsável pela reparação do mesmo, tendo a obrigação legal de fazê-lo.

Esse princípio está previsto na Constituição Federal e busca atribuir responsabilidades civis, administrativas e penais à pessoas físicas ou jurídicas que realizem condutas lesivas ao meio ambiente.


Princípio do equilíbrio

O princípio do equilíbrio diz respeito à necessidade de se prever as consequências de ações que intervêm no meio ambiente, a fim de ponderar se elas serão úteis para toda a coletividade, bem como se importarão em danos excessivos ao ecossistema e à vida humana.

Por meio dele, deve-se avaliar, então, se as intervenções no meio ambiente trarão um resultado globalmente positivo, analisando-se as implicações ambientais, econômicas e sociais.

Assim, como o próprio nome do princípio indica, o objetivo é alcançar um equilíbrio na relação entre o ser humano e o meio ambiente.


Princípio democrático

O princípio democrático está previsto na Constituição Federal e diz respeito ao direito de todos os cidadãos de participar da elaboração de políticas públicas relacionadas ao meio ambiente.

Para lançar mão desse direito, as pessoas podem utilizar diversos instrumentos, como o plebiscito, a iniciativa popular, o referendo, o direito de petição, a ação civil pública, entre outros.

Por meio dessas ações, os cidadãos podem agir preventivamente, participando da elaboração de leis, e também de forma reativa, quando já houve consolidação de algum dano ambiental, utilizando a ação civil pública, por exemplo.


Principais leis do Direito Ambiental

Conforme já mencionado, o Direito Ambiental brasileiro não possui um código que contenha todas as disposições legais sobre proteção ambiental.

O Direito Ambiental veio se modificando ao longo do tempo, criando novos mecanismos de proteção e defesa, bem como endurecendo as consequências para aqueles que causarem danos ao ecossistema.

Por isso, é importante compreender quais são as leis que, atualmente, compõem nosso Direito Ambiental.

Constituição Federal

A Constituição Federal de 1988 é considerada a Lei Maior do Brasil. Todas as demais leis, chamadas de infraconstitucionais, ainda que promulgadas em data anterior, devem estar de acordo com suas premissas básicas.

Em seu escopo, a Constituição possui diversos artigos que mencionam a necessidade da proteção ambiental. Os principais estão localizados no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo VI, que fala exclusivamente sobre o meio ambiente.

O art. 225 da Constituição Federal inicia o capítulo, e dispõe que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”.

Embora seja sucinto, o capítulo trata sobre direitos e deveres dos cidadãos e do Poder Público quanto aos ecossistemas naturais do Brasil.

Política Nacional do Meio Ambiente

Conhecida pela abreviação “PNMA”, a Polícia Nacional do Meio Ambiente foi criada em 1981, sob nº 6.938.

Seu objetivo, previsto já no seu art. 2º, é preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.

Para alcançar tais fins, a Lei 6.938/81 cria diversos princípios e órgãos de proteção, tais como o Sistema Nacional do Meio Ambiente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Além disso, também são elencados instrumentos de atuação da política ambiental, como licenciamentos ambientais, estabelecimento de padrões de qualidade e zoneamento ambientais.

Lei da Ação Civil Pública

Promulgada sob nº 7.347/85, a Lei da Ação Civil Pública coloca à disposição de determinadas organizações um instrumento legal para ajuizar ações de responsabilidade por danos morais e materiais causados ao meio ambiente.

Além desse objeto, a Ação Civil Pública também protege outros direitos, como os direitos do consumidor, de bens e patrimônios históricos e públicos, a honra e dignidade de grupos raciais, étnicos e religiosos, entre outros.

Desta forma, diante de um dano ambiental, os legitimados legais podem ingressar com a ação civil pública, pleiteando pela indenização ou reparação respectiva.

A lei define que podem ajuizar a ação o Ministério Público, Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações públicas, sociedades de economia mista e associações.

Lei de Crimes Ambientais

A Lei nº 9.605/98, também conhecida como Lei de Crimes Ambientais, disciplina uma série de condutas lesivas ao meio ambiente, as quais ensejam responsabilidade criminal e administrativa dos infratores.

Essas infrações são divididas entre crimes contra a fauna, crimes contra a flora, crimes de poluição, crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural e crimes contra a administração ambiental.

Essa Lei é um grande marco para o Direito Ambiental, pois preconiza condutas criminosas que podem ser praticadas por pessoas jurídicas. Desta forma, caso lesione o meio ambiente, uma empresa poderá ser punida criminalmente.

Código Florestal

O Código Florestal foi promulgado sob nº 12.651/12, e tem como objetivo, de modo geral, a proteção das florestas e da vegetação brasileira.

  • Especificamente, a Lei 12.651/12 visa:Proteger vegetação, áreas de preservação permanente e áreas de reserva legal;
  • Dispor sobre exploração florestal e o suprimento de matéria-prima florestal;
  • Dispor sobre o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção de incêndios florestais;
  • Criar mecanismos econômicos e financeiros para que seja possível alcançar os objetivos da lei.

Como se pode imaginar, o Brasil é um país com os mais diversos ecossistemas e recursos naturais, de modo que uma legislação como o Código Florestal se faz extremamente necessária para protegê-los.

Lei dos Recursos Hídricos

De igual importância ao Código Florestal, a Lei dos Recursos Hídricos, promulgada sob nº 9.433/97, visa a proteção da água e dos recursos hídricos existentes em território brasileiro.

Como premissa básica, essa lei estipula que a água é um bem de domínio público, um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, cujo uso e gestão de seus recursos deve sempre proporcionar ao múltiplo uso das águas.

Tal como outros diplomas legais, a Lei nº 9.433/97 cria novos órgãos de proteção, como o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e novos instrumentos de atuação, como o Plano de Recursos Hídricos e o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.

Política Nacional de Resíduos Sólidos

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, criada sob nº 12.305/10, objetiva criar mecanismos para a gestão de resíduos sólidos, como forma de minimizar os impactos da poluição em nosso ecossistema.

Desta forma, a lei busca integrar os órgãos públicos e os particulares, por meio de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações que busquem gerenciar, de forma ambientalmente adequada, os resíduos sólidos provenientes das mais variadas atividades.

Estatuto da Terra, Política Agrícola e Lei do Agro

O Estatuto da Terra, promulgado sob nº 4.504/64; a Política Agrícola, sob nº 8.171/91; e a Lei do Agro, sob nº 13.986/20, são leis que se complementam e dispõem sobre a relação do homem, das empresas e dos órgãos públicos com a propriedade rural e agrária.

O Estatuto da Terra trata, especificamente, dos direitos e obrigações provenientes de imóveis rurais, para fins de execução da reforma agrária e promoção da política agrícola.

Já a Lei da Política Agrícola define os princípios e diretrizes da mencionada política, criando recursos e mecanismos para as atividades agropecuárias, agroindustriais e de planejamento pesqueiro e florestal.

Por fim, a Lei do Agro visa facilitar e incentivar o setor agropecuário, por meio de títulos de crédito e garantias que viabilizem as atividades dos produtores rurais e agroindústrias.

Instrumentos de proteção ambiental de propriedades

Seja um imóvel utilizado para fins residenciais ou econômicos, como o agronegócio, o Direito Ambiental, em suas legislações, prevê diversos instrumentos que protegem o aspecto ambiental de cada propriedade.

