3 de abr. de 2018

Alegações finais em caso de homicídio culposo. Superveniência de causa relativamente independente.

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ______________, ESTADO DE _________________




Processo nº________________________

                                            _________________________________, já devidamente qualificado nos autos, vem respeitosamente à presença de V. Exa., por meio de sua defesa técnica, apresentar ALEGAÇÕES FINAIS na forma de memoriais, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor:

DA SÍNTESE FÁTICA
O acusado está sendo processado pela suposta prática de homicídio culposo no trânsito (artigo 302, parágrafo único, IV, da Lei nº 9503/1997), tudo conforme narrado na r. denúncia.
Encerrada a instrução criminal, o representante do Ministério Público, em suas alegações finais, pleiteou pela condenação do réu nos termos da denúncia.
Sem razão, contudo.
De uma análise detida das provas e elementos de informação colhidos durante toda a instrução, a única conclusão a que chega é pela necessidade de absolvição do acusado.
Interrogado (fls. 173/176), o acusado mencionou que estava a 40 km/h quando passou sobre o quebra-molas. Disse que freou assim que passou com as rodas dianteiras sobre o obstáculo, e perguntou se algum passageiro havia se machucado. Os passageiros deram risada e o mandaram continuar. Após o ônibus parar ele e o cobrador novamente perguntaram aos passageiros se tudo estava bem, e não houve qualquer reclamação.
Inquirida a testemunha XXXXXX (fls. 168/170), colega de trabalho da vítima e que estava no ônibus quando do incidente, disse que esta já não estaria bem de saúde assim que desceu do circular. Todavia, questionado por este d. juízo se a vítima teria caído ao solo quando do solavanco, a testemunha afirmou que não, que na verdade ele subiu e desceu no próprio banco. Disse que no dia seguinte encontrou novamente a vítima, que disse que não estava boa pois havia passado a noite vomitando sangue. Então foram ao hospital mas não conseguiram atendimento pois seria necessário o pagamento de R$ 150,00. Posteriormente, ficaria sabendo pela filha da vítima que esta teria tido o baço e o intestino perfurados. Questionado sobre a sinalização no local, respondeu: “Tem, mas à noite será que o motorista vê?”. Ainda mencionou que no dia dos fatos não foram reclamar ou brigar com o motorista.
Já a testemunha XXXXXXXXX (fls. 171/172), esposa da vítima, em juízo afirmou que chegou a leva-la até o hospital onde fez exames e nada fez constatado. Posteriormente, diante da ausência de melhora, a filha do casal pagou uma consulta na Santa Casa onde se constatou o problema, sendo a vítima operada, mas vindo a falecer posteriormente.
Mais detalhado e revelador foi seu depoimento na fase inquisitiva (fls. 07), em que a testemunha esclarece que primeiramente levou a vítima ao hospital São Francisco, onde ela foi medicada, mas sem melhora. Disse que passados dois dias levou o Sr. XXXXX ao hospital das clínicas onde ele teria ficado mais dois dias sem que fosse constatado o motivo de seu mal-estar. Após isso, sua filha teria pago consulta na Santa Casa quando então constataram a perfuração de órgãos internos, sendo que já estava com infecção generalizada, vindo a falecer após ser submetido a cirurgia.
Também importantíssimo o depoimento prestado pela testemunha XXXXXXXXX (fls. 10/11), filha da vítima. Ela esclarece que no dia 25/05/2011, dia seguinte aos fatos, recebeu telefonema de sua mãe, narrando o que havia acontecido com a vítima. Ela menciona que ficou sabendo que sua genitora levara a vítima para o Hospital das Clínicas, onde foi medicado. Disse que alguns dias depois, diante da inexistência de melhora, levou seu pai para consulta particular na Santa Casa, onde se constatou a gravidade de seu estado de saúde pela perfuração de órgãos internos, o que demandava intervenção cirúrgica.  Após a cirurgia, ele veio a falecer.
Há também farta prova documental, especialmente relatando o atendimento prestado à vítima (fls. 60/98), o que se mostra crucial para o desfecho do presente feito, visto que, como restará demonstrado, a responsabilização penal do acusado mostra-se descabida.

