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20 de out. de 2023

Direito digital: o que é, importância e áreas de atuação

Apostar no direito digital pode ser uma boa ideia para profissionais que pretendem se colocar no mercado enquanto peritos de um nicho específico do direito que não se encontra exaurido e que tende a crescer cada vez mais.

Com um relacionamento cada vez mais inseparável entre a tecnologia e a vida humana como um todo, cresce também a necessidade de regulamentar as relações entre as pessoas e a internet. É nesse meio que nasce o direito digital.

Este artigo, portanto, tem como propósito apresentar o ramo do direito digital, sua importância no contexto atual do Brasil e do mundo e o que os advogados que pretendem se especializar na área podem esperar dela para suas carreiras profissionais e para o futuro.


O que é direito digital?

O direito digital é um ramo do direito que tem como objetivo proporcionar as normatizações e regulamentações do uso dos ambientes digitais pelas pessoas, além de oferecer proteção de informações contidas nesses espaços e em aparelhos eletrônicos.

Trata-se, portanto, de um ramo bastante novo do direito, uma vez que lida diretamente com o uso da tecnologia, em particular da internet e dos meios digitais.

Uma vez que a tecnologia e o uso da internet são cada vez mais interconectados com todas as relações humanas, o direito digital se torna cada vez mais relevante para a proteção das informações das pessoas, além de se tornar, ao mesmo tempo, uma área cada do direito cada vez mais importante e frutífera.

Com a era digital e com a informatização das coisas, surge no meio desse desenvolvimento um problema natural: onde há mais tecnologia, há também mais riscos de ataques virtuais, roubo, vazamento e destruição de dados e hackeamento de informações relevantes para pessoas, empresas e governos.

A criação de normas e procedimentos para a proteção das pessoas atacadas e a punição de condutas que prejudiquem terceiros digitalmente, portanto, é um caminho também natural a seguir seguido.


Leis do direito digital brasileiro

O Brasil ainda possui pouca legislação voltada especificamente ao direito digital, mas podemos citar três leis que foram aprovadas nos últimos dez anos e que foram fundamentais para a consolidação desse ramo do direito no país: a Lei Carolina Dieckmann (lei nº 12.737/2012), o Marco Civil da Internet (lei nº 12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (lei nº 13.709/2018).

Veremos, abaixo, um pouco de cada uma dessas três legislações, compreendendo o que elas trazem, suas aplicações e o que elas mudam no âmbito do direito digital brasileiro.


Lei Carolina Dieckmann

A Lei Carolina Dieckmann, como é informalmente conhecida a lei nº 12.737/12, traz em seu texto a tipificação de crimes informáticos, alterando o Código Penal de acordo.

Ela traz penas para crimes como invasão de aparelhos eletrônicos, interrupção de serviços digitais ou de conexão, falsificação de documentos ou de cartões de crédito ou débito.

A lei traz esse nome informal por ter sido aprovada no mesmo ano em que a atriz teve fotos e conversas íntimas vazadas por uma pessoa que havia recebido aparelhos eletrônicos dela para conserto.


Marco Civil da Internet

O Marco Civil da Internet, garantido pela lei nº 12.965/14, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, além de estipular diretrizes para a ação do Estado dentro das redes.

A legislação traz temas importantes sobre como a internet deve ser utilizada em território nacional, preservando valores como liberdade de expressão, neutralidade e privacidade.

Ela estabelece critérios de direitos e deveres de usuários, além de trazer regras para a manutenção da privacidade dos mesmos por terceiros, como provedores de serviços de internet e demais empresas.
Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)

Por último, temos a Lei Geral de Proteção de Dados, criada a partir da lei nº 13.709/18. Essa é provavelmente a lei que atualmente é a mais relevante dentro do campo do direito digital.

Como o nome já traz, essa lei tem como objetivo específico resguardar os dados pessoais de pessoas e empresas que estão dentro da internet, conforme aponta o seu artigo 1º:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.”

Essa lei traz um impacto enorme nas relações comerciais de empresas que utilizam os dados das pessoas para prospecção de clientes, uma vez que garante maior transparência das empresas com o público, mostrando como utilizam dados pessoais dos indivíduos.

