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26 de jul. de 2011

SENTENÇA SOBRE AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA E REGISTRO c/c REIVINDICATÓRIA DE DOMÍNIO

ESTADO DA PARAÍBA
PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA comum DE 1ª INSTÂNCIA
comarca de CAMPINA GRANDE
JUÍZO DE DIREITO Da 2ª vara cível


SENTENÇA

AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA E REGISTRO c/c reivindicatória de domínio - PROCESSO Nº 256/94
PROMOVENTE: herdeiros de XXXXXX XXXXX XXXX  
PROMOVIDO: XXXXXX XXXXX XXXX  
JUIZ DE DIREITO: BEL. FRANCISCO FRANCINALDO TAVARES

AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO - ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA - VÍCIO DE CONSENTIMENTO POR DOLO - EXISTÊNCIA. citação. contestação. validade do ato anulANDO. INAdmissibilidade. parecer ministerial. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

- Age com dolo quem usa de artifício ou emprega expediente astucioso para induzir alguém à prática de atque o prejudica e beneficia o autor do dolo.

- Anulável é o ato jurídico cuja prática se funda no dolo.

AÇÃO REIVINDICATÓRIA DE DOMÍNIO - RELAÇÃO LOCATÍCIA, INCLUSIVE CONFESSADA NA INICIAL. DESPEJO. LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. CONTRATO POR TEMPO INDETERMINADO. CONFIGURAÇÃO. NOTIFICAÇÃO PREMONITÓRIA. NECESSIDADE. AUSÊNCIA. CARÊNCIA DE AÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM MÉRITO. EXTINÇÃO DO PROCESSO REIVINDICATÓRIA SEM MÉRITO.

A notificação do locador ao inquilino (contrato por prazo indeterminado) não reclama forma especial. Indispensável é a sua comunicação de não haver interesse na prorrogação do contrato, de modo a que o locatário não seja surpreendido com a ação de despejo, o que não ocorrendo, como é a hipótese dos autos, julga-se extinto sem mérito, por ser carecedor de ação.


Vistos, etc.

OS HERDEIROS DE XXXXXX XXXXX XXXX  , XXXXXX XXXXX XXXX   e seus filhos, devidamente identificados nos autos, através de advogada legalmente constituída, propuseram a presente AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA E REGISTRO CUMULADA COM REIVINDICATÓRIA DE DOMÍNIO contra XXXXXX XXXXX XXXX  , também identificado nos autos, aduzindo, em resumo, o seguinte:

Os requerentes são herdeiros de XXXXXX XXXXX XXXX  , o que com o falecimento deste, ficou a inventariar entre os herdeiros, um terreno situado na XXXXXX XXXXX XXXX  , XXXXXX XXXXX XXXX  , Lote , da Quadra , do Loteamento XXXXXX XXXXX XXXX  .

Ocorre que, antes mesmo do inventário, por insistência do promovido, resolveram locar o terreno, isto por contrato de locação verbal e por prazo indeterminado.

Acontece que, o promovido num ato de esperteza foi ao Cartório de ZÉ CRUZ, Fagundes e lá conseguiu de forma irregular, fazer a escritura do imóvel, como se o falecido XXXXXX XXXXX XXXX   e sua esposa estivessem vendido este para aquele, num verdadeiro ato doloso.

Ora, a venda não pode se consumar, por dois motivos. Primeiro o terreno foi locado e não vendido. Segundo, quando a escritura foi lavrada, o esposo e genitores dos requerentes já era falecido.

No final, pediu a citação do promovido para contestar a ação querendo, sob pena de revelia, após o que a procedência da ação, com a condenação nas cominações legais.

Juntaram documentos de fls. 05/07.

Citado, o promovido ofertou contestação, levantando como preliminar a impossibilidade jurídica do pedido, daí o processo dever ser extinto sem mérito, condenando-os nas cominações de estilo.

No mérito, diz que, a apreciação do juiz limitar-se-á à análise da preliminar, vez que, o pedido exordial é absolutamente impossível, pois houve no dia 26/02/87, uma transação comercial entre o promovido e os herdeiros do falecido XXXXXX XXXXX XXXX  , em cuja situação o imóvel foi escriturado em Fagundes no Cartório de Zé da Cruz, sendo válida para todos os fins de direito.

E, afinal, pede a improcedência da ação, com a condenação nas cominações legais.

Juntou documentos de fls. 12/14.