DA AUSÊNCIA DE CULPA: IMPREVISIBILIDADE DO RESULTADO
Ressalte-se que a punição a título culposo não pode ser automática, não sendo aceitável que se presuma a negligência, imperícia ou imprudência do agente. A culpa, em cada uma de suas modalidades, somente se encontra presente se preenchidos certos requisitos – o que não ocorre neste feito.
Um dos requisitos viabilizadores da imputação a título de culpa é a previsibilidade objetiva, ou seja, o resultado deve ser objetivamente previsível, consistindo naquele resultado controlável, dominável ou evitável pela prudência comum ou normal.
Segundo entendimento dominante da doutrina penal, a lei exige que o sujeito preveja tão somente aquilo que normalmente possa ocorrer, não sendo de se esperar que preveja o extraordinário, o excepcional.
Desta forma, pergunta-se: o resultado supostamente causado pelo acusado pode ser classificado como objetivamente previsível? É corriqueiro que a passagem sobre um quebra-molas sem redução de velocidade dê causa a ferimento como o sofrido pela vítima, gerando sua posterior morte por perfuração de órgãos internos? A resposta é obviamente negativa a ambas as questões.
Ausente a previsibilidade sob seu prisma objetivo, também importante demonstrar a ausência dela na sua modalidade subjetiva, identificável por meio de uma análise da previsibilidade sob a ótica específica do suposto agente delituoso, com base em seus conhecimentos, habilidades, enfim, com fulcro em suas características, aliadas às circunstâncias fáticas concretas.  E nesta hipótese, também inviável a responsabilização do acusado.
Ainda que experiente motorista profissional, o acusado não teria como prever que o fato de não ter conseguido frear antes de passar sobre o quebra-molas geraria evento tão especificamente danoso. Solavancos, freadas, enfim, movimentos bruscos no trânsito são absolutamente corriqueiros, e a esmagadora maioria das pessoas já passou por situação semelhante à da vítima dezenas, senão centenas de vezes, sem qualquer consequência ou dano, o que evidencia o quão excepcional, raro, e extraordinário o evento objeto do presente feito. Em suma, embora indiscutivelmente trágica, a forma como se deu a morte da vítima não teria como ser prevista por nenhum motorista profissional ou por qualquer pessoa. Trata-se de verdadeiro caso fortuito, tragédia que não pode ser automaticamente imputada ao acusado.
Sobre o tema, ensina Guilherme de Souza Nucci:
Ausente a previsibilidade, afastada estará a culpa, pois não se exige da pessoa uma atenção extraordinária e fora do razoável. O melhor critério para verificar a previsibilidade é o critério objetivo-subjetivo, ou seja, verifica-se, no caso concreto, se a média da sociedade teria condições de prever o resultado, através da diligência e da perspicácia comuns, passando-se em seguida à análise do grau de visão do agente do delito, vale dizer, verifica-se a capacidade pessoal que o autor tinha para evitar o resultado.”  ( Manual de Direito Penal – 2ª Edição – RT – São Paulo, 2006. p. 217/218) (g.n.)
Logo, ao contrário do que sustenta o Ministério Público, não houve culpa na conduta do acusado, sendo que o resultado não pode a ele ser imputado, pois do contrário se daria margem à conclusão de que todo e qualquer acidente automobilístico ocorrido automaticamente desemboca na promoção de ação penal e condenação do acusado, porquanto todo acidente seria previsível, em clara oposição à dogmática penal, que nos traz importantes subsídios para o estudo dos delitos culposos. 
Neste sentido, as seguintes ementas:

No âmbito do Direito Penal, o ponto nuclear da culpa, é a previsibilidade, consistente na possibilidade de ser antevisto o resultado em condições normais do homo medius. O motorista que dirige com prudência e cuidado exigível, vindo a atropelar pedestres que, inopinadamente, surgem dentre veículos, não age com culpa punível, por ausência absoluta de previsibilidade. O pedestre que, imprevistamente, atravessa a via pública com imprudência e sem qualquer dever de cuidado, vindo a ser atropelado, age com culpa exclusiva, afastando a culpa do motorista, por falta de absoluta previsão. Por força do Princípio da Confiança, criação da jurisprudência alemã, fundamental em matéria de circulação de veículos, o usuário do caminho tem direito a contar que os demais se comportem igualmente de maneira correta, inclusive os pedestres, observando as normas de trânsito (TAPR – AC – Rel. Sérgio Mattioli – RTJE 65/213). (g.n.)