A proteção de dados é uma das discussões mais relevantes a respeito do direito digital no mundo inteiro. Ter uma legislação específica para essa proteção, que garante maior transparência na manipulação desses dados pelas empresas, foi um passo fundamental para a área no Brasil.


Qual a importância do direito digital?

A grande maioria das informações de pessoas, organizações e governos do mundo inteiro está contida atualmente na internet.

A Era Digital é uma realidade que engloba a maior parte do mundo, onde a continuidade da economia e das sociedades está intrinsicamente à rede mundial de computadores.

Dado esse fato, a criação de normas e regulamentos que protegem juridicamente essas informações e as relações que elas têm entre si e com outras pessoas se mostra cada vez mais fundamental para a segurança da sociedade e de suas organizações.

O direito digital, portanto, se mostra uma área não só fundamental para a continuidade da evolução tecnológica e sua coabitação com o desenvolvimento humano, mas também crítica para a proteção desses dados e informações valiosíssimos para esses grupos.

Embora o direito brasileiro ainda tenha que evoluir bastante no que se diz ao direito digital, as legislações sobre o tema, que começaram a surgir na última década, são um testamento de que esse ramo do direito tende a se desenvolver e ser cada vez mais presente na vida dos profissionais do direito.


O que faz um advogado da área?

Como apontamos anteriormente, com a evolução e a presença cada vez mais unânime dos meios digitais na vida das pessoas, é necessário estabelecer uma série de parâmetros e normativas que regulamentem essa relação com a tecnologia e que protejam as pessoas de ataques virtuais.

O advogado que se especializa em direito digital, portanto, é o responsável por fazer a representação legal de pessoas que precisam dessa proteção em âmbito jurídico, seja de forma ativa (por meio do processo), seja de forma passiva (por meio de consultorias).


Quais são as áreas de atuação do direito digital?

Como toda a área do direito, o direito digital apresenta ao advogado uma vasta possibilidade de atuações distintas.

A parte mais importante é que o direito digital é uma área nova, que se encontra em constante expansão e necessidade de pessoas especializadas.

Dessa forma, não é só uma área vasta, mas também uma área fértil, que tende a crescer não só na demanda, mas também no leque de possibilidades que serão abertas no futuro para os profissionais do direito.

Abaixo, veremos quais são as áreas de atuação que o advogado que procura se especializar em direito digital pode atuar atualmente, levando em consideração a expansão desse nicho dentro das relações sociais.


Contencioso

Com informações e dados privados estando cada vez mais presentes em nossas contas online e em aparelhos eletrônicos, o vazamento e captura desses dados por terceiros é uma realidade que infelizmente assola as pessoas.

O advogado especializado na área, portanto, pode trabalhar com a representação de pessoas que foram alvos de algum tipo de vazamento ou roubo de informações pessoas de uma vítima.

A lei Carolina Dieckmann, por exemplo, é informalmente chamada dessa forma justamente por uma situação que ocorreu com a atriz, onde teve imagens íntimas vazadas por uma pessoa que ficou responsável por consertar seu celular.

Para além das causas civis, a área contenciosa do direito digital pode englobar outras áreas do direito, como o direito autoral, por exemplo. Constantemente vemos pessoas utilizando obras de terceiros na internet sem dar os devidos créditos ou se a devida permissão.


Consultoria

A relação empresarial e de direito de empresas que utilizam exclusivamente os meios digitais para as suas atuações ainda é um terreno não completamente explorado dentro do território brasileiro.

Empresas de venda online (e-commerce), YouTubers, Streamers e outras organizações que realizam suas atividades apenas pela internet precisam compreender as legislações e como elas podem entrar em conflito com as atividades online.

Um e-commerce, por exemplo, precisa obedecer ainda ao Código de Defesa do Consumidor nas suas relações de venda, independente de ter uma loja física ou não.

O advogado especializado na área, portanto, pode oferecer consultoria a essas pessoas e empresas, apresentando como que a organização pode enquadrar as suas atividades com o que estipula a lei, agindo de forma preventiva.

Dentro da área de consultoria também pode entrar o sistema de compliance que empresas podem criar para estar em conformidade com o que estipula a lei.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) precisa ser implementada em organizações e trará impactos substanciais na forma com que empresas processam dados de seus consumidores e parceiros.

