27 de jul. de 2011

Considerações sobre a defesa no processo civil brasileiro.

Por Gisele Leite
Professora universitária, mestre em Direito , mestre em Filosofia, advogada, pedagoga, co-editora do site www.jusvi.com , articulista do sites www.direito.com.br, www.estudando.com , www.mundojuridico.adv.br, www.odireito.com , www.forense.com.br , além de outras revistas forenses especializadas

Ao conceituarmos o direito de defesa como um ônus que é por definição segundo James Goldschmidt um imperativo do próprio interesse. É um encargo ou peso. O ônus se traduz por ser o reverso de certas faculdades outorgadas aos litigantes e caracteriza-se pelas conseqüências desfavoráveis que a lei aplica ao descumprimento deste ônus.

Os ônus não são impostos ou estabelecidos para o bem de outro sujeito, senão do próprio sujeito a que se dirigem. Assim a parte possui plena liberdade de optar pela conduta ou pela omissão, sabendo que esta agravará sua situação no processo.

Desta forma, o ônus difere substancialmente da obrigação e do dever, cujo descumprimento contraria o direito, e é sempre passível de sanção de alguma forma, para que o beneficiário seja contemplado com o resultado.

A ordem jurídica não pune a pessoa ou coage alguém no sentido de cumprir o ônus que a lei lhe atribui. Saliente-se que alguns ônus são condicionantes como, por exemplo, o de preparo no caso de certos recursos.

O réu sendo citado possui o ônus de oferecer resposta, sob pena de revelia. Ao autor cabe o mais amplo ônus que é de afirmar suas razões para demandar adequadamente, sob pena de nem abrir o caminho para a tutela jurisdicional (princípio da demanda). Já o réu tem o ônus de fazer afirmações contrárias às do autor, com quais estabelece controvérsias no processo e insere ao juiz a necessidade de decidir conforme prova e sua livre convicção.

Logo que o réu é integrado ao processo, e correspondente ao ônus de afirmar do autor, cabe ao demandado o ônus de responder. Responder a inicial é o comportamento normal e esperado para que o processo constitui um prosseguimento civilizado e racional do conflito que envolve os litigantes.

Ex positis, a omissão em responder constitui uma contradição psicológica do sujeito que vinha resistindo à pretensão do autor, e quando chamado a faze-lo perante o único que pode decidir imperativamente a respeito que é o juiz, vem a calar-se, deixando de usar as armas legítimas e próprias que a ordem jurídica lhe põe à disposição.

Assim ao responder o réu cria controvérsias sobre os fatos constitutivos alegados na demanda inicial, o réu continua assim afirmar a sua resistência à pretensão do demandante.

Bem sintetiza Cândido Rangel Dinamarco o ônus afirmar alegando, de afirmar negando e de provar: a) fato não alegado não constitui objeto da prova, porque é irrelevante para o julgamento; b) fato alegado e não negado também não é objeto de prova posto que é ponto pacífico e o juiz o aceita como certo; c) o objeto da prova engloba os fatos alegados e negados e negados, sobre os quais se criou dúvida no espírito do juiz; d) as alegações que foram alvo de negativa do réu dependem de prova pelo autor, que é o interessado no reconhecimento de que falou a verdade dos fatos.

É a resposta do réu uma reação ao estímulo representado pela demanda inicial do autor, e o canal ordinário e mais natural para questionar fatos constitutivos é a contestação, embora não seja o único. A contestação consiste genericamente em criar controvérsia sobre os fatos alegados pelo autor e o faz: negando simplesmente o fato, sem propor outra versão; propondo outra versão de fatos; argumentando no sentido que de que os fatos não poderiam ter acontecido segundo a narrativa contida na exordial. Por esses caminhos, o réu está colocando no juiz a dúvida entre as premissas apresentadas, entre a verdade e a mentira sendo seu dever a busca da verdade segundo as técnicas de instrução processual.

Esclareça-se que nem só o réu cria controvérsias sobre os fatos, também o terceiro a quem o réu denuncia a lide, seu assistente, o chamado ao processo uma vez citado, torna-se litisconsorte e tem amplas oportunidades defensivas, inclusive de negar os fatos. O opoente também o fará mediante negativa das afirmativas contidas na petição inicial.

Tendo em vista a dúvida fática implantada no processo (questão de fato), implanta-se ipso facto a controvérsia desde que de algum modo sejam negadas por algum sujeito processual.