  • A seguir, abordaremos alguns deles.Área de Preservação Permanente: dispositivo previsto no Código Florestal, estipula diretrizes que caracterizam uma área como de proteção permanente, cuja vegetação deve ser protegida, a fim de se preservar recursos hídricos, estabilidade geológica, a fauna ou a flora;
  • Área de Reserva Legal: dispositivo que protege a área localizada no interior de propriedade rural, a fim de assegurar o uso econômico, de modo sustentável, dos recursos naturais do imóvel;
  • Cadastro Ambiental Rural: instrumento que constitui um registro público obrigatório para imóveis rurais, com a finalidade de integrar todas as informações ambientais de propriedades rurais;
  • Programas de Regularização Ambiental: programa criado pela União, Estados e Distrito Federal, com objetivo de adequar as propriedades rurais às leis ambientais;
  • Cota de Reserva Ambiental: título nominativo que representa uma área com vegetação nativa, existente ou em processo de recuperação.

Atuação do advogado no Direito Ambiental

Com todas as leis que disciplinam a proteção ambiental, é possível perceber a amplitude de atuação que um advogado terá no Direito Ambiental.

Suas atividades poderão ser voltadas para a área consultiva ou contenciosa, abrangendo as esferas civil, administrativa e penal.
  • Assim sendo, o advogado ambiental poderá atuar com:Contratos, principalmente aqueles que envolvem propriedades rurais e com áreas de proteção, a fim de resguardar os interesses ambientais e das partes;
  • Processos administrativos, quando tiver sido cometida por pessoa física ou jurídica uma infração punível administrativamente por órgãos ambientais;
  • Processos judiciais, quando envolver ações civis públicas, ações indenizatórias, ações populares, ou denúncias por crimes ambientais;
  • Licenciamentos, alvarás e cadastros legais, a fim de adequar atividades econômicas e propriedades rurais e empresariais às leis ambientais;
  • Consultorias, visando avaliar as atividades empresariais e sua conformidade às leis e proteções ambientais vigentes.

Como se pode perceber, são diversas situações nas quais pessoas físicas e jurídicas podem vir a necessitar de auxílio jurídico, possibilitando, assim, uma vasta atuação dos advogados na área do Direito Ambiental.

Tecnologias no Direito Ambiental

Até aqui, percebemos a enorme quantidade de mecanismos e instrumentos legais que existem para proteger o meio ambiente. Isso, por sua vez, influencia no desempenho e desenvolvimento de atividades econômicas nos mais variados setores.

Como forma de manter controle sobre todas as questões que envolvam as empresas e o meio ambiente, como contratos, processos, alvarás e licenciamentos, o departamento jurídico pode contar com o auxílio de tecnologias de gestão, como o software jurídico.

Uma das alternativas à disposição no mercado é o Projuris Empresas.

Com módulos específicos para cada necessidade do departamento jurídico, o Projuris Empresas facilita, também, a atuação dos advogados em questões ambientais das empresas, como, por exemplo, aquelas do setor agropecuário, que lidam diariamente com propriedades rurais, licenciamentos ambientais, contratos, entre outras.

Assim, essa tecnologia jurídica contribui para o Direito Ambiental com os seguintes módulos de: Contratos, pois permite organizá-los de forma centralizada, acompanhando cada etapa do ciclo do documento, desde a negociação até a execução e conclusão, utilizando-se de recursos com assinatura digital e avisos de vencimento e de prazos;
Processos, a fim de visualizar todas as demandas que envolvam a empresa judicialmente, acompanhando publicações, movimentações, prazos, datas de audiência, e inclusive peticionando dentro do próprio software.
Alvarás e Licenças, no qual é possível incluir documentos atualizados, acompanhar prazos e vencimentos e enviar notificações aos responsáveis;
Gestão Imobiliária, a fim de acompanhar todas as propriedades em nome das empresas, utilizadas para as atividades rurais ou com fins ambientais, inclusive incluindo informações referente a garantias, processos e contratos vinculados a cada ativo imobiliário;
Procurações, pois permite centralizar, realizar e fornecer procurações aos responsáveis que atuarão em nome da empresa, seja processos judiciais, administrativos ou para outros fins específicos.

Vale lembrar que existem outros módulos importantes nessa tecnologia, sendo que os acima são os que melhor contribuem para o desempenho do departamento jurídico que tiver atribuição para atuar na área ambiental ou para empresas que tenham demandas nessa área.

Conclusão

O Direito Ambiental é uma área que tem como objetivo preservar o meio ambiente e as relações dos indivíduos e empresas com ele.

Diante da sua extrema importância, surgem para os advogados diversas oportunidades de atuação, seja no contencioso ou consultivo, em escritórios ou em departamentos jurídicos.

Por isso, é essencial que o profissional de Direito esteja sempre atento às leis e suas inovações, bem como tenha conhecimento dos mecanismos de proteção e seus procedimentos colocados à disposição dos cidadãos.


Autor: Tiago Fachini
Especialista em Marketing Jurídico
Palestrante, professor e um apaixonado por um mundo jurídico cada vez mais inteligente e eficiente

18 de nov. de 2019

Desmatamento da Amazônia sobe 29,5% no ano e chega perto de 10 mil km², diz Inpe

É a maior taxa registrada desde 2008

| Foto: Carlos Fabal / AFP / CP Memória


O desmatamento na Amazônia subiu 29,5% entre 1º de agosto do ano passado e 31 de julho deste ano, na comparação com os 12 meses anteriores, atingindo a marca de 9.762 km². É a mais alta taxa desde 2008. Porcentualmente, é também o maior salto de um ano para o outro dos últimos 22 anos. Entre agosto de 2017 e julho de 2018 o corte raso da floresta tinha atingido 7.536 km². A taxa ficou pelo menos 1.500 km² acima da tendência de aumento do desmatamento que vinha sendo observada a partir de 2012.

Segundo técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), se a taxa seguisse a tendência dos últimos anos, teria ficado em torno de 8.278 km². Essa é a análise preliminar do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), o sistema do Inpe que fornece a taxa oficial anual de desmatamento da Amazônia.

Os dados foram divulgados na manhã desta segunda-feira, na sede do Inpe, pelos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes. Havia uma grande expectativa em torno desses números depois de vários indicadores apontarem que o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro reaqueceu o avanço da motosserra sobre a floresta.

O principal deles foi o Deter - outro sistema do Inpe de análise de imagens de satélite e que fornece dados em tempo real a fim de orientar a fiscalização -, que havia indicado para uma alta de quase 50% no desmatamento no período, na comparação com os 12 meses anteriores. Os alertas do Deter mostraram uma perda de 6.840 km² de floresta neste intervalo, ante 4.571 km² entre agosto de 2017 e julho de 2018.

Crise

Esses números vinham sendo desacreditados pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, desde o início do ano, e desencadearam uma crise no governo no final de julho, quando o presidente Jair Bolsonaro, em um café da manhã com a imprensa estrangeira, disse que os dados eram mentirosos e insinuou que o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, estaria "a serviço de alguma ONG".

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Galvão reagiu, afirmou que a atitude do presidente era "pusilânime e covarde" e disse que os dados do Inpe são transparentes, confiáveis e confirmados por outras instituições em todo o mundo. Bolsonaro chegou a dizer que queria ver os dados do desmatamento antes de sua divulgação, ao mesmo tempo em que Salles anunciou que o governo contrataria outro sistema de monitoramento da Amazônia.