Dentro dessa perspectiva, a consultoria de advogados especializados em direito digital será fundamental para que as empresas possam melhorar seus processos em conformidade com que estipula a nova lei.


Processos criminais

Como já reforçamos neste artigo, a interconexão entre as relações sociais e a tecnologia criou a possibilidade de avanços surpreendentes e exponenciais na maioria das atividades humanas, mas também criou problemas que até então não existiam.

Os cibercrimes, por exemplo, são uma resposta natural ao aumento do uso da tecnologia na vida das pessoas. Vírus e malwares, hackeamento de aparelhos eletrônicos, roubo e sequestro de dados são coisas que infelizmente acontecem com muitas pessoas e empresas.

Através da lei nº 12.737/2012, muitas dessas condutas já foram tipificadas penalmente, o que faz com que a área do direito digital tenha adentrado também no direito penal.

Dessa forma, é possível trabalhar no direito digital na área criminal, envolvendo conhecimentos em direito penal e tecnologia, uma vez que parte fundamental dos crimes digitais é cometida por hackers e outras pessoas com vasto conhecimento na informática.


Contratos

Voltando aos negócios exclusivamente digitais, a proliferação dos mesmos criou outro desafio ainda não exaurido no mundo do direito brasileiro: a formatação de contratos para colaboradores, clientes, parceiros e fornecedores.

Comércios online e startups que trabalhem com tecnologia precisam de contratos que não só estejam em conformidade com que estabelece a lei, mas que também as protejam dentro do ambiente pouco regulamentado que é a internet.

Dessa forma, o advogado que deseja trabalhar com o direito digital poderá investir também na criação desses contratos, contemplando as particularidades das organizações que estabelecem suas atividades pela internet.


Compliance

Infelizmente, a maioria das empresas brasileiras não possui uma cultura de prevenção de problemas. Todavia, essa realidade vem mudando. Com a chegada das multinacionais ao país, que já possuíam protocolos de compliance vindos de sedes estrangeiras, muitas filiais passaram a contratar esse tipo de serviço jurídico.

E como a concorrência provoca, mais e mais empresas nacionais viram que vale a pena contratar serviços jurídicos preventivos, visando minimizar e evitar as consequências negativas do descumprimento da legislação.

Como o Direito Digital é uma matéria nova, muitas empresas têm dúvidas sobre quais práticas devem adotar, a fim de evitar problemas com clientes e também órgãos fiscalizadores. É aí que entra em cena a figura do advogado que conhece a legislação e auxilia a empresa na promoção de boas práticas, para evitar problemas no futuro.


Desafios do direito digital

O direito digital é um ramo do direito que apresenta diversos desafios para aqueles que desejam se especializar nele. Em primeiro lugar, é uma área do direito ainda bastante nova, fadada a passar por inúmeras mudanças e adaptações no futuro próximo.

Portanto, o advogado que pretende se especializar na área precisa estar apto a ficar a par não só das mudanças legislativas (essas mais lentas), mas também com as mudanças na tecnologia e em como as pessoas se relacionam com ela.

Com isso, o conhecimento sobre como certas atividades se desenvolvem na internet e sobre informática se faz fundamental para uma melhor compreensão de como as legislações específicas e de outras áreas impactam nesse meio.

Por último, o pouco tempo que o direito digital tem também faz com que as demandas pelo mesmo ainda não sejam altas, uma vez que a população ainda não tem plena consciência da sua existência e aplicação. Esse ponto, entretanto, tende a mudar drasticamente com o passar do tempo.


Qual o futuro do Direito Digital?

O Direito Digital ainda é um ramo do Direito em desenvolvimento. Muitas das questões que estão sendo trabalhadas na área refletem problemas que já eram regulamentados pelo ordenamento jurídico, entretanto em uma realidade totalmente off-line. Isso não significa que o Direito Digital não possua desafios pela frente, especialmente com relação a alguns temas novos que vêm surgindo, desafiando os operadores do Direito a encontrarem melhores soluções.