Revelia, efeito de revelia e ônus de responder são institutos relacionados com julgamento de mérito a ser proferido pelo juiz. Desta forma, ainda que labore contestação o réu suportará a presunção de veracidade sobre as afirmações feitas pelo autor ao demandar, sempre que deixe de fazer essas afirmações contrárias, isso se constitui no ônus da impugnação específica dos fatos preceituado precisamente pelo art. 302 do CPC.

O ônus de propugnar a contestação é relativo e não absoluto no processo de conhecimento. No entanto, é absoluto o ônus de embargar do demandado em processo de execução do contrário o devedor, ora o executado, não poderá receber sentença favorável aos seus interesses e, nem mesmo sequer a apreciação de suas premissas.

Existe um nítido liame dialético entre o ônus inicial do autor de afirmar as razões de seu pedido, passando pelo ônus do réu em contra-argumentar as afirmações do demandante legitimando a conclusão e a síntese acerca das questões criadas pela discrepância entre estas.

Cumpre em tempo pontificar que o juiz não possui ônus processual, e, sim, dever de afirmar em sentença e de forma motivada conforme propõe o art. 93, IX da CF, art. 131, 458, II do CPC.

Aborda Carnelutti que as afirmações das partes, ou seja, as alegações que fundamentam os seus pedidos, implica em cogitar no ônus de alegar com relação às demandas, respostas, e recursos, entre outros.

A defesa é parte integrante do quadrinômio que bem traduz o processo de conhecimento quais sejam: a demanda, a cognição e a sentença. O processo de conhecimento é nitidamente processo de sentença como bem definem os processualistas alemães, e, em particular da sentença de mérito. Ao demandar, contestar, conhecer e julgar traça-se o caminho peculiar para a obtenção da tutela jurisdicional do processo de cognição.

No processo de execução, diferentemente apesar de existir a demanda, há parco grau de conhecimento que é saciado pelo título executivo, o que justifica inexistir o julgamento da pretensão do exeqüente.

Cumpre preliminarmente esclarecer que o direito de defesa é um direito subjetivo público e constitucional previsto no art. 5o, LV da CF, que o demandado possui e através do qual se insurge contra a pretensão do demandante.

Assim, o direito de defesa é um corolário imediato e antagônico ao direito de ação, o que justifica o acesso do cidadão à justiça. Eduardo Couture esclarece que se deve admitir a defesa para todos aqueles que são demandados e chamados a defender-se.

Na lição de Liebman aprende-se que o direito de defesa é igualmente inseparável do direito de ação, pois é uma manifestação deste direito em prol do demandado. O exercício do direito de defesa é inerente ao fato do demandado ter ou não razão, bem como não se exige que o autor tenha ou não direito material para propor a ação isto devido a teoria abstrata da ação.

Ora, se o demandante ajuizar uma ação infundada com má fé poderá ser punido por se enquadrar no tipo previsto no art. 17 do CPC, assim como também se coíbe que o demandado utilize os expedientes protelatórios em sua defesa.

Ampara-se o fundamento legal da defesa no princípio do contraditório e da ampla defesa que são linhas filosóficas que tramam a dialética processual consistente na apresentação da tese pelo autor através de sua petição inicial, e da antítese pelo réu, através de sua defesa, o que normalmente se faz através da contestação. Mas frise-se que somente se reconhecerá o direito de defesa a quem legitimamente ocupar o pólo passivo de uma ação.

A defesa sempre importará numa tutela declaratória negativa, salvo na hipótese de reconvenção que poderá ter cunho condenatório, desconstitutivo ou constitutivo. Acentua Eduardo Couture que com o exercício do direito processual de defesa, o réu possui o direito subjetivo ao devido processo legal e conhecimento de suas razões pelo órgão jurisdicional.

O dispositivo constitucional não garante somente o exercício prático da defesa, mas a integridade de seu exercício, quando assegura os meios e os recursos inerentes à defesa. A falta do absoluto respeito à defesa caracterizará o cerceamento de defesa.

Entre as inúmeras formas de cercear de defesa se dá com o impedimento ou restrição dos meios processuais próprias de defesa como, por exemplo, negar a produção de provas ou impedir que o réu comprove suas razões.

Ensina Moacyr Amaral Santos que a distinção entre ação e defesa é quanto ao objeto material, na ação o autor formula sua pretensão, elabora pedido. Diversamente, na defesa não se contém nenhuma pretensão, mas a resistência à pretensão e ao pedido do autor.

Defendendo-se o demandado não pretende nada de quem aciona, mas apenas resiste à sujeição processual a que o submete o órgão jurisdicional ou à pretensão do autor, afirmando que não está sujeito ao seu poder jurídico.