O desgaste levou à exoneração de Galvão e a um clima de desconfiança de que os dados do Prodes poderiam sofrer algum tipo de censura. A crise foi agravada no mês seguinte, quando intensos focos de queimada da Amazônia chamaram a atenção de todo o mundo e renderam críticas a Bolsonaro. Em agosto, o número de focos foi 196% superior ao observado no mesmo mês no ano passado.

Cientistas de várias instituições, inclusive da Nasa, alertaram que boa parte do fogo estava relacionada justamente ao desmatamento que tinha ocorrido nos meses anteriores. Depois de derrubada, a floresta estava sendo queimada para a limpeza do terreno. A pressão nacional e internacional fez o governo reagir, enviando as Forças Armadas para a região.

Em setembro, o fogo diminuiu bastante, chegando ao menor valor da série histórica em outubro, mas o desmatamento, por outro lado, não arrefeceu, como continuam indicando os alertas do Deter. Mesmo durante a vigência da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia, a devastação cresceu, conforme revelado pelo Estado em setembro.

O Prodes apresenta o cenário na Amazônia até julho, mas o Deter indicou desmatamento em forte alta ainda em agosto e setembro. Em outubro, o ritmo diminuiu, mas ainda assim registrou a sétima alta consecutiva. De acordo com o Deter, o acumulado do ano (de 1º de janeiro até 31 de outubro), já chegou a 8.409 km² - aumento de 83% em relação ao mesmo período do ano passado, que teve uma perda de 4.602 km².

O Deter é um sistema em tempo real que serve para orientar a fiscalização e não serve como taxa oficial do desmatamento, mas funciona como um indicativo do que está ocorrendo em campo e, em geral, a tendência que ele aponta, de alta ou baixa, é confirmada depois pelo Prodes. No entanto, como "enxerga" mais, o Prodes sempre acaba indicando números ainda maiores.

Evolução

O desmatamento da Amazônia começou a ser monitorado oficialmente pelo Inpe com o Prodes em 1988, quando a destruição da floresta começou a ser criticada internacionalmente. Na época, a floresta perdia cerca de 20 mil km² por ano. A maior taxa registrada foi em 1995, primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso, quando chegou a 29,1 mil km².

O governo reagiu, aumentando o tamanho da Reserva Legal - área de propriedades privadas que tem de ser mantida protegida, de acordo com o Código Florestal, de 50% para 80% na Amazônia. A taxa caiu, mas voltou a subir no começo do anos 2000, alcançando um novo pico em 2004, segundo ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva: 27,8 mil km².

Marina Silva, então à frente do Ministério do Meio Ambiente, iniciou uma série de ações para combater o desmatamento, fortalecendo principalmente a fiscalização e a criação de novas unidades de conservação. Foi com ela, também, que o Deter começou a fornecer os alertas, ajudando o Ibama. A estratégia funcionou. Em 2012, o Prodes registrou a menor taxa de sua história - 4,6 mil km².

O País parecia no caminho para conseguir alcançar uma meta estabelecida em 2009 de chegar a 2020 com um desmatamento de 3,9 mil km². A partir do ano seguinte, porém, com um novo Código Floresta em vigor, menos rígido do que o anterior, a taxa de desmatamento começou a flutuar na Amazônia em uma tendência de alta.


A evolução do desmatamento da Amazônia:

- De 2012 para 2013, a alta foi de 28,9%

- De 2013 para 2014, houve queda de 14,9%

- De 2014 para 2015, o desmatamento voltou a subir: 23,8%

- De 2015 para 2016, nova alta, de 27,7%

- De 2016 para 2017, houve um recuo de 11,9%

- De 2017 para 2018, a taxa voltou a crescer: 8,5%


 

10 de mai. de 2018

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM TUTELA ANTECIPADA - Face de Crime Contra o Meio Ambiente


EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO DO ..... 



O MINISTÉRIO PÚBLICO, por sua agente signatária, com fulcro no art. 129, inc. III, da Constituição Federal, e na Lei nº 7347/85, e no art. 273 do Código de Processo Civil, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor


AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA


em face de

....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP ....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

DOS FATOS:

Em .... de ...... de ......., compareceu nesta Promotoria de Justiça o Sr. ....... declarando que a empresa ......., bem como a ....... e a ........., estava contaminando um arroio que atravessava sua propriedade, mediante o lançamento de efluentes líquidos industriais não previamente tratados (fl. 02). No mesmo sentido foi o depoimento do Sr. ........., dizendo que vários de seus animais morreram ao ingerir água contaminada por cromo (fl. 16).

À vista disto, o Ministério Público requisitou informações à ........, que, em vistoria específica à empresa, realizada em ......de........ de ........, constatou que o processo industrial da empresa ré é "a usinagem de peças e a cromagem". A cromagem se realizada em 6 (seis) tanques de chapa de ferro revestida com PVC, possuindo cada tanque uma bacia de contenção de concreto. O efluente gerado é encaminhado para um tanque de 20.000 l, onde sofre a decantação do resíduo e, de tempos em tempos, o efluente é descartado e o lodo armazenado em uma lagoa de 4 x 5 m, impermeabilizada com lona. Portanto, o efluente líquido não é totalmente reciclado e sim de tempos em tempos descartado quando o mesmo não pode ser reutilizado. Possui 4 (quatro) tanques de brasilit de 1000 l como pulmão para o tanque de 20.000l.

Outro efluente gerado é no polimento de chapas com pedra. Este efluente com pó de ferro sofre uma decantação simples em 3 (três) tanques de 0,5 m3, resultando um efluente escuro lançado no corpo receptor. O lodo originado é disposto em terreno da empresa. Possui lavadora de gases nos tanques de banho de cromo, utilizando como líquido a água para lavar os vapores de cromo. Este efluente retorna totalmente ao processo.

PARECER: A empresa deverá ingressar no sisanto, deverá redimensionar o tratamento de efluente gerado no polimento de chapas e solicitar a Licença de Operação" (fls. 19/20).

Na oportunidade, a empresa resultou autuada pela ............ a fim de que procedesse ao seu licenciamento ambiental (fl. 20).

Veio também aos autos cópia de um processo administrativo existente no SAMAE com relação a diversas empresas do Distrito Industrial do Desvio Rizzo, também instaurado para apurar a causa da mortandade de animais por ingestão de água. 

Neste estudo, feito pelo Eng. ......... em ..... de ...... de ......, consta que a .......trabalha com eletrodeposição de cromo duro. Utiliza como principal matéria prima o Dicromato de Potássio, em soluções com uma concentração de 110 g/l. Este é um elemento altamente tóxico e sua manipulação exige atenção e cuidados específicos (ver toxicologia nas fls. 27 a 28). Tanto o piso da fabrica como os substratos dos tanques de cromagem são impermeabilizados e não ocorrem perdas significativas do produto (penso que esta informação carece de rigor científico). Em seis oportunidades (dias diferentes) a água do arroio apresentava cor amarelada acentuada, indicando presença elevada de cromatos, como mostra o resultado da análise fls. 16 e fotos fls. 15 deste processo). 

Com o intuito de evitarmos pré-julgamento precipitado e desagradáveis surpresas futuras, pesquisamos outras fontes prováveis de cromatos. Estivemos na CESA (Companhia Estadual de Silos e Armazens) pois há muito tempo este produto era utilizado como algicida em torres de refrigeração, de acordo com conhecimento adquirido na faculdade. O Diretor desta empresa nos informou que o produto empregado é fabricado na Indústria Química .......... mas sabe que o pequeno volume de esgoto da sua unidade dirige-se para o lado da Rua ......., portanto, para outra Bacia de Contribuição.