A se não interpretar com certa flexibilidade o critério de previsibilidade, informadora da culpa, em sentido estrito, no Direito Penal, jamais motorista algum se livrará de sanção, pois deles sempre se poderá exigir, teoricamente, redobrada cautela, com desprezo à realidade, em razão de que todo acidente é, em última análise, de possível previsão (TACRIM-SP – AC – Rel. Jarbas Mazzoni – JUTACRIM72/203). (g.n.)

O crime culposo advém de descumprimento da obligatio ad diligentiam, isto é, da não observância da medida de direção finalista imposta na vida social para evitar lesões de bens jurídicos. Todavia, essa obligatio ad diligentiam está confinada nos limites do que é razoavelmente previsível. Não descumpre, assim, a esse dever de diligência objetiva quem devesse empregar excepcional atenção para poder prever e evitar o dano resultante de sua conduta. Não há confundir o dever de prever com o poder de previsão, este só exigível de criaturas de aptidões extra-sensoriais. A não se interpretar com certa flexibilidade o critério da previsibilidade informadora da culpa em sentido estrito, jamais acusado algum se livraria da sanção, pois dele se poderá sempre exigir, teoricamente, redobrada cautela com desprezo à realidade, visto que todo acidente é, em última análise, previsível (TACRIM-SP – AC – Rel. Carlos Roberto – JUTACRIM 85/482 e RT 606/337). (g.n.)
Por todo o exposto, ausente a figura da previsibilidade, tanto objetiva como subjetivatendo a morte da vítima ocorrido em circunstâncias absolutamente excepcionais, não há como se imputar o resultado ao acusadosendo de rigor a IMPROCEDÊNCIA da ação penal com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal. 