O réu na defesa pontifica Couture, “não aspira um direito, mas também somente excluir o alheio”. Conforme alude Carnelutti, a pretensão do réu nada mais é que afirmação da liberdade jurídica.

Na técnica jurídica, entende-se que meio é considerado como instrumentos e, recurso corresponde ao expediente processual destina a anular, reformar ou esclarecer uma decisão ou sentença (aí se encaixam genericamente a apelação, agravos, embargos declaratórios).

São meios de defesa a contestação, as exceções processuais, a reconvenção, as alegações finais e, etc... Serão recursos todos os mecanismos processuais capazes de provocar o reexame da decisão ou da sentença.

A plenitude da defesa existe em assegurar tanto a oportunidade de defender-se como também demonstrar a veracidade de seus argumentos e de possibilidade de reexame das decisões. Desta forma, o cerceamento de defesa acarreta a nulidade processual.

O conteúdo da defesa é notadamente uma pretensão declaratória negativa que poderá ser expressa pelos institutos da objeção e exceção.

A exceção do étimo exceptio surgiu no período formulário em substituição a praescriptio pro reo no direito romano e possui amplo significado, a saber:

a)qualquer meio de que o réu se sirva para justificar a demanda de rejeição e, portanto, a simples negação do fundamento do autor da ação;

b) toda defesa de mérito que não consista na simples negação do fato constitutivo afirmado pelo autor, mas na contraposição de um fato impeditivo ou extintivo que exclua os efeitos pretendidos pelo autor;

c) a contraposição do fato constitutivo afirmado pelo autor, de fatos impeditivos ou extintivos que por si mesmos não excluem a ação, mas conferem ao réu o poder jurídico de anular a ação intentada.

No direito francês, a exception é conceito exclusivamente processual e tem significado de defesa de rito, em franco contraste com a defense que corresponde a defesa de mérito.

A objeção trata da matéria deduzida de ordem pública e, por isso mesmo conhecível de ofício, a qualquer tempo e independentemente de forma pelo juiz. Pode envolver norma de direito material, como a decadência, a nulidade de ato jurídico, relaxamento de prisão em flagrante, ou norma de direito processual como a coisa julgada, condições de ação, e os pressupsotos processuais.

A objeção por não exigir forma própria ou específica de sua alegação, poderá ser suscitada como “preliminar” ao contrário da exceção processual.

A exceção processual também chamada também de instrumental porque vai instaurar um processo incidental, autuado em apenso aos autos principais (art. 299 CPC), tal como ocorre com a impugnação do valor da causa (art. 261 do CPC) e, na exceção de incompetência relativa (art. 112 do CPC).

No processo civil, a incompetência absoluta e o impedimento do juiz apesar de qualificadas de “exceção”, não passam em realidade de objeções em face dos arts. 113 e 134 do CPC.

A defesa propriamente dita é a resistência do réu à pretensão do autor dentro do processo. E integram ao grupo chamada a defesa, a contestação (no processo civil), as alegações preliminares ou a defesa prévia (no processo penal) e a defesa no processo trabalhista.

Tais peças defensivas deverão conter toda matéria de ordem processual e substancial oponível conforme prevê os arts. 300, 301, 302 do CPC e, ainda, art. 261 e 386 do CPC e, ainda o art. 846 do CLT.

Didaticamente podemos dividir a defesa em direta e indireta. Será indireta quando não se opor ao mérito da causa, mas as condições da ação, aos pressupostos processuais e à validade do processo. É uma espécie de defesa nitidamente processual e, o art. 301 do CPC realça particularmente a defesa indireta.

Segundo a boa técnica processual, a defesa indireta deve ser argüida em primeiro plano antecedendo ao exame do mérito ou das questões de fundo, daí ser vulgarmente chamada de “preliminar ao mérito”. Aliás, justifica-se tal ordem, pois o aspecto processual inviabiliza a apreciação adequada do mérito da causa.

Já a defesa direta ataca visceralmente o mérito, ou seja, os fatos e/ou relação jurídica que constituem o direito afirmado pelo autor.

Todavia, é plausível existirem preliminares do mérito que indiretamente atacam o direito material afirmado pelo autor, como a decadência, a prescrição, compensação e novação.

Numa visão carnellutiana, a defesa direta do mérito vem a ser o próprio conceito de lide como pretensão resistida. Pois a lide decorre sempre de uma pretensão resistida de direito material.