Do gerente da INDÚSTRIA QUÍMICA......., obtivemos a informação de que o produto aplicado pela ......... de formulações, sendo que todos os produtos químicos são adquiridos e estão misturados e diluídos de acordo com a finalidade desejada. O esgoto liberado, portanto, é mínimo, restringindo a lavagem de misturadores, recipientes, etc. Não conseguimos amostrar efluentes, pois todo ele é canalizado e passa pela fossa séptica e sumidouro, de acordo com plantas da empresa. Pela topografia do terreno, deduz-se que se dirige para a bacia do arroio.

O resultado da análise do poço artesiano da ............, fls. 16 A-5, apresenta um dado preocupante. O solo e o lençol freático no entorno da empresa estão contaminados com cromo e se na época da construção o poço não foi encamisado adequadamente, este produto está poluindo o Aquífero Subterrâneo, dando ao fato dimensões que beiram à catástrofe. Lamentavelmente, esta suspeita confirma-se mesmo que de forma atenuada, pela concentração de cromo na água do poço da ENGEMIX, A-6. Como não conseguimos obter maiores informações destes poços e aqui cabe uma denúncia, a NB 1290 e a 588 (cópia fls. 38 a 48), não estão sendo cumpridas pelas perfuradoras, fica difícil emitir parecer que nos permita afirmar ser esta ou aquela a causa do problema, o que nos habilitaria a sugerir soluções corretivas.

Por outro lado, com os dados das análises fls. 16 e com o trajeto dos esgotos (mapa fls. 18), podemos concluir que o Cromo encontrado na água do arroio é proveniente da ........ Assim, a integralização destes dados nos leva a concluir que a causa mortis (dos animais do denunciante) foi a ingestão de água com elevadíssima concentração de cromatos. Pode até Ter havido a participação de outros produtos químicos, mas temos a convicção que eles entraram como coadjuvantes, talvez aumentando o efeito letal do agente responsável (sinergismo). Assim a presença do cromo foi a condição 'sine qua non'" (fls. 29/30).

O lançamento dos efluentes não tratados foi demonstrado pelas fotografias das fls. 34 a 36. E a pesquisa de cromatos e cianetos comprova níveis elevados de cromo na água (fl. 37).

Em ...... de ...... de ..........., a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Urbano de ........... lavrou Auto de Infração contra a ré, fixando-lhe prazo para fazer cessar as atividades poluidoras e apresentar projeto de tratamento de seus efluentes (fl. 89).

Em ....... de ...... de ........, a ............ informou ao Ministério Público que a empresa ......... havia cumprido as determinações do Auto de Infração, posto que, no setor de cromagem, implantou sistema de ciclo fechado para recuperação das águas utilizadas no processo industrial. "A área de cromagem foi isolada por resina de poliéster, o solo no local onde são lavadas as pelas foi impermeabilizado, os tanques dos banhos e demais operação estão circundados por calhas para coleta de água e encaminhamento para reservatório para reaproveitamento" (fl. 94).

"Na cromagem estão implantados lavadores de gases, para as emissões dos banhos de cromo. O efluente retorna ao processo. As máquinas da fábricas de lonas possuem sistema de captação para emissões atmosféricas. Os resíduos sólidos são reciclados, e/ou vendidos, e/ou enviados à Central de Resíduos de ..........., com exceção dos resíduos de amianto não utilizáveis que estão sendo depositados no terreno da empresa, em lugar seco contendo uma camada de cascalho em cima de um estrado de madeira, protegido com lona plástica que também cobre a pilha. Este resíduo terá reaproveitamento no processo industrial" 

Em ......... de .......... de .........., sobreveio informação da ............ no sentido de que o problema de tratamento de efluentes industriais estava totalmente resolvido, tendo sido implantado um sistema que recircula todo o efluente gerado, de sorte que não há geração de efluentes líquidos na área de banhos (fl. 112).
Atualmente a empresa também atua com Licença de Operação, mas não a detinha no ano de 1992 (fl. 123).

Embora a empresa esteja atualmente adequada às normas ambientais, ocorre que existe um passivo ambiental que precisa ser reparado, eis que o lançamento de cromo no meio ambiente causa extrema poluição, acima dos limites de sustentabilidade do próprio meio. Este lançamento de efluentes contaminados com cromo causaram a degradação da água e do solo em proporções não perfeitamente delimitadas, pelo que se ajuiza a presente ação civil pública com duplo objetivo:

(a) impor à empresa a obrigação de fazer, consistente em realizar uma auditoria ambiental às suas expensas para identificar a degradação e apontar mecanismos para sua mitigação/reparação;
(b) impor à empresa a obrigação de reparar todos os danos causados ao meio ambiente pelo lançamento de efluentes contaminados sem adequado tratamento.

Pretende-se que o item "a" seja deferido em caráter de tutela antecipada, para que sirva como elemento para o dimensionamento e quantificação do dano a ser reparado.

DO DIREITO:

1. DA NECESSIDADE DE UMA AUDITORIA AMBIENTAL NA ÁREA IMPACTADA

O Código Estadual do Meio Ambiente, Lei Estadual nº 11.520/2000, no seu art. 88, determina que:

"Art. 88 - Toda a atividade de elevado potencial poluidor ou processo de grande complexidade ou ainda de acordo com o histórico de seus problemas ambientais, deverá realizar auditorias ambientais periódicas, às expensas e responsabilidade de quem lhe der causa.
Parágrafo único: Para outras situações não caracterizadas no caput deste artigo, poderão ser exigidas auditorias ambientais, a critério do órgão ambiental competente.
Art. 90 - A auditoria ambiental será realizada por equipe multidisciplinar habilitada, cadastrada no órgão ambiental competente, não dependente direta ou indiretamente do proponente do empreendimento ou atividade e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados.
Art. 91 - Serão de responsabilidade do proponente do empreendimento ou atividade todas as despesas e custos referentes à realização da auditoria ambiental, além realização da auditoria ambiental, além do fornecimento ao órgão ambiental competente de pelo menos 5 (cinco) cópias (...)
Art. 97 - As auditorias ambientais deverão contemplar:
I - levantamento e coleta de dados disponíveis sobre a atividade auditada;
II - inspeção geral, incluindo entrevistas com diretores, assistentes técnicos e operadores da atividade auditada;
III - verificação entre outros, das matérias primas, aditivos e sua composição, geradores de energia, processo industrial, sistemas e equipamentos de controle de poluição (concepção, dimensionamento, manutenção, operação e monitoramente), planos e sistemas de controle de situações de emergência e risco, os subprodutos, resíduos e despejos gerados da atividade auditada;
IV - elaboração de relatório contendo a compilação dos resultados, análise dos mesmos, proposta de plano de ação visando a adequação da atividade às exigências legais e à proteção ao meio ambiente.
Art. 98 (...)
Parágrafo primeiro - Ao determinar a execução da auditoria ambiental, o órgão ambiental competente poderá fixar diretrizes adicionais que, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área, forem julgadas necessárias.