DA SUPERVENIÊNCIA DE CAUSAS RELATIVAMENTE INDEPENDENTES    
                                                                        
Ainda que se considere que o acusado agiu com culpa, o resultado morte não pode a ele ser imputado, visto que outras causas contribuíram para que ele ocorresse.
Como se nota na prova dos autos, após o solavanco, o acusado questionou aos passageiros se todos estariam bem, não recebendo resposta – e no caso, não seria obrigado a imaginar que alguém teria se ferido com tamanha gravidade por fato tão corriqueiro – o que inviabilizou qualquer possibilidade de socorro por parte do acusado.
Outra questão: a prova produzida nos informa que a vítima ficou muito tempo sem socorro adequado, e tanto é assim que somente veio a óbito cerca dez dias após os fatos. Pelo que se nota dos depoimentos prestados, a vítima foi atendida por duas vezes antes do diagnóstico definitivo, sendo que seu quadro se agravou em razão da demora na identificação de seu problema.
A viúva, Sra. XXXXXXXXXXXX, informou que a princípio levou a vítima ao hospital XXXXXXXXX, onde ela foi medicada, mas sem melhora. Após dois dias levou o Sr. Elias ao hospital das clínicas onde ele teria ficado mais dois dias sem que fosse constatado o motivo de seu mal-estar.  Somente após isso sua filha teria pagado consulta na Santa Casa, onde, de forma tardia, acabou sendo identificado o problema de saúde de que padecia a vítima.  Quanto a esta última providência, interessante salientar que a filha da vítima afirmou que buscou a consulta na Santa Casa alguns dias depois do atendimento no Hospital das Clínicas, o que evidencia ainda mais a demora no atendimento ao Sr. Elias.
A prova documental também atesta a demora no atendimento e diagnóstico, afastando ainda mais qualquer possibilidade de responsabilização do acusado.  
Os documentos de fls. 60 a 98 mostram que a vítima deu entrada no Hospital das Clínicas em 27/05/2011, três dias após os fatos, relatando sua situação. E como se nota, no documento de fls. 63 e 63-v o relatório médico (datado de 27/05/2011) levanta a suspeita de apendicite, a despeito de o trauma ter sido relatado no documento de fls. 61.  Ainda pelo que consta, na manhã de 28/05/2011 o paciente não teria sido encontrado.
Mais trágico e revelador é o laudo de fls. 64, datado de 30/05/2011, pois traz o resultado de um exame a que foi submetida a vítima quando internada (ecografia abdominal) sem que qualquer anormalidade tivesse sido detectada. Inclusive, atesta normalidade do intestino, órgão que na verdade teria sido perfurado, gerando posterior a infecção generalizada e morte.
A situação torna-se dramática a partir dos documentos de fls. 65/67, datados de 02/06/2013, que relatam encaminhamento da Santa Casa ao Hospital das Clínicas narrando que o paciente se encontraria com abdômen agudo perfurativo, em situação de choque séptico. Tal situação, como se sabe, se mostraria irreversível, levando à trágica morte do Sr.XXXX.
Uma superficial análise da dinâmica fática acima apresentada conduz à lógica conclusão de que o resultado morte não pode ser imputado ao acusado, visto que uma série de causas supervenientes contribuiu decisivamente para este desfecho. Em síntese:
- Por primeiro, a demora no socorro à vítima. Os fatos se deram em 24/05/2011, com a morte ocorrendo em 03/06/2011, cerca de dez dias depois. Ou seja: um atendimento célere e eficaz poderia certamente ter impedido tal resultado.
- A esposa da vítima sustenta que teria levado o marido ao Hospital XXXXXX, onde teria sido medicado, mas sem melhora. Apenas dois dias depois é que a vítima foi levada ao Hospital das Clínicas (informação compatível com o registro de entrada do paciente em 27/05/2011), onde ainda assim não houve êxito no diagnóstico do paciente.
Consta que o paciente não teria sido encontrado no Hospital das Clínicas já na manhã de 28/05/2011, certamente por ter deixado o local. Todavia, somente em 02/06/2011, cinco dias após o atendimento pelo Hospital das Clínicas, é que a vítima e seus familiares buscaram novo socorro em razão da ausência de melhora, pagando consulta na Santa Casa (o que se comprova pelo encaminhamento de fls. 67, datado de 02/06/2011) e culminando na posterior e emergencial internação, novamente no Hospital das Clínicas, onde a vítima viria a óbito em 03/06/2011.
Portanto, ainda que se admita que o acusado tenha, na cadeia causal, sido responsável pelo fato inicial (solavanco do ônibus que teria gerado a lesão no intestino), o resultado MORTE NÃO PODE A ELE SER IMPUTADO, visto que uma série de fatores posteriores contribuíram decisivamente para sua ocorrência (demora na busca por socorro; erro de diagnóstico; etc..).
Evidência muito clara disso é que a morte da vítima se deu cerca de 10 dias após os fatos, o que leva à conclusão de que seu quadro não era originalmente tão grave, e poderia ter sido revertido se corretamente tratado. Como isso não ocorreu, a demora no socorro, e a ausência de um diagnóstico inicial correto, contribuíram para o agravamento do quadro clínico, consistente na infecção generalizada decorrente da perfuração do intestino. Os laudos atestam a presença de fezes na cavidade abdominal, decorrente da perfuração intestinal, havendo grande extensão de necrose e do processo supurativo. Sabe-se que mesmo uma lesão de menor gravidade na cavidade abdominal – como uma úlcera supurada, por exemplo – pode gerar processo infeccioso se não tratada com celeridade. No caso presente, o grande lapso temporal decorrido desde os fatos até a morte da vítima confirma esta premissa.
Como se vê, está-se diante de causas relativamente independentes supervenientes que POR SI SÓ produziram o resultado morte, e portanto devem excluir a responsabilidade do acusado. É o que determina o artigo 13, §1º, do Código Penal:
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Superveniência de causa independente
§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.
Causa superveniente relativamente independente é aquela que se dá após a conduta do agente, mas que com ela tem ligação.
Ensina Rogério Greco que “as causas supervenientes relativamente independentes têm uma particularidade: o resultado somente poderá ser imputado ao agente se estiver na mesma linha de desdobramento natural da ação; caso contrário, quando a causa superveniente relativamente independentes, por si sóvier a produzir o resultado, pelo fato de não se encontrar na mesma linha de desdobramento físico, o agente só responderá pelo seu dolo. Isso porque há um rompimento na cadeia causal, não podendo o agente responder pelo resultado que não foi consequência natural da sua conduta inicial”. (Curso de Direito Penal. vol. I. 15ª Ed. Impetus: Niterói, RJ. p.228) (g.n.)
De uma análise de toda a prova dos autos, esmiuçadamente resumida acima, constata-se que a morte da vítima não se deu em razão da lesão interna em si, supostamente causada pelo acusado, mas sim pela demora na busca pelo socorro e pelo equívoco no diagnóstico inicial (médicos suspeitavam de apendicite; exame realizado em 27/05/2011 não atestou qualquer anormalidade), causas supervenientes, relativamente independentes, e que por si só causaram o resultado morte – afinal, esta não decorreu da lesão em si, mas sim do quadro de septicemia decorrente da demora no tratamento.
Diversa seria a situação, por exemplo, se a vítima tivesse vindo a óbito logo após o incidente, em razão de severa hemorragia interna. Mas isso não ocorreu. E mais: ao acusado sequer foi dada a oportunidade de prestar qualquer auxílio à vítima, visto que não foi informado em momento algum sobre o mal-estar por ela sentido logo após sair do ônibus. Não é justo que agora seja penalizado, obrigado a carregar nos ombros tão pesado fardo.
Ressalte-se que a discussão sobre a responsabilidade do acusado não pode se limitar ao ultrapassado âmbito da causalidade, sendo imprescindível, na verdade, que a análise se dê através do nexo de imputação, o que é muito diferente.  Segundo Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini, citando Claus Roxin, “se alguém lesiona outrem e esse morre posteriormente no hospital por erro médico ou inclusive por um incêndio no hospital, não obstante o lesionante é causa da morte. (...) É certo que em tais casos falta a possibilidade de imputação e, portanto de punibilidade, mas esta não é uma questão de causalidade.” (Manual de Direito Penal. 1ª Ed. Saraiva. São Paulo, 2013. p. 221).
Sobre o tema, também se manifesta sabiamente Juarez Cirino dos Santos, para quem “é importante notar que a lei brasileira considera a independência relativa do novo curso causal como excludente de imputação do resultado – e não como excludente da relação de causalidade, admitindo, portanto, a moderna distinção entre causação e imputação.” (Direito Penal: parte geral. 2ª Ed. Lumen Juris. Curitiba, 2007. p. 124) (g.n.)
Portanto, com base em todo o exposto, conclui-se que embora a conduta supostamente praticada pelo acusado se encontre na linha de desdobramento causal que culminaria com a morte da vítima, a imputação do resultado encontra-se excluída, já que o evento final foi gerado pelas circunstâncias supervenientes mencionadas. Repise-se: a morte não se deu em razão da lesão no intestino supostamente causada pelo acusado, mas sim por quadro de septicemia decorrente da absurda demora no socorro e do erro inicial do diagnóstico.
Desta forma, a ABSOLVIÇÃO se mostra de rigor, com fundamento no §1º do artigo 13 do Código Penal, devendo ser julgada improcedente a pretensão ministerial.
Caso assim não entenda Vossa Excelência, deve o acusado ser responsabilizado tão somente pelo delito de lesão corporal culposa (imputação pelos fatos anteriores efetivamente praticados, nos termos da lei).