O segundo grupo a integrar a defesa, é o das exceções processuais ou instrumentais que são aplicáveis a qualquer processo (seja de conhecimento, de execução ou cautelar) e, sempre irão provocar a instauração de um novo processo apenso ao principal e seu conteúdo sempre abordará questões processuais e nunca de mérito. A norma processual vai sempre indicar a forma e o prazo, ex vi, arts. 297, 299 do CPC.

Parte da doutrina pondera que é possível que as exceções processuais podem ser suscitadas dentro do processo principal. È preciso que seja identificada a natureza argüida como sendo de objeção ou exceção processual para a partir de então, se extrair os efeitos jurídicos desejados e, o comportamento técnico-processual adequado.

No terceiro grupo de defesa também se inclui a reconvenção que é a ação do réu em face do autor, tendo em vista a conexidade de direitos que envolvem o direito alegado pelo autor e o direito afirmado pelo réu.

A reconvenção é disciplinada pelos art. 315 ao 318 CPC e é processada dentro dos autos (art. 299 CPC). Somente tem aplicação no processo civil e com certa relutância no processo trabalhista.

No contra-ataque que é a reconvenção revela-se um perfeito desdobramento do próprio direito de defesa e está condicionado aos pressupostos resultantes dos nexos e ligações com o pedido inserido na ação.

Ensina Pontes de Miranda que a reconvenção é oriunda do direito canônico. Conventio era a citação em justiça, assim a reconventio seria a citação em sentido inverso, mantendo ainda, a identidade das partes. Ressalte-se que o verbo reconvir se conjuga como o verbo vir e deve ser proposta no mesmo processo, daí ser o julgamento simultâneo obrigatório.

Numa análise crítica e com a efetiva adoção da teoria da individualização da causa de pedir em todas ações cíveis, onde as ações teriam caráter dúplice assim tanto, a ação como a contestação teria força de ação, o que acarretaria a extinção da reconvenção e, se adotaria o procedimento sumário como padrão.

Cândido Rangel Dinamarco define resumidamente o processo civil como técnica de solução imperativa de conflitos. É o Estado quem conduz o processo através de agentes específicos que são os juízes e seus auxiliares mediante o exercício do poder estatal de jurisdição que consiste na capacidade de decidir imperativamente e impor decisões.

Particularmente no processo civil moderno destaque-se os poderes do juiz no sentido de fazer cumprir suas decisões garantindo assim a efetividade do processo que é, sem dúvida, tema que ocupa bastante a doutrina brasileira.

O direito processual é o conjunto de princípios e normas destinados a reger a solução de conflitos mediante o exercício do poder estatal. A jurisdição principalmente no Estado de Direito se destina a aplicar regras jurídicas a fim de assegurar a efetividade dos resultados, além de permitir a participação dos interessados pelos meios legalmente estipulados e permitidos que também definem e delimitam a atuação dos juízes.

Assim o direito processual apresenta-se subespécies tais como o direito processual civil e direito processual penal.

Em oposição a singular trilogia estrutural do processo, Cândido Rangel Dinamarco apresenta a jurisdição, ação, defesa e processo como as quatro grandes categorias que compõem o núcleo estrutural do direito processual (os seus institutos fundamentais). Em torno das quais giram todo conteúdo dogmático dessa ciência.

Ainda salienta o ilustra doutrinador e professor da USP que in verbis:

“De nada valeria uma boa ciência, associada à técnica adequadamente modelada nos textos legais, se não existisse a consciência de praticar a arte do processo com vista aos objetivos que dão vida ao sistema e o legitimam perante a sociedade e sua escala de valores. (...) Daí a responsabilidade imensa da doutrina, de que é tarefa de formar mentalidades e por esse modo contribuir para o aperfeiçoamento da arte da justiça. (...)”.

Falar no trinômio: técnica- ciência - arte é pensar nas responsabilidades de três sujeitos que são o legislador, o processualista e os operadores dos instrumentos processuais (juiz, advogado, Ministério Público).”

Na tendência de assegurar o maior acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdiciona, assim deve-se atenuar os rigores das conseqüências das escolhas inadequadas. Só se indeferem petições iniciais e só se extinguem processos se não for possível adaptar e, se tendo a causa sido erroneamente processada, disso advier como resultado prejuízo (a regra da instrumentalidade das formas art. 245 CPC), além disso, o autor deverá sempre ser ouvido antes da eventual extinção do processo por esse motivo.

O modelo processual civil brasileiro é o resultado do que dispõem as normas constitucionais e infraconstitucionais brasileiras com relação às técnicas e, categorias jurídicas predispostas à solução dos conflitos e às pessoas e conjunto de pessoas encarregadas de pôr em ação as técnicas processuais.