Conforme se verifica da exposição dos fatos, a empresa possui um passivo ambiental que deverá ser investigado através da auditoria ambiental a fim de que, posteriormente, se possa impor-lhe a obrigação de reparar os danos ambientais que forem dimensionados. O seu histórico permite que se conclua pela existência deste passivo, consistente em contaminação do solo e da água subterrânea.

Embora esteja atualmente regularizada junto à ............, não se pode ignorar que, nos anos de ...... e ....., a ....... concorreu para a contaminação do lençol freático, conforme indicam o Relatório de Vistoria da ............ e o parecer do Eng. ..., do SAMAE.

Ante à inércia da ............ em exigir a mensuração dos danos impostos ao lençol freático pela contaminação com cromo, cabível é a exigência por parte do Poder Judiciário de uma auditoria ambiental, para que se dimensionem e, posterioremente, se recuperem estes impactos. 

Não é pelo fato de a empresa estar formalmente regularizada junto à ............ que desaparece o interesse público em ver restaurada a qualidade ambiental quebrada pela contaminação do solo e das águas subterrâneas (lençol freático).

2. O BEM JURÍDICO PROTEGIDO: MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

O legislador, no art. 3º, inc. I, da Lei nº 6938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, define: " I - Meio ambiente: conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".

Na Declaração de Estocolmo (1972), o homem foi incluído na caracterização do meio ambiente como "Sistema físico e biológico global em que vivem o homem e outros organismos".

No sistema constitucional brasileiro, o "ambiente ecologicamente equilibrado" foi instituído como uma espécie de novo direito fundamental coletivo, o que, segundo José Afonso da Silva ocorreu nas constituições supervenientes à Declaração de Estocolmo em 1972.

O ambiente constitui direito subjetivo da coletividade humana. Na feliz expressão de Sérgio Ferraz, o ambiente é res omnium, sendo interesse de toda comunidade a sua preservação . Tem a natureza jurídica de direito coletivo, interesse difuso, ou seja, importa à sociedade como um todo, sendo ela a real titular desse direito. Em virtude desta característica coletiva, qualquer lesão repercute sobre toda a coletividade, legitimando qualquer dos seus membros à pretensão de punir e reprimir o transgressor.

Manuel Tomé Soares Gomes, ao discorrer sobre a responsabilidade civil por danos ambientais no sistema jurídico português, refere que a jurisprudência portuguesa tem vislumbrado o entrosamento do direito individual ao ambiente com os direitos tradicionais de personalidade, esclarecendo que "o direito de personalidade, configurado genericamente no art. 70 do nosso Código Civil, deverá ser hoje entendido numa perspectiva dinâmica pautada também pelos valores ambientais e pela idéia polarizadora da qualidade de vida que lhes está subjacente". Menciona que os tribunais têm "vindo progressivamente a tomar em consideração as lesões ambientais no quadro dos direitos subjetivos clássicos, máxime dos direitos de personalidade e de propriedade, contribuindo desse modo para refrear alguns dos excessos da sociedade tecnológica em que vivemos e para garantir aos cidadãos o gozo normal desses direitos".

Destarte, o direito ao meio ambiente pode ser entendido sob duas perspectivas: individual, quando o direito à saúde, ao repouso, por exemplo, constituem vertentes do direito de personalidade e do direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado; e difuso, no caso das lesões exclusivamente ambientais, quando o direito ao meio ambiente é disseminado na sociedade e os danos atingem um grupo de indivíduos mais ou menos alargado, cujo número e identificação precisos resvalam na indefinição.

No caso dos autos, a conduta poluidora da empresa ré ensejou tanto danos ecológicos puros como danos individuais. A contaminação das águas subterrâneas e do solo com água poluída com cromo caracterizam o dano ecológico puro sofrido pelo ecossistema, traduzido em lesão paradigmática de um verdadeiro interesse difuso. É que, além de se tratar de um grupo de titulares não organizado, de contornos indefinidos, também se observa tratar-se de um interesse indireto, visto que o dano não foi diretamente produzido na pessoa ou no patrimônio de qualquer dos indivíduos afetados no respectivo direito a um ambiente são e ecologicamente equilibrado.

Além disso, os habitantes do entorno também sofreram prejuízos, já que vários animais dos reclamantes morreram ao ingerirem a água contaminada, sem falar dos riscos para a saúde e vida humana representados pela poluição. 

3. A LEGISLAÇÃO VIOLADA:

1. A conduta poluidora: contaminação do lençol freático. Existência de passivo ambiental.

O art. 225, da Constituição Federal de 1988, prevê que: 

"Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade;
(...)
§3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos".

A Constituição Estadual de 1989 prevê idênticas disposições nos seus arts. 250 e 251.

A Lei Federal nº 6.938/81, que cuida da Política Nacional do Meio Ambiente, considerado em seu art. 3º, inc. III, apresenta a seguinte definição de poluição:

"Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

III - a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

(a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; 
(b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; 
(c) afetem desfavoravelmente a biota;
(d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
(e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidas". 

O mesmo diploma legal define como poluidor quem, direta ou indiretamente, exercer atividades causadoras de degradação ambiental (art. 3º, inc. IV) e, mais adiante, (art. 14, §1º), responsabiliza o poluidor independentemente da existência de culpa, a indenizar todos os danos causados ao meio ambiente.

O lançamento de detritos industriais em cursos d'água sofre antiga proibição, anterior à própria Política Nacional do Meio Ambiente, pois em 1967, o Decreto-lei 221/67 dizia expressamente em seu art. 37:

"Art. 37 - Os efluentes das redes de esgotos e os resíduos líquidos ou sólidos das indústrias somente poderão ser lançados às águas quando não as tornarem poluídas.
§ 1º - Considera-se poluição qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas das águas, que possa constituir prejuízo, direta ou indiretamente, à fauna e à flora aquática".

Ainda que a contaminação tenha ocorrido com maior intensidade no período que compreendeu o início do funcionamento da empresa até o ano de 1993, não se pode desprezar o fato de que o cromo é um metal pesado que não é eliminado pelo meio ambiente.

Além disso, merecem ser considerados os efeitos sobre o ciclo hidrológico como um todo, nele incluindo as águas subterrâneas e as pluviais, posto que, como ciclo fechado de vasos comunicantes, a contaminação de um curso d'água sempre afeta os demais corpos receptores a ele interligados. Nesse sentido é a lapidar conclusão do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo sobre os recursos hídricos:

"O ciclo hidrológico ou ciclo d'água é um ciclo fechado e deve ser considerado de forma única ao se pensar em preservação dos recursos hídricos em toda a sua diversidade de usos.
Os corpos d'água apresentam uma capacidade natural de autodepuração, que é limitada e deve ser avaliada competentemente. Esta capacidade é diretamente proporcional à quantidade de energia do meio em que a água se encontra. Numa escala decrescente de energia e, consequentemente de capacidade de auto-depuração, os rios e estuários aparecem em primeiro lugar, seguidos pelos reservatórios e lagos e, finalmente, pelas águas subterrâneas. Em razão disto, os tempos e os custos envolvidos para a remediação e descontaminação destes corpos d'água são tanto maiores quanto menor a sua capacidade de autodepuração. A preservação deve se pautar, portanto, na não-contaminação através do planejamento da utilização adequada dos corpos d'água como diluidores de resíduos e esgotos" (URIEL DUARTE e EVERTON DE OLIVEIRA, "Recursos hídricos", in "A questão ambiental", Terragraph, 1994, p. 181 - grifou-se).