Réplica, fls. 26. Saneador, fls. 32, o qual restou irrecorrível. Audiência conciliatória e de instrução e julgamento, onde não se realizou por falta da intervenção do Ministério Público. Intervenção ministerial, fls. 33.

Às fls. 43, foi chamado o feito à ordem, visando a habilitação de todos os herdeiros do falecido XXXXXX XXXXX XXXX  , o que foi feito, fls. 46/50. Às fls. 57/63, o cartório informou que a escritura não foi ali transcrita, inclusive a assinatura da escrivã não confere com a aposta no documento.

Audiência de instrução e julgamento, onde foi tomado os depoimentos pessoais da viúva herdeira do falecido XXXXXX XXXXX XXXX  , bem assim do promovido e ouvidas quatro testemunhas, sendo duas dos autores e duas do promovido.

Nas alegações finais, os autores dizendo corroborado suas versões, pedem pela procedência da ação. O promovido, dizendo o contrário, pede pela improcedência da ação. O Ilustre Representante do "Parquet", em seu arrazoado, pede pela procedência de ambas as ações.

Pelo despacho de fls. 92/95, converti o julgamento em diligência, para verificar se o promovido era casado ou viúvo. Se viúvo se esta ocorreu durante o curso do processo. Esclarecido tais pontos, mandei que as partes, ratificassem as alegações ou retificassem, optando em retificarem.

Conclusos.
É o relatório.
Decido.

PRELIMINARMENTE:

DA AÇÃO REIVINDICATÓRIA:

Tem-se a dizer que, a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, tem consistência apenas atinente a ação reivindicatória, pois o cabimento da ação em epígrafe, exige como requisitos básicos, que o autor tenha a titularidade do domínio sobre a coisa reivindicanda, que a coisa seja individuada ou melhor identificada e que esta esteja injustamente em poder do réu.

Ditos requisitos, por enquanto, não me parecem evidentes. Primeiro, com o desfazimento do ato jurídico, o domínio retorna automaticamente aos autores. Segundo, na própria inicial, confessa eles a existência de um contrato de locação não residencial, inclusive por tempo indeterminado, em pleno vigor. A locação só pode ser desfeita, através de ação própria, após a notificação premonitória, já que é ela indeterminada.

Acontece que, pela regra do art. 57 da Lei n. 8245/91, deve existir, antes da ação de despejo, uma notificação seja judicial ou extrajudicial, entretanto, dita notificação, não existiu. A notificação é requisito imprescindível para formalizar a rescisão contratual e conseqüentemente a ação de despejo.

Folheando o processo, não se constata em lugar algum, a presença da notificação do promovido. Por isso, na ausência dela, deve o processo ser fulminado, por falta de requisito de sua validade.

Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, T. XL, pág. 108/109, ensina que a denúncia é negócio jurídico unilateral, constitutivo. É declaração unilateral de vontade receptícia, constituindo direito formativo à modificação jurídica, de regra à cessação.

Quanto à sua eficácia, sustenta o mestre que o negócio jurídico começa da comunicação ao outro figurante, mas a eficácia plena depende da determinação do momento em que deve operar-se, determinação voluntária ou legal.

Orlando Gomes, em Contratos, 8a. ed. pág. 333, observa que esse poder de resilir unilateralmente o contrato é resultante de um direito potestativo, certo de que a declaração eficaz produz efeitos a partir do momento em que chega ao seu conhecimento. Diz ainda o doutrinador que a denúncia do contrato por iniciativa do locador só se consuma em execução de sentença proferida na ação de despejo, porque a sentença resolve o contrato e o despejo é necessário para se obter a desocupação do imóvel.

Em campo de denúncia oca, a declaração unilateral de vontade tem por escopo cessar a relação de obrigação, tornando roto o contrato.

Ora, no nosso ordenamento jurídico, a denúncia do contrato de locação não residencial, prorrogado por tempo indeterminado é pressuposto de procedibilidade, caso o locador pretenda retomar o imóvel via ação ordinária de despejo.

Por esse motivo, Eduardo Espínola Filho, em Locação Residencial e Comercial, vol. II, pág. 865, já sustentava que a notificação do locatário para desocupação do imóvel é ato preparatório da ação de despejo e, portanto, exige os mesmo requisitos desta.

Nesse mesmo sentido o entendimento de Eliezer Rosa, em Breves Notas à Lei do Inquilinato, 1951, pág. 52/53: "Argumentar-se que a notificação não se dá nem tira direito, por isso pode ser feita de qualquer modo, sem maiores cautelas, é uma afirmativa despida de qualquer seriedade. As notificações para a retomada são o começo da ação, porque por ela começam, a integrar-se as condições particulares da ação despejo."