O pensamento jurídico-processual pátrio é visivelmente influenciado por Enrico Tullio Liebman instaurando um modo científico antes inexistente, com relevância no estudo da ação, como instituto central do sistema processual, acompanhado da determinação dos pressupsotos processuais como categoria distinta e autônoma das condições da ação.

Provém de Liebman ainda a afirmação do processo como relação jurídica existente entre sujeitos principais (autor, réu e juiz, este aqui representando o Estado); a nítida distinção entre a sentença de mérito e as meramente terminativas; a visão da coisa julgada como imutabilidade dos efeitos da sentença e, não como efeito em si própria; e, ainda, a firme distinção do processo de conhecimento e de execução e, o conceito funcional do título executivo.

No tocante ao plano histórico, o direito de defesa tem um inestimável registro contido na Enciclopédia Jurídica Leib Soibelman, que vale apenas copilar:

“Uma das mais belas páginas da história do direito francês, consiste no seguinte episódio: quando se tratava de reformar a justiça, discutindo-se o projeto que depois veio a transformar-se na ordenança de 1670 (V. Ordenanças de 1667, 1670, 1673 e 1681 e Ordenanças de Luiz XIV.), o magistrado Lamoignon protestou contra a manutenção de antigas disposições da ordenança de 1539, já atenuadas pela jurisprudência, que não davam ao acusado o direito a um advogado, mas Pussort defendeu o projeto dizendo:” a experiência demonstra que o advogado do acusado se permite usar de todos os meios para demonstrar a sua impunidade, com a consciência mais tranqüila, e desde que o acusado tenha recursos para contratar vários advogados, os expedientes não lhes faltarão para eternizar (imortalizar disse ele) o processo, de modo que a presença do advogado só favorece aos ricos e à impunidade", ao que Lamoignon retrucou: "é verdade que algumas vezes o advogado só serve para iludir a justiça e alongar o processo, e muitos acusados escaparam das mãos do juiz graças ao advogado que tinham, mas se o advogado salvou muitos culpados não é menos verdade que inocentes podem perecer por falta de advogados e, como é impossível ao legislador prever todos os inconvenientes, é necessário que ele se adiante aos males mais graves; é certo que entre todos os males que afligem a distribuição da justiça, nenhum é comparável ao de fazer morrer um inocente e melhor valeria absolver mil culpados, pois o advogado que se dá aos acusados não é um privilégio dado pela lei, mas uma liberdade adquirida por direito natural e que é mais antiga que todas as leis humanas". Infelizmente a reforma se fez sem adotar o ponto de vista de Lamoignon, continuando o acusado só e sem advogado, desde a investigação secreta do crime até o seu julgamento, situação que só foi alterada pela Revolução Francesa de 1789. V. patere legem quam ipse tulisti. B. - Charles Morizot - Thibault. De linstruction préparatoire. Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence. Paris, 1906.”(In no vocábulo defesa do direito de defesa).

A doutrina brasileira ainda insiste no trinômio de questões na composição do objeto do conhecimento do juiz, competindo-lhe decidir sobre o processo (pressupostos processuais e requisitos de regularidade processual) e sobre a ação e suas respectivas condições e, sobre o mérito (os fatos, o valor da prova, direito material), navegando em contra-mão, pois a tendência doutrinária européia moderna é mais no sentido do binômio (pressupostos processuais e mérito).

Ao acatar firmemente a teoria da substanciação, a doutrina pátria pontifica a genérica crença de que a causa de pedir colocado na demanda inicial, através somente da narrativa dos fatos concorre para a delimitação do âmbito da tutela jurisdicional possível, sendo autorizado o juiz a dar aos fatos narrado a qualificação jurídica diversa da proposta pelo autor.

Em sentido diferente, se posiciona o sistema europeu onde prepondera a teoria da individualização (vinculação pelos fundamentos jurídicos –materiais e não pelas circunstâncias fáticas), favorecendo o maior valor aos deveres do impulso oficial do juiz, em contraposição aos métodos menos inquisitórias prevalentes dotados de meros pendores publicísticos (adversary system).

Vivencia a cultural nacional jurídica um autêntico paradoxo metodológico em face da aceitação dos conceitos e propostas técnico-processuais hauridas nas obras de mestres europeus, principalmente, os alemães e italianos, ao mesmo tempo em que nossa fórmula político-constitucional de separação de poderes do Estado mais se aproxima do modelo norte-americano.