4. RESPONSABILIDADE OBJETIVA:

Francisco José Marques Sampaio refere que "para enfrentar os casos em que a ocorrência do dano ambiental é, em certo grau, decorrência inevitável da atividade industrial, foi desenvolvido o chamado principe polluer-payer (PPP), segundo o qual o dano ecológico deve ser ressarcido por quem dele se houver beneficiado, seja o próprio causador do dano ou o adquirente do produto para cuja fabricação foi provocado o dano. Este último, ao adquirir o produto, paga o valor acrescido do custo ambiental" (grifou-se) .

Este princípio, adotado em diversos países após a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, resultou exatamente do esforço desenvolvido para minorar os efeitos negativos de impactos ambientais inevitáveis, decorrentes das atividades normais da sociedade de produção e consumo em que vivemos. O sentido do princípio do poluidor-pagador é o de quem de alguma forma se utiliza dos recursos naturais ou contribui para a degradação ambiental deve pagar importância proporcional a sua contribuição. Tal pagamento é calculado com base no custo de recomposição do bem lesado pelo pagador.

No Brasil, este princípio foi consagrado pela Constituição Federal de 1988, cujo art. 225, §§ 2º e 3º, obriga o explorador dos recursos naturais a recuperar o meio ambiente, bem como o sujeita à obrigação de reparar eventuais danos que venham a causar.

A legislação infraconstitucional dá ao princípio uma abrangência ainda maior, prevendo imposição ao usuário econômico dos recursos ambientais, de uma contribuição para tal exploração (art. 4º, inc. VII, da Lei nº 6.938/81), bem como a imposição de responsabilidade civil objetiva pelos danos ao meio ambiente (art. 14, §1º, Lei 6938/81).

Destarte, a doutrina e a jurisprudência evoluiram para a aplicação da Responsabilidade Objetiva, "inspirada na fatalidade da sujeição econômica e segundo a qual, assim como a pessoa moral pública que causa, por sua atividade, um incômodo anormal, deve indenizar os cidadãos por ela prejudicados, a fim de que os encargos do serviço público sejam repartidos entre todos os contribuintes, assim também a empresa privada deve reparação a seus vizinhos atingidos pelo dano decorrente de seu funcionamento, para que os encargos resultantes se repartam entre eles e os que desse funcionamento retirem proveito". 

A responsabilidade objetiva, ou pelo risco, consiste na obrigação de reparar determinados danos causados a outrem, independentemente de se perquirir a existência de atuação dolosa ou culposa do responsável, mas que tenham ocorrido durante atividades realizadas no interesse ou sob o controle da pessoa responsável. Conforme destaca o Professor Fernando Noronha, "pode ocorrer quer porque tais danos sejam resultantes dessa atuação, ainda que não culposa, quer porque simplesmente aconteçam em conexão com a atividade do responsável, mas neste caso somente quando possam ser considerados riscos próprios dessa atividade. Na primeira hipótese teremos responsabilidade objetiva normal, na segunda responsabilidade agravada".

Conforme a Teoria do Risco da Atividade, uma pessoa deve incorrer na obrigação de indenizar, mesmo sem ter agido com culpa, sempre que sejam produzidos danos no decurso de atividades realizadas no seu interesse e seu controle. Atividade, recorde-se, é o conjunto de atos praticados com vista de um determinado fim. Enfatiza-se, portanto, a idéia do risco da atividade, de sorte que aquele que, por sua atuação, cria o risco de produção de eventuais danos a terceiros, deve reparar aqueles que assim forem causados.

Esta teoria pode ser desdobrada em teoria do risco-lucro, segundo a qual quem exerce uma atividade de natureza lucrativa deve suportar os danos daí advindos, e teoria do risco-perigo, segundo a qual quem se beneficia de uma atividade potencialmente perigosa, deve suportar as suas conseqüências negativas.

Na verdade, estes desdobramentos são complementares e aplicam-se indistintamente aos danos ambientais. O cerne da questão é a responsabilização de todo aquele que, no exercício profissional de uma atividade econômica, organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços, causa danos ecológicos inerentes ao processo produtivo ou distributivo, como seria o caso da poluição decorrente da disposição irregular do lixo.

Tendo em vista que a responsabilidade por danos ambientais é objetiva agravada, reconhece-se ao responsável verdadeira obrigação de garantia, também fundada no risco, mas que prescinde do nexo de causalidade e exige apenas conexão entre a atividade do responsável e o dano acontecido.

Ricardo Kochinski Marcondes e Darlan Rodrigues Bittencourt advertem que "para a verificação do nexo causal, a norma estabelece que a lesão deve ser afetada pela atividade do poluidor-predador. Pode-se dizer que o explorador de atividade econômica coloca-se em posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à sua atividade estarão sempre, necessariamente, vinculados a ela. Não se investiga ação, conduta do poluidor-predador; o risco à ela substitui-se." 

A jurisprudência pátria acolhe o entendimento de que a responsabilidade objetiva por danos ambientais prescinde da prova do nexo de causalidade entre a conduta efetiva e o dano, satisfazendo-se com a prova do nexo de causalidade entre os riscos desta atividade e o dano:

"Indenização - Responsabilidade civil - Dano ecológico - Morte de peixes e degradação do meio ambiente, ocasionados por derrame de resíduo tóxico em rio - Culpa da empresa ré - Dispensa, por cuidar-se de responsabilidade objetiva - Suficiência do encadeamento etiológico entre a ação e o resultado - Verba devida - Recurso não provido" (TJSP - 4ª C. - Ap. - Rel. Ney Almada - j. 23.01.92 - RJTJSP 136/194).

Por estes motivos é que Ricardo Marcondes e Darlan Bittencourt sustentam: "O nexo causal verifica-se objetivamente e de forma atenuada, basta a existência da lesão e do risco preexistente de criá-la. O risco deve ser considerado condição da existência do dano, ainda que não possa demonstrar que foi sua causa direta. Assim, na prática, invertido está o ônus da prova" .

A responsabilidade civil por dano ambiental exige, para sua caracterização: 1) o fato antijurídico; 2) caracterização do dano ambiental; 3) nexo de causalidade; 4) nexo de imputação; 5) dano sofrido deve ter cabimento no âmbito de proteção da norma violada.

(a) Fato antijurídico: 
O evento causador do dano ambiental pode ser fato humano, consistente em conduta comissiva ou omissiva, culposa ou não, ou fato natural. Deve ser antijurídico, ou seja, ofensivo a direitos alheios de modo contrário ao direito. No caso dos autos a ré promoveu o lançamento de efluentes contaminados com cromo, de sorte a poluir o solo e o lençol freático.

(b) Dano Ambiental:
Para Helita Barreira Custódio, "o dano ao meio ambiente compreende todas as lesões ou ameaças de lesões prejudiciais à propriedade (privada ou pública) e ao patrimônio ambiental, com todos os recursos naturais ou culturais integrantes, degradados, descaracterizados ou destruídos individualmente ou em conjunto".
No caso dos autos, o dano ambiental está indicado pelo Relatório de Vistoria feito pela ............ em ... de ...... de ...(fl. 19) e pelo Eng. ......., do ....., os quais evidenciaram que parte do efluente gerado no processo produtivo era lançado nos corpos d'água, sem prévio tratamento. 
O estudo do ...... é especialmente conclusivo ao indicar a presença de cromato de potássio em concentração acentuada no efluente gerado pela ....., afirmando que se trata de um elemento altamente tóxico (fl. 29); bem como ao referir que o solo e o lençol freático no entorno da empresa estão contaminados com cromo (fl. 30).