Proteção dos dados pessoais na economia digital

Você já fez alguma busca na internet relacionada a um determinado produto ou serviço e, mesmo sem solicitar, passou a ser bombardeado com anúncios relativos à sua procura? Pois é, parece que o tal Big Brother realmente existe e se esconde entre os bites que movimentam a web.

Entretanto, independentemente da inteligência de buscadores e logaritmos, a Constituição Federal garante o direito à privacidade, impedindo que dados e informações seus sejam vasculhados sem a devida permissão.

Com base nisso, tramitou na Câmara dos Deputados Projeto de Lei (PL 5276/16) deu origem à LGPD. A lei regulamenta o acesso a dados pessoais para proteger os titulares e permitir que sejam utilizados de forma ética e segura.


Internet das coisas

Outra questão que vem desafiando os operadores do Direito diz respeito à chamada Internet das coisas. Para quem não conhece, a Internet das Coisas (Internet of Things – IoT) é um ramo da tecnologia que conecta o funcionamento de aparelhos físicos com a internet visando a automação. Graças à internet das coisas, já é possível ligar o aquecedor de casa mesmo a quilômetros de distância dela. (cymbalta) Da mesma maneira, é possível substituir a mão de obra e aumentar a eficiência, utilizando esse tipo de tecnologia.

Em termos de regulamentação, entretanto, o Brasil ainda não possui leis ou regras que tratem sobre o tema. O Marco Civil da Internet, por sua vez, se mostra uma lei pouco abrangente para abordar a complexidade da regulamentação da Internet das Coisas.

Alguns órgãos como a ANATEL, por exemplo, já se manifestaram no sentido de não quererem regular o tema, pois acreditam que a regulamentação precoce pode gerar obstáculos ao desenvolvimento da inovação.

Como em qualquer outra área do direito, cabe ao advogado interessado em se especializar em direito digital o dever de se rodear de autores que falem exaustivamente sobre o tema.

Portanto, indicamos três livros sobre direito digital brasileiro para aqueles que tenham interesse em se especializar ou apenas conhecer melhor a área.

O primeiro livro é Direito Digital Aplicado, da advogada e especialista na área Patrícia Peck. No seu livro, Peck traz as principais legislações do direito digital atual no Brasil, dando exemplos práticos de suas aplicações legais.

Já o livro Fundamentos do Direito Digital, do autor Marcel Leonardl, trata dos aspectos mais relevantes da área, como regulamentação da internet, responsabilidade civil dos provedores, aprovação e remoção de conteúdo e mapeamento e comportamento de usuários.

O último livro que indicamos é Direito Digital: direito privado e internet, que possui trinta autores distintos abordando diferentes aspectos da área, dividido em três temas: situações jurídicas, proteção do consumidor e direitos autorais.

Você pode conferir também o JurisCast sobre direito digital gravado com o Dr. José Antônio Milagre, que é perito digital especialista em Dados, Informática, Propriedade Intelectual e Telecomunicações.

No episódio, o especialista aborda temas como Marco Civil da Internet, eleições presidenciais, fake news, crimes digitais e inteligência artificial.


Conclusão

Quando uma nova área se apresenta no direito, é comum que advogados procurem explorar essa área, uma vez que inicialmente há escassez de pessoas especializadas no assunto para atender possíveis clientes.

No caso do direito digital, trata-se de uma área nova, mas em constante e inevitável crescimento, uma vez que as regulamentações legislativas precisam acompanhar um cenário que muda drasticamente com o avanço da tecnologia.

Apostar no direito digital, portanto, pode ser uma boa ideia para profissionais que pretendem se colocar no mercado enquanto peritos de um nicho específico do direito que não se encontra exaurido e que tende a crescer cada vez mais.

Por Tiago Fachini

28 de abr. de 2022

Smart contracts: o que é, como funciona e aspectos legais

Se você trabalha no âmbito do Direito é muito provável que já tenha redigido, revisado ou analisado um contrato. Mas, e um smart contract?

Os contratos são um dos instrumentos jurídicos mais antigo do mundo, contudo, com o advento dos smart contracts – ou, contratos inteligentes -, muito do que sabemos como redigir e dar cumprimento a um contrato pode mudar.