Aliás, o próprio conceito de Liebman sobre direito processual civil como “conjunto de normas e princípios disciplinadores do exercício da jurisdição, da ação e da defesa em matéria civil”, já não goza de tanto prestígio entre os italianos, como entre nós.

A bibliografia brasileira privilegia substancialmente temas como o instrumentalismo calcado no acesso à justiça e na inafastabilidade do controle jurisdicional, muito mais pelos traumas advindos de um soturno período de exceção de acabrunhamento das vias processuais e legítimas de realizar justiça.

O direito processual constitucional brasileiro em suas mais variadas manifestações, notadamente com a CF de 1988, revigorou escopos sociais e políticos do processo e, buscou em sua efetividade, além dos poderes instrutórios do juiz, a tutela coletiva de interesses, sublinhando ainda mais a importância da instrumentalidade do processo em si mesma considerada.

Domina doutrinariamente o pensamento brasileiro o prestígio do direito da ação e, sua respectiva garantia constitucional em confronto com os demais institutos fundamentais do processo civil, a saber, as condições da ação, os elementos identificadores da ação, a distinção do processo cognitivo do executivo e, os estudos do processo constitucional com particular ênfase aos pressupostos ideológicos do processo civil.

As faculdades e poderes dos litigantes no processo enfeixam-se em duas categorias jurídicas: ação e defesa, ou seja, direito de ação e direito de defesa.

Assegura a Carta Magna Brasileira vigente que tanto ao autor como ao réu cabe participação em todo processo e, ainda a possibilidade de sustentar suas razões e formular demandas.

O direito de ação e defesa constituem a síntese dessas possíveis atuações jurisdicionais dos litigantes e, ainda incluem o direito à resposta do Estado-Juiz sobre as demandas e requerimentos que lhe dirigem.

Bem resume Cândido Rangel Dinamarco que a ação e a defesa correspondem a síntese das situações ativas das partes no processo. De forma que são absolutamente iguais e paritárias as oportunidades oferecidas às partes, iguais os deveres do juiz perante ambas e, também iguais expectativas que o exercício de cada uma é apto a gerar para estas.

Não há o processo civil do autor, pois este não serve apenas para dar razão a este ou aquele, para oferecer unilateralmente a tutela jurisdicional que deve funcionar como respeito à isonomia processual, eliminando assim as grandes distinções conceituais entre a ação e a defesa.

A única e significativa distinção entre ação e defesa reside no fato de que somente aquela tem o poder de dar início ao processo. Pois a inércia da jurisdição proíbe a atuação do juiz a realizar ou prestar a tutela jurisdicional quando não provocado (art.2o, art. 262 do CPC). Com raríssimas exceções como, por exemplo, da abertura de inventário.

A ação se traduz mais que um mero poder, mas num feixe de situações jurídicas ativas que legitimam a iniciativa de dar origem ao processo e, possibilitar a realizar da justiça em busca de uma solução favorável a lide.

Desta forma, não pode o direito de defesa dar a partida no motor judiciário, mas possui a análoga função de preparar uma solução do processo. Reserva-se ao direito de ação os poderes de iniciativa e participação enquanto para o direito de defesa resta apenas os poderes de participação no processo.

Tanto a ação quanto a defesa têm por sujeito passivo o estado, no sentido de que é deste que se exige a realização do processo e dos seus atos. Numa visão crítica e realista, a ação e a defesa não são exatamente direitos subjetivos, mas autênticos poderes, são conjuntos de situações jurídicas.

Lembrando que as situações jurídicas abarcadas no conceito de defesa são aquelas que no curso processual se desenvolvem gerando oportunidades de participação e com a respectiva expectativa de resultados.

Ao cogitar na ação como direito de agir e na defesa como jus exceptionis, assim é pertinente a parêmia de agir em juízo co o “andar de automóvel”. Quem anda é o veículo, é este que se movimenta enquanto que seus ocupantes e passageiros permanecem parados, mas se beneficiam com os movimentos do ser que se move (Perkelis).

As partes não podem ir direto ao patrimônio ou até à esfera jurídica do adversário, mas beneficiam-se com o que faz o juiz. No direito processual contemporâneo científico, só é cabível associar a ação às técnicas processuais de concessão da tutela jurisdicional, daí a ação ser cognitiva ou executiva.

É verdade que no processo de conhecimento, concede-se a tutela de naturezas variáveis, conforme as diversas espécies de sentenças, a saber, condenatória, constitutiva ou meramente declaratória.