(c) Nexo de causalidade:
O nexo de causalidade será o nexo objetivo que há de existir entre a ação e o dano, necessário para fundamentar a responsabilidade do autor da ação pelos seus efeitos lesivos.
Não abdicando da existência de um nexo de causalidade entre a atividade e o dano, a responsabilidade civil objetiva por danos ambientais funda este elo em juízos de probabilidade séria, consubstanciada na experiência social (normalidade e adequação) e apoiados no conhecimento científico, abandonando a procura de uma causalidade certa e absoluta. Este enfoque da Teoria da Causalidade Adequada, assente na idéia de adequação social e baseado igualmente em juízos de probabilidade, a aferir em prognose póstuma, apresenta flexibilidade, permitindo a adaptação constante à evolução dos conhecimentos científicos e tecnológicos que indiscutivelmente condicionam a existência e a consideração pelos danos ambientais e correspondente evolução do conceito de adequação social.
O nexo de causalidade foi afirmado pelo laudo do SAMAE, já que o Eng. ...... afirmou que a causa da morte dos animais foi a elevadíssima concentração de cromatos na água.

(d) Nexo de Imputação:
Enquanto a responsabilidade subjetiva tem como fundamento de sua imputação a alguém uma atuação culposa da pessoa, na objetiva o nexo de imputação será o risco criado pela pessoa responsável, ou que pelo menos acontece dentro da sua esfera de ação. Basta que os danos tenham ocorrido no decurso de atividades realizadas no interesse ou sob o controle da pessoa responsável.

(e) Cabimento no âmbito de proteção da norma violada:
É necessário, para que um dano seja reparável, que ele tenha cabimento no escopo da norma violada, ou seja o dano deve atingir bem jurídico protegido pelo ordenamento jurídico. Conforme já abordado no presente estudo, o meio ambiente é objeto de tutela jurídica constitucional.

5. SOLIDARIEDADE DOS POLUIDORES:

No tocante ao sujeito responsável pela reparação, a Lei nº 6.938/81 define como poluidor como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. Assim, aquele que é o responsável por poluição está obrigado a reparar os danos causados ao meio ambiente.

Quando vários poluidores concorrem para o resultado, não importa qual deles efetivamente agiu lesivamente, todos respondem solidariamente. 

A Lei Estadual nº 9.486/91, no seu art. 8º, e o Decreto Estadual nº 38.356/98, no seu art. 8º, §1º, positivam a responsabilidade solidária dos poluidores. 

A Lei nº 6938/81 (art. 3º, IV, art. 14, §1º, e art. 18) determina que a ação civil de reparação pode ser proposta contra o causador direto do dano, contra o indireto ou contra ambos. Há entre eles responsabilidade solidária, porquanto, em decorrência de lei, ambos são responsáveis pela mesma obrigação, ou seja, por toda dívida. Incidem, no caso, os arts. 896 e 1518 do Código Civil, sendo este último claro ao dispor: "os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação".

Tratando-se de solidariedade passiva, a dívida comum pode ser exigida, por inteiro, de apenas um dos co-devedores, segundo dispõe o art. 904 do Código Civil.

Assim, quer em caso de co-autoria, quer em caso de autorias paralelas cumulativas, os agentes responderão solidariamente perante o terceiro lesado, sem prejuízo do direito de regresso que possam exercer reciprocamente. 

Feitas estas considerações, impõe-se a conclusão de que não importa que o lençol freático tenha sofrido contaminação também por outras indústrias, posto que, conforme o laudo, a presença do cromo foi a conditio sine qua non para a mortandade dos animais. 

III - DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA:

Os fatos e o direito exaustivamente enunciados acima demonstram a ocorrência do fumus boni juris e do periculum in mora, a justificar, nos termos dos arts. 4º e 11, da Lei nº 7347/85 e 273 do Código de Processo Civil, a concessão de tutela antecipada, com o que garantirá a imediata realização de uma auditoria ambiental do entorno da empresa e do seu processo produtivo, identificando-se as medidas que efetivamente podem ser implementadas para reparar a contaminação do solo e do lençol freático. 

Não se olvide que o dano ambiental, cujo conceito parte da qualificação jurídica de meio ambiente e de poluição, da Lei 6938/81, caracteriza-se por sua extrema complexidade, seu caráter difuso e autonomia em relação aos danos impostos aos diversos elementos que integram o meio ambiente (ar, água, solo, vegetação). Agride-se a natureza propriamente dita, na sua dimensão supra-individual e inapropriável. Além disso, o dano ambiental reveste-se de incerteza, pois os efeitos da contaminação são complexos e variam de intensidade e imediatez. Como alerta LUCÍA GOMIS CATALÁ,"deve-se levar em conta que o dano ambiental afeta os ecossistemas, provocando, ao longo do tempo, efeitos acumulativos ou de sinergia" . O lançamento de substâncias contaminantes no meio ambiente pode assemelhar-se à queda de uma pedra na água, que provoca uma série de ondas que se expandem.

Em virtude disto é que se impõem a adoção de medidas preventivas, para a finalidade de evitar o agravamento dano, o que se fará mediante a realização de um adequado diagnóstico ambiental do entorno, que viabilize a mitigação dos impactos.

Em matéria ambiental, a prevenção, sem dúvida alguma, é mais importante do que a reparação, que raramente é completa e tem condições de realmente restabelecer a área degradada ao seu status quo ante. Em casos análogos, confira-se o entendimento jurisprudencial:

"Meio Ambiente - Se demonstrados os pressupostos de concessão de liminar - periculum in mora e fumus boni iuris - há que se concedê-la, initio litis, em Ação Civil Pública, para que se evitem danos ao meio ambiente, de impossível ou difícil reparação" (2ª Câmara Cível do TJSC, AI nº 4.212, Rel. Des. Volnei Carlin, in Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Liminares, Ed. RT, 1995, p. 323).

Do corpo do aresto, extrai-se a seguinte passagem, na qual o relator examina a existência dos pressupostos necessários à concessão da medida in limine litis:

"No que concerne ao primeiro requisito ele se encontra presente, pois, a nível de política nacional do meio ambiente vige a Lei nº 6.938/81, embora a ação assecuratória venha disciplinada pela Lei nº 7347/85, que dispõe sobre as ações de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, prevendo o aforamento de medida cautelar (art. 4º) que, através de concessão de liminar, evita o dano iminente.
Ora, o juízo emitido para a concessão da liminar indica a probabilidade de dano, em face dos termos expressos da lei, o que atende o segundo pressuposto. Na verdade, o periculum in mora transparece, como assinalado no despacho criticado (fl. 11, ab initio), na prova inserta nos autos e consistente de documentos produzidos por técnicos, de abaixo-assinado promovido pelos prejudicados (fls. 59 usque 67), levantamento fotográfico e denúncias de impresa (fls. 69/79), inferindo-se da urgência e necessidade da medida, seja para evitar o dano irreparável ao patrimônio público e ao de terceiros".