Isso porque os smart contracts são escritos em linguagem de programação e possuem em seu corpo mecanismos que permitem a auto-execução de cláusulas. Mas, como isso funciona na prática?

Neste artigo, vamos entender o que são smart contracts e traremos exemplos de seu uso prático. Ao final, veremos também como fazer um smart contract válido.


O que são smart contracts (contratos inteligentes)?

Smart contract é um tipo de contrato digital, que usa tecnologia de ponta para garantir a auto execução das cláusulas, sempre que as condições contratuais previstas são atendidas.

Chamados também de contratos inteligentes, os smart contracts não são apenas redigidos em formato digital. Mais do que isso, eles usam uma linguagem de programação específica para criar um programa de execução das cláusulas – a linguagem mais comum chama-se Solidity.

Mas, você pode estar se perguntando, como o smart contract funciona na prática? Para responder essa questão, primeiro, pense em um contrato tradicional – hipoteticamente, um contrato de compra e venda.

Por meio do contrato tradicional, você estabelece que quando uma determinada coisa acontecer (a transferência da propriedade do bem, por exemplo), outra será dada em troca (a transferência do dinheiro, por exemplo).

No contrato inteligente (smart contract), a premissa é a mesma. Contudo, as cláusulas são executadas de forma automática.

Seguindo com o exemplo acima, significa dizer que, quando o programa do smart contract identifica que a transferência da propriedade do bem foi concluída (condição), ele automaticamente libera a transferência de dinheiro (ação).

Assim, o smart contract pode fornecer uma garantia de segurança adicional, não só pela auto execução, mas também porque, uma vez redigido, ele não poderá ser alterado ou fraudado.


Smart contracts são realmente “contratos inteligentes”?

Por se tratar de uma ferramenta relativamente nova no mundo jurídico, o smart contract ainda motiva uma série de dúvidas. Uma das mais comuns diz respeito à “inteligência” deste instrumento.

Afinal, os smart contracts seriam realmente “inteligentes”? A resposta que tem se consolidado para essa pergunta é positiva. Entretanto, para entender isso, é preciso primeiro compreender de que tipo de inteligência estamos falando.

No nível prático, podemos dizer que quando corretamente codificado, o programa que é base do smart contract tem a capacidade de tomar ações – isto é, executar as cláusulas do contrato. E isso é inteligência de programação.

Evidentemente, a execução dessas cláusulas pode não ser imediata. Em muitos casos, o smart contract é reativo. Ou seja, o ser humano precisa solicitar que determinada cláusula de ação seja executada.

Contudo, isso não reduz a “inteligência” do smart contract. Já que a execução automatizada respeita necessariamente as condições estabelecidas no contrato. Ou seja, o programa só executa a ação se as condições previstas estiverem completamente satisfeitas.

Assim, enquanto no modelo tradicional de contratos temos a necessidade de que seres humanos operacionalizem o que foi determinado cláusulas – o que gera a possibilidade de erros e fraudes – no contrato inteligente, isso é feito de forma automatizada.


Exemplos de utilização de smart contracts

Os smart contracts podem ser utilizados em quase todos os segmentos de atividades econômicas, para os mais diversos tipos de contratos.

Imagine, por exemplo, um contrato de exportação de grãos, no setor de agronegócio. Uma das cláusulas desse contrato diz respeito ao nível de umidade máxima dos grãos, que não pode ultrapassar o percentual de 20%.

Com um smart contract, o equipamento de aferição da umidade (conectado à internet) pode fornecer o dado ao blockchain do contrato. Digamos que a umidade aferida foi de 16%. O programa do smart contract vai, então, considerar a cláusula atendida, liberando o embarque.

Outro exemplo pode vir do setor de energia e combustível. Em 2018, um estudo entrevistou gestores de grandes companhias do mercado de gás natural no Brasil.

A pesquisa apontou que os smart contracts poderiam ser usados para automatizar a medição do gás nos pontos de entrega e recebimento, a emissão de documentos exigidos pelos órgãos de controle e até mesmo para regular a aplicação das taxas de câmbio acordadas em contrato.

Os contratos de compra e venda de gás natural costumam ser de longa duração, o que mostra o potencial dos smart contracts, mesmo para as relações contratuais mais duradouras.