Cogita-se ainda na ação mandamental que tende a obter comandos mediante a sentença de idêntica denominação. Ou ainda mediante medidas urgentes, de natureza cautelar.

Também defesas variam conforme os resultados a obter.São de mérito aquelas sentenças que visam obter a rejeição da demanda do autor, e se resolvem em autênticas demandas de tutela jurisdicional plena ao réu.

As defesas de mérito são direitas ou indiretas conforme consintam em negar os fatos alegados na demanda inicial ou as conseqüências jurídicas pleiteadas pelo autor, ou invocar fatos novos capazes de influir na existência do direito material do autor (art. 326 CPC).

São processuais as defesas que invocam regras e efeitos relacionados com o processo tais como a carência de ação, a incompetência relativa, nulidades e, etc. Todas as defesas processuais são indiretas, pois que não atacam a situação de direito material nem se destinam a obter para o réu uma sentença favorável.

As exceções tais como jus exceptionis correspondem ao próprio direito de defesa, embora tenhamos as exceções stricto sensu onde o réu tem o ônus de alegar sob pena do juiz ser proibido de conhece-las (art. 128, in fine, do CPC).

Há exceções de mérito stricto sensu tais como prescrição, a compensação, e, ainda, as exceções processuais stricto sensu como a incompetência relativa e a suspeição do juiz.

Já as objeções são defesas que o juiz pode e deve conhecer de ofício, embora tenham também as partes litigantes faculdade de formulá-las, como a decadência, a incompetência absoluta e o impedimento do juiz.

As chamadas exceções rituais como as de incompetência relativa, suspeição e de impedimento são disciplinadas pelos arts. 112 e 304 e ss do CPC. E são assim denominadas por terem um procedimento extrínseco de autos apartados e, ainda por causar suspensão processual.

No passado, dava-se maior importância à tipificação das exceções havidas como um contraponto negativo da ação e, consistindo nas razões de direito material aptas a neutralizar o direito subjetivo.

Atualmente com ou sem tipificação legal, sempre que não ocorre alguma ponderável razão de ordem pública prevalece a garantia constitucional e o sistema judiciário está aberto a prestações de toda ordem e defesas de toda espécie.

Mas, na contestação e ao longo do curso processual conforme o caso concreto, tem o réu a faculdade de deduzir toda defesa que tiver e que não esteja tipificada – quer se trate de mérito ou processual, direta ou indireta.

O direito de defesa rege-se então pela regra da eventualidade explicitada pelos arts. 300, 301 CPC que admitem a cumulação de defesas de mérito e processuais, ou entre duas ou mais defesas processuais ou de mérito.

Porém, não é absoluta a liberdade inerente à eventualidade da defesa, pois a incoerência entre os argumentos defensivos pode configurar-se como mentiras caracterizando a deslealdade processual que por ser punida como litigância de má fé (art. 17, II do CP). Desta forma as sanções à litigância de má índole constituem os limites da eventualidade da defesa.

Uma vez citado o réu, no procedimento ordinário, terá este o prazo de quinze dias para atender ao ônus processual. O referido mecanismo é comum a todos os demais procedimentos, desde que não haja expressa disposição em contrário(art.271 do CPC).

Conta-se o prazo a partir da juntada aos autos do mandado citatório, devidamente cumprido e, havendo vários demandados, o prazo computar-se-á para todos a partir da juntada do último mandado citatório efetivamente cumprido art. 241, III com a redação dada pela Lei 8.710/(93).

O prazo de resposta é comum, mesmo havendo litisconsórcio passivo (art. 298 CPC), à exceção de quando tenha os réus procuradores diferentes, caso em que se fará a contagem em dobro (art. 191 do CPC). Porém, trata-se de simples prorrogação de prazo e, não de concessão a maior. Daí conceder-se a prorrogação do prazo nas hipóteses de estares diferentes procuradores habilitados nos autos, e, antes do vencimento do prazo comum.

A resposta do réu será sempre por escrito, no rito sumário. Diferentemente no sumário onde a defesa é produzida em audiência e poderá ser oral (art. 278 CPC) se bem que será reduzida a termos por ordem do juiz. Deverá a defesa ser juntada aos autos e, pelo menos, protocolada em cartório até o último dia do prazo.

A simultaneidade da contestação e reconvenção é mesmo imprescindível e orienta-se pelo princípio da eventualidade. As respostas do réu então poderão consistir em contestação, exceção e reconvenção. E ainda, como entendem alguns doutrinadores (Nery et Nery, CPCComent.), a ação declaratória incidental.