A despeito deste entendimento, veja-se:

"Locação. Notificação prévia. Contrato por prazo indeterminado. Ato que não reclama forma especial. Comunicação da não prorrogação contratual indispensável para que não seja o locatário surpreendido com a ação de despejo."(RT 703/209).

E, diz ainda:

"A falta de notificação por escrito, para reaver imóvel não residencial por prazo indeterminado, impõe a carência da ação." (Lei do Inquilinato, no CPC de Theotonio Negrão, art. 57, nota de rodapé, pág. 1.026, ed. 1996.)

E, diz finalmente:

"Neste caso, não havendo notificação premonitória, o locador é carecedor da ação."(RT 695/138).

Com esse quadro, impõe, não restar dúvida, reconhecer que a notificação premonitória, por se constituir em pressuposto de procedibilidade para a ação de despejo, no contrato por tempo indeterminado, que é o caso dos autos, deve ser extinto o processo, sem mérito.

Entretanto, com relação a outra preliminar do processo de anulação de ato jurídico, entendo, não dever prosperar, porque, encontra-se evidenciado nos autos, que a causa se apresenta com toda característica de procedibilidade, inclusive contendo nela os pressupostos processuais.

Por isso, rejeito a segunda preliminar, por falta justamente de substância jurídica.

NO MÉRITO:

DA ANULAÇÃO DO ATO JURÍDICO:

Compulsando o processo, tem-se a dizer também que, pela prova coligida na instrução, ficou corroborado que, houve entre os autores e o promovido, um contrato de locação do terreno, em cuja situação, o promovido aproveitando do estado de viuvez da primeira requerente, o alienou para si próprio, sem o consentimento dos herdeiros do falecido.

Da prova carreada, se infere que os autores realmente eram proprietários do terreno em questão e que este foi transferido para o réu, sem o devido processo exigido, ferindo assim, todos os princípios atinentes a alienação de imóvel.

A prova dos autos, atesta que a verdade está com a versão da inicial. Uma das testemunha do promovido, por sinal, cunhado da primeira autora, disse que, o terreno foi vendido para este e pode até ter sido, entretanto, a modalidade escolhida por ele, para fazer a transferência do imóvel questionado é inaceitável e ilegal.

O imóvel foi transferido, sem o consentimento do falecido Valdomiro, até porque já nem podia mais, esposo de dona XXXXXX XXXXX XXXX  , que por sua vez, também não consentiu a transferência, daí ter agido, o réu com dolo, na transação efetivamente feita.

Ora, o caso é tão patente que, basta folhear os autos, para chegar uma lógica conclusão, pois veja-se: XXXXXX XXXXX XXXX  , esposo e pai dos requerentes, faleceu em 11 de fevereiro de 1978, certidão de óbito de fls. 38. O imóvel foi escriturado em 26 de fevereiro de 1987 e consta da escritura documento de fls. 13/14 que dito imóvel estava sendo vendido por Valdomiro e sua esposa, inclusive na qualificação aparecem como casados, quando na realidade já era falecido há mais de dez (10) anos.

Com efeito, ante esta dura realidade processual, torna-se evidente que a vontade dos autores não se manifestou livremente. Não importa, conforme informa uma testemunha do promovido que o imóvel foi alienado, pode até ter sido, o que interessa, de uma forma ou de outra, é um contrato sem os requisitos do agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou defesa em lei, art. 82, CC, o que sem observância ao princípio da autonomia da vontade que preside a celebração dos contratos, não tem como valer.

Quando for preterida, como é a hipótese dos autos, alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade, o contrato é de nenhuma valia.

Contudo, é manifestamente coerente o vício do consentimento persistente no contrato questionado, pois o réu agiu indubitavelmente com dolo ao levar a documentação a cartório para transferir o imóvel para seu nome, constando da escritura que os outorgantes vendedores eram Valdomiro e sua esposa, casados e vivos, quando o primeiro já estava falecido há mais de 10 (dez) anos.

Dolo, define a doutrina mais categorizada: "É o erro intencionalmente provocado na vítima pelo autor do dolo, ou por terceiro."(Washington de Barros Monteiro, in Curso de Direito Civil, Parte Geral, ed. 1986, pág. 202).

Em sentido estrito e técnico, define CLÓVIS: "Dolo é o artifício ou expediente astucioso empregado para induzir alguém à prática de um ato, que o prejudica, e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro."(Comentários ao Código Civil, pág. 1/63).