O que é blockchain?

Mencionamos o termo “blockchain” acima e, talvez, você esteja se perguntando qual é exatamente o seu significado.

O blockchain é uma espécie de banco de dados descentralizado. Uma boa analogia é pensar num livro razão, que registra entradas, saídas e movimentações de patrimônio em uma empresa.

O blockchain é como esse livro razão ou livro caixa, porém não é um local único. Ele é formado por computadores do mundo inteiro, em rede. Cada máquina é um nó desse grande banco de dados.

Por isso, quando alguma informação é registrada no blockchain – como ocorre com os registros em um livro razão – aquela informação é verificada e armazenada por essas dezenas de milhares de nós.

E, uma vez registrada ali, a informação não poderá ser alterada ou modificada. Isso porque ela é guardada por meio de criptografia.

Embora o blockchain tenha surgido junto com as criptomoedas, para registrar as transações nesse universo, novos usos são acrescidos ano a ano. Os smart contracts, por exemplo, que são publicados no blockchain, representam um desses acréscimos.

Então, mesmo que você atue na área jurídica – e não no setor de tecnologia -, ainda assim, é fundamental entender o que é o blockchain. Cada vez mais, esse tipo de tecnologia fará parte da rotina jurídica.


A história dos smart contracts

Nick Szabo é considerado o grande pai do conceito de “contrato inteligente”. Ele é um jurista, e também criptógrafo, norte-americano.

Szabo falou pela primeira vez em smart contracts no decorrer da década de 1990. Na época, ele escrevia sobre o tema em seu blog pessoal.

Em 1996, ele publicou um dos primeiros artigos científicos sobre o assunto, sob o título “Smart Contracts: Building Blocks for Digital Markets”. Mas antes disso, em 1994, ele já tinha proposto uma definição para o contrato inteligente em seu site, nos seguintes termos:

“O smart contract é um protocolo de transação computadorizada que executa os termos de um contrato. O objetivo geral de um smart contract é satisfazer condições contratuais comuns (tais como pagamento, garantia, confidencialidade e até mesmo cumprimento), minimizando objeções tanto maliciosas quanto acidentais, e minimizar a necessidade de terceiros intermediários confiáveis” [tradução nossa]

Apesar de a definição de smart contracts datar da década de 1990, sua aplicação prática só se difundiu a partir da criação de plataformas blockchain. A primeira menção ao conceito de blockchain, no mundo acadêmico, se deu em 2008, no artigo “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”.

Como se vê, a criação de plataformas blockchain está intimamente ligada à ascensão da moeda virtual bitcoin. Por isso, a primeira rede blockchain de código aberto se deu apenas em 2009.

Contudo, para construir o código de um smart contract e publicá-lo na rede blockchain, mais avanços foram necessários. Fundamental para isso foi o surgimento da primeira plataforma de criação de smart contracts, a Ethereum, o que aconteceu apenas em 2014.

Atualmente, embora a Ethereum siga sendo um dos principais players do mercado, existem já outras marcas oferecendo serviços semelhantes.


Qual a validade jurídica dos smart contracts?

Questões sobre a natureza e validade jurídica dos smart contracts têm ganhado cada vez mais espaço entre pesquisadores e juristas. De fato, não há previsão específica em lei no Brasil, que regulamente esse tipo de celebração de acordo de vontades.

Contudo, como pontua a pesquisa conduzida pela Dra. Mariah Brochado Ferreira (UFMG), o Direito em âmbito internacional já publicou uma série de normas sobre o tema. É o caso, por exemplo:
  • da Lei Modelo da Uncitral sobre Comércio Eletrônico: onde se reconhece a validade e eficácia de contratos formados por mensagens eletrônicas (art. 11)
  • da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG), ratificada no Brasil pelo Decreto 8.327/14: onde se reconhece o contrato de compra e venda não-escrito, provado por qualquer meio;
  • da Convenção das Nações Unidas Sobre o Uso de Comunicações Eletrônicas nos Contratos Internacionais: onde se reconhece que a comunicação eletrônica não torna inválida a execução de um contrato (art. 8)

No Brasil, o Art. 425 do Código Civil costuma ser lembrado quando se fala em smart contracts. Tem-se ali que:

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

Portanto, pode-se dizer que os contratos inteligentes são um gênero de contrato atípico e, por isso, não estão imunes às normas que balizam todo tipo de negócio jurídico. Ainda no Código Civil, encontramos quais seriam essas normas:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

E, embora o smart contract, de modo geral, tenha condições de atender aos requisitos de validade, é fato que a ausência de lei específica ainda causa certa insegurança jurídica.

Neste sentido, desde o começo de 2022, tramita na Câmara um projeto de lei que visa modificar o Código Civil, de modo a trazer, de forma expressa, previsão legal para o uso do modelo de smart contract.


Como fazer um smart contract? Passo a passo

O contrato inteligente ou smart contract é redigido em uma linguagem de programação. Por isso, diferente do que fazemos quando explicamos como fazer uma procuração ou uma petição, aqui, não focaremos na linguagem em si – e sim, no processo de elaboração.

– Negociação

O primeiro passo de um smart contract, assim como ocorre em um contrato tradicional, é a negociação. As partes envolvidas devem discutir as condições e cláusulas, até que se chegue a um acordo de vontades.

No caso do smart contract, é importante definir exatamente quais condições precisarão ser cumpridas para que uma determinada ação ou transação aconteça.

– Redigir o contrato em linguagem jurídica

Se você é advogado, está acostumado a redigir contratos, não é mesmo? Embora os smart contracts só funcionem em linguagem de programação, redigi-los em linguagem jurídica pode ajudar a orientar o programador ou desenvolvedor que assumirá essa tarefa.

Além disso, a minuta em modelo tradicional pode ajudar você, profissional do direito, a verificar e garantir que as condições necessárias à validade de qualquer contrato – expressas, sobretudo no Código Civil – estão sendo cumpridas.

– Adaptar o contrato à linguagem de programação

Nesta etapa, os profissionais do Direito geralmente vão precisar da ajuda de programadores. São eles que vão criar os blocos de código que formam seu contrato, com base nas condições estabelecidas entre as partes.

O programador que assumir essa tarefa precisará contar com equipamentos com capacidade de processamento adequada, além de ter conhecimento em linguagens de programação e frameworks (como Solidity e Java).

Além de codificar os blocos do seu contrato, o profissional de TI pode lhe ajudar a fazer as configurações necessárias para que a plataforma utilizada para armazenar seu contrato tenha acesso aos bens ou serviços relacionados ao contrato.

Sem essa conexão, o contrato não será de fato autoexecutável, ficando o algoritmo incapaz de efetivamente bloquear, liberar ou fazer qualquer transação com os bens ou serviços que são objeto do contrato.

– Criar uma conta e carteira para interagir com as plataformas blockchain

Para registrar seu contrato numa rede blockchain, você precisará ter na sua carteira digital as criptomoedas aceitas pela plataforma blockchain que você escolheu. Fique atento, pois algumas plataformas, como a Etherium, por exemplo, tem uma criptomoeda própria.

Depois, você deve conectar sua carteira digital à rede descentralizada onde pretende publicar seu contrato. Mais uma vez, se você não tem experiência em transações com criptomoedas, é importante contar com a ajuda de um profissional especializado.

– Publicar o contrato em uma plataforma blockchain

A última etapa é a publicação do contrato em si, ou seja, o ingresso dos blocos criptografados na plataforma blockchain – e o consequente compartilhamento desses blocos com todos os nós da rede.

O blockchain e a criptografia são os mecanismos que impedem a alteração ou fraude do seu contrato. Com o smart contract corretamente publicado as cláusulas passam a valer – e podem ser executadas pelo algoritmo.

Lembre-se que, uma vez publicado, o seu contrato não poderá sofrer alterações.


Benefícios dos smart contracts para as empresas

Embora seja uma tecnologia recente, o uso dos smart contracts por grandes empresas – e também por pessoas físicas – já permite inferir alguns benefícios desse modelo.

Listamos, então, algumas das principais vantagens:

– Economia de recursos

Embora a elaboração e a publicação de um smart contract tenham custos, em grande escala, esse tipo de contrato pode representar uma economia para as empresas.

É que, com os smart contracts, você