Conforme leciona LUIZ GUILHERME MARINONI, "em qualquer processo civil há uma situação concreta, uma luta por um bem da vida, que incide de modo radicalmente oposto sobre as posições das partes. A disputa pelo bem da vida perseguido pelo autor, justamente porque demanda tempo, somente pode prejudicar o autor (que tem razão) e beneficiar o réu (que não a tem) (...) Em um 'processo condenatório', a demora na obtenção do bem significa a sua preservação no patrimônio do réu. Quanto maior for a demora do processo, maior será o dano imposto ao autor e, por conseqüência, maior o benefício conferido ao réu"(grifou-se).

Em outra passagem, o mesmo autor assevera que "o sistema processual deve ser capaz de racionalizar a distribuição do tempo no processo e de inibir as defesas abusivas, que são consideradas, por alguns, até mesmo direito do réu que não tem razão. A defesa é direito nos limites em que é exercida de forma razoável ou nos limites em que não retarda, indevidamente, a realização do direito do autor".

Diante da relevância do bem ambiental, elevado à categoria de direito fundamental da pessoa humana, conforme se demonstrou, não se pode admitir a utilização de expedientes processuais tendentes a mitigar responsabilidades e a protelar a obrigação de proteger e recuperar o meio ambiente. Não se devem encorajar as defesas abusivas com o prolongamento do tempo que deve durar o processo de execução. Nas palavras de MARINONI, "quanto mais demorado é o processo, mas ele se presta a premiar a defesa abusiva como fonte de vantagens econômicas, fazendo parecer mais conveniente esperar a decisão desfavorável do que cumprir a obrigação pontualmente".

Finalmente, a antecipação da tutela encontra argumento no aspecto de que a realização de auditoria ambiental passou a ser uma exigência do Código Estadual do Meio Ambiente (art. 88) para todas as empresas com histórico de problemas ambientais, e mesmo para aquelas com elevado potencial poluidor, como é o caso da ......... 

IV - A INVERSÃO DO CUSTO DA PROVA:

O cabimento da inversão do ônus e custos da prova decorre da transferência do risco para o potencial poluidor, no caso a requerida. Em virtude do acolhimento da teoria do risco integral, defendida por Fábio Dutra Lucarelli, Nelson Nery Júnior e Édis Milaré, dentre outros, transfere-se para o empreendedor todo o encargo de provar que sua atividade não enseja riscos para o meio ambiente, bem como a responsabilidade de indenizar os danos causados, bastando-se que haja um nexo de causalidade provável entre a atividade exercida e a degradação.

A transferência de riscos impõe, portanto, duas conseqüências fundamentais. De um lado, a imposição do ônus da prevenção dos danos, decorrência, ainda, da aplicação do princípio da precaução. De outro, a responsabilização civil objetiva quando já consolidado o dano, objetivando-se a reparação integral da degradação. 

Se o ônus da prova da existência e intensidade do dano - cujo custo costuma ser imenso ante às especificidades científicas, gerando desequilíbrio econômico - fosse repassado ao autor da ação, via de regra não haveria como lograr o objetivo de reparação.

Sobre o perigo de ser imposto o ônus da prova ao prejudicado, já alertava SALVATORE PATTI: "uma visão realista do problema não pode, todavia, prescindir da dificuldade que o indivíduo encontra no momento de fazer a prova do dano e, às vezes, de individualizar o responsável. Em outros termos, não se deve subvalorizar a conseqüência da disparidade de poder econômico entre quem provoca o dano - normalmente uma empresa - e quem o sofre. É fato notório que muitas vezes a decisão das lides ambientais é extremamente dependente dos resultados de difíceis e custosas averiguações técnicas. Se compreende então como a possibilidade de sucesso do indivíduo que age se reduz consideravelmente em conseqüência do ônus probatório". 

Assim, diante do princípio da precaução e da internalização dos riscos, inerentes à responsabilização objetiva, deverá a requerida provar a inexistência ou irrelevância dos danos, bem como arcar com os custos para identificar o grau da degradação ambiental e as medidas mitigadoras dos impactos que serão necessárias. Ao Ministério Público bastará provar a potencialidade lesiva da atividade, podendo-se presumir a ocorrência de danos futuros.

Ao lado destes argumentos, há que se destacar a possibilidade de inversão do ônus da prova contemplada no art. 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor. A propósito, FRANCISCO JOSÉ MARQUES SAMPAIO, em monografia a respeito da responsabilidade civil em matéria ambiental, observa que "o princípio que norteia a inversão do ônus da prova no Código do Consumidor é, em tese, aplicável à responsabilidade civil por danos ambientais, pois as razões que justificam a inversão do ônus da prova são comuns em ambos os casos".

O Código Estadual do Meio Ambiente contempla expressamente o custeio destas provas pelo empreendedor, ao afirmar que a auditoria ambiental será feita às expensas e responsabilidade de quem lhe der causa (art. 88).

Também o art. 3o, parágrafo 5º, deste Código, determina que "os efeitos da atividade degradadora ou poluidora serão corrigidos às expensas de quem lhes der causa".

Este dispositivo é reforçado pelo art. 7º, parágrafo único, do Código, que determina: "ficarão a cargo do empreendedor os custos necessários à recuperação e à manutenção dos padrões de qualidade ambiental".

DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer o Ministério Público se digne Vossa Excelência conceder antecipação de tutela, na forma do art. 273 do Código de Processo Civil, para a finalidade de determinar:

(a) no prazo de trinta dias, sob pena da incidência de multa diária no valor de 1000 UFIRs, a realização de uma auditoria ambiental, nomeando-se equipe multidisciplinar habilitada, cadastrada junto à ............, não dependente direta ou indiretamente da requerida, a ser custeada pela ré, com a finalidade de:

(1.) verificar a gravidade e a extensão dos danos ambientais impostos ao solo e ao lençol freático, desencadeados pelo lançamento de efluentes líquidos industriais contaminados com cromo, sem tratamento e sem licença ambiental; 
(2.) apontar medidas para reparar a contaminação do lençol freático e do solo, recuperando a qualidade ambiental, com indicação de cronograma de atividades;
(3.) identificar o sistema de gerenciamento ambiental que a empresa tinha até o ano de ......, cotejando-o com o que vem sendo realizado no momento.
(b) realizado este diagnóstico, seja a requerida condenada à obrigação de fazer, consistente em executar as medidas reparatórias dos danos ambientais identificadas conforme cronograma de atividades, sob pena de incidência de multa diária no valor de 1000 UFIRs.
(c) No caso da impossibilidade do retorno ao status quo ante, mediante a recuperação in natura do dano ambiental, seja a ré condenada na obrigação de pagar uma indenização, a ser arbitrada em liquidação de sentença, ao Fundo Estadual de Recuperação de Bens Lesados, equivalente aos custos da reparação hipotética dos bens ambientais degradados. 

O Ministério Público requer, ainda:

(a) seja determinada a citação da requerida para contestar a presente ação, sob pena de revelia;
(b) seja intimado o Município de Caxias do Sul, na pessoa de seu Prefeito Municipal, para que adote providências administrativas contra a requerida; 
(c) seja intimada a ............ para que adote providências administrativas contra a requerida e acompanhe a realização da auditoria ambiental;
(d) seja oportunizada a produção de todas as provas em direito admitidas, com a inversão dos custos e do ônus das provas.
(e) Ao final, seja julgada procedente a presente ação, definitivando-se a antecipação de tutela e condenando-se à ré a reparar integralmente os danos causados ao meio ambiente, nos termos acima indicados, e no ônus da sucumbência.

São os termos em que pede deferimento.

Dà-se à causa o valor de R$ ......

Nesses Termos,
Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

[Assinatura]