A última definição encaixa como uma luva na hipótese dos autos e exprime perfeitamente o sentimento com que se agiu na consecução do ato jurídico, aqui questionado. Por isso, dito ato deve ser declarado nulo, na forma do art. 147, inc. II do Código Civil.

Sobre o assunto, veja-se:

"Provado o vício de consentimento na lavratura da escritura da doação, a sua anulação realmente se impõe."(RT 466/194).

E, diz finalmente:

"Transação com direito alheio é ato jurídico nulo, pela impossibilidade jurídica que envolve e pela ilicitude de seu objeto, podendo tal nulidade ser alegada por qualquer interessado e devendo desde logo ser pronunciado pelo juiz."(RT 492/141).

O Douto Representante do Ministério Público, também, em parecer final, bem elaborado, pede pela procedência de ambas ações nulidade do ato jurídico e reivindicatória.

Assim, dentro deste contexto, penso que a razão, está em parte com os promoventes.

De outra forma, penso que, em folheamento ao processo, verifica-se que, o requerido ao comparecer ao cartório e declarar que os outorgantes na escritura de compra e venda, aqui anulada, tinham consentido sua escrituração, cometeu em tese o crime de falsidade ideológica, devendo por isto, responder em todos os termos.

Escritura pública e registro, como a própria palavra já diz, são documentos públicos e de interesse público, pelo acervo estatístico do ordenamento jurídico, pelo começo da transmissão inter vivos de todos os cidadãos, atinentes a seus bens e ainda, para garantia do exercício de seus direitos.

É documento público, no sentido do texto, o escrito destinado a servir ou que pode ser utilizado, como meio de prova de fato juridicamente relevante.

Na falsidade ideológica o documento é genuíno, mas seu conteúdo intelectual não exprime a verdade. Pode ser cometido, no caso dos autos, tanto pelo oficial quanto pelo particular. O delito do particular é praticado por ação, quando consiste em declarar para fim de registro coisa diversa do que nele devesse conter e quando deixar de informar ao oficial fato relevante para o registro feito.

As jurisprudências entre pronunciamentos condenatórios no exame das circunstâncias que levaram os interessados a alienar bens sem o devido consentimento de quem de direito, se dividem, todavia, a corrente majoritária é a que atesta o cometimento do delito, senão veja-se:

Neste sentido: (RT 221/69, 231/61, 251/127, 334/90 e 439/338).

O ato do notário, também precisa ser investigado com muita profundeza e delicadeza, visando apurar em toda sua extensão, a forma como o imóvel foi ali escriturado, até porque existem comentários gritantes sobre a vida daquele notário e à sociedade, cansada de tudo e de todos, não pode mais arcar com as conseqüências dos que pensam que pode tudo, inclusive enganá-la.

ANTE AO EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE EM PARTE, a pretensão vestibular, e o faço em harmonia parcial como Ministério Público, para anular o ato jurídico escritura pública de compra e venda e conseqüente registro, celebrado entre XXXXXX XXXXX XXXX   e sua esposa XXXXXX XXXXX XXXX   e XXXXXX XXXXX XXXX  , por ter sido feita sem a observância do art. 82 do Código Civil, bem assim, com dolo e vício de consentimento.

Condeno, o promovido no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que, tendo em vista o disposto no art. 20, § 3º do CPC, fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa devidamente corrigido.

Por outro lado, julgo extinto sem mérito, a AÇÃO REIVINDICATÓRIA DE DOMÍNIO, por impossibilidade jurídica do pedido, sendo os autores, carecedores do direito de ação em relação a esta, em função da existência de um contrato de locação, por sinal em pleno vigor, faltando para sua rescisão a notificação premonitória, imprescindível nos contratos por tempo indeterminado.

Deixo de condenar os promoventes no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, porque estão assistindo pela Defensoria Pública do Estado.

Transitada em julgado, extrai-se cópias desta decisão, bem assim, dos documentos de fls. 07, 13, 14, 15 57, 58, 59, 60, 61 62 e 63, isto frente e verso, onde existir, e remetam-os ao Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral de Justiça em João Pessoa, para adoção das medidas cabíveis, contra o notário de Fagundes, bem assim, ao Ilustríssimo Senhor Superintendente de Polícia Civil em Campina Grande, para instaurar procedimento crime contra o promovido e o notário de Fagundes.

P.R.I.
Campina Grande, 04 de abril de 1997.

BEL. FRANCISCO FRANCINALDO TAVARES
JUIZ DE DIREITO