A exceção de incompetência refere-se sempre a relativa, pois a absoluta é matéria preliminar de contestação conforme art. 301, II CPC, e como é matéria de ordem pública poderá o juiz reconhece-la de ofício a qualquer tempo e instância.

Já a exceção de suspeição poderá ocorrer antes ou depois da contestação, deve ser oferecida até em quinze dias depois de conhecido o fato. Muito difere da exceção de impedimento do juiz que corresponde novamente a matéria de ordem pública e, poderá ser argüida a qualquer tempo e instância, tenha ou não o réu suscitado, já que acarreta a nulidade absoluta do feito e, deve ser reconhecida, haja ou não alegações.

A ação declaratória incidental interposta pelo réu (art. 5 CPC) dentro do prazo da contestação, desde que o réu pretenda que a coisa julgada material atinja a questão prejudicial (art. 470 CPC).

Diferem as exceções substanciais das simples objeções, em razão do direito antigo, pois as primeiras deverem ser as primeiras a serem argüidas sob forma de exceção: exceptio praescriptionis, exceptio non adimplenti contractus, exceptio rei venditae e traditae.

Não se confundem questões de fato com as objeções e exceções substanciais assim como também não se confunde a revelia com seus respectivos efeitos.

A não manifestação precisa sobre os fatos narrados na exordial e, a revelia acarretam a presunção iuris tantum do que foi alegado pelo autor em se tratando de direitos disponíveis. Deixando o réu de atender ao ônus da impugnação especifica, a melhor doutrina segundo Cândido Rangel Dinamarco opta por não reconhecer revelia, principalmente quando o réu apresentar outra defesa de mérito, verbi gratia, a reconvenção (art. 315 CPC).

Apesar do nosso CPC silenciar sobre a distinção entre contumácia e revelia, é certo que a revelia se caracteriza pela ausência de impugnação dos fatos, em sua máxima amplitude.Ocorre a preclusão para à defesa do réu com a prática de ato incompatível, com o escoamento fatal do prazo e, com sua apresentação. Em tais não mais se admite qualquer alegação contestatória.

A lei abre três exceções ao princípio de preclusão da defesa, permitindo ao demandado fazer novas alegações, mesmo após a contestação, e depois do prazo em que esta pode ser apresentada.

A primeira exceção é referente ao direito superveniente que pode incluir não só questões de direito como as de fato desde que o réu comprove que não o fez ao tempo da contestação por motivo de força maior.

Através de J. J.Calmon de Passos que tal permissão surge em analogia ao art. 517 do CPC. Se ocorrer também matéria processual ou à ação que pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, podendo também o réu alega-la a qualquer tempo.

Ou ainda, em razão de interesse público, ou quando ocorre a prescrição (art.193 do CC/2002) Apesar de que a tardia alegação sempre provoca as sanções previstas do art. 22 do CPC.

O direito de defesa é decorrência das vinculações criadas pelo exercício do ius actionis Calamandrei ressalta que há na ação sempre o caráter bilateral, uma vez que o pedido que é exposto na ação, importa em providência que irá interferir na esfera jurídica de outra pessoa.

Assim o direito de defesa é um óbvio corolário do due process of law, como observou Couture equivale à devida defesa em juízo. Opondo-se ao autor, pede o réu ao juiz que desatenda ao pedido deste, garantindo-lhe assim a intangibilidade de seus interesses e do status libertatis.

A defesa já encontra o processo em andamento, sendo que o réu ao defender-se, pode pedir que se estanque o processo, para assim desvincular-se da sujeição ao imperium do Estado.

Sem exercício da ação não há processo, e sem este não há o direito processual de defesa. Porém, se a defesa não for exercida, isto não torna inexistente a ação e tampouco o processo. Evidentemente o conteúdo e modo de exercício da defesa variam conforme a natureza da ação proposta.

É claro que o presente artigo pretende tão-somente expor em linhas gerais a importância do direito de defesa, mas, sobretudo dar-lhe uma expressão contemporânea de efetividade tanto do devido processo legal como do contraditório no Estado de Direito.


Referências

DINAMARCO, R. Cândido.Instituições de Direito Processual Civil volumes I, II e III, 4,a. edição, 2004. São Paulo, Editora Malheiros.

SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de direito processual volume 1, 2, 3 ., 1O ª edição, ver. atual. São Paulo, Saraiva, 2003.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de direito processual civil, 2o. volume,23a. ed. Ver.atual., 2004, São Paulo, Editora Saraiva.

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