DA DOSIMETRIA PENAL

Caso não acolhidos os pleitos absolutórios, ou caso seja o acusado responsabilizado pelo delito de lesão corporal culposa, alguns aspectos referentes à eventual pena precisam ser mencionados.
A pena-base deve ser fixada no mínimo legal, em razão das circunstâncias judiciais favoráveis. Ainda, o aumento da reincidência deve se dar em seu mínimo, compensado com a confissão espontânea, já que o acusado em momento algum nega que tenha passado sobre o quebra-molas com o ônibus.  O aumento decorrente do inciso IV do parágrafo único do artigo 302 do Código de Trânsito também se mostra suficiente no mínimo legal.
Embora reincidente, não há óbice à fixação do regime aberto, excepcionalmente admitido em algumas hipóteses pela doutrina e jurisprudência.
Finalmente, por não ser reincidente específico, faz jus à substituição da pena corporal por restritivas de direitos, nos termos do artigo 44, §3º, do Código Penal, visto que recomendável.

DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer seja julgada IMPROCEDENTE a pretensão ministerial, ABSOLVENDO-SE o acusadoseja em razão da imprevisibilidade do resultado morte por parte do acusado, seja pela superveniência de causas relativamente independentes que por si só geraram o resultado.
Subsidiariamente, em razão da superveniência de causas relativamente independentes, requer seja desclassificada a imputação, responsabilizando-se acusado responsabilizado pelo delito de lesão corporal culposa (artigo 303 do Código de Trânsito).
Ainda, em qualquer hipótese de condenação, requer seja a reprimenda fixada nos termos acima apresentados, em regime inicial aberto, com substituição da sanção corporal por restritivas de direitos.
(Local e data).

Advogado ou Defensor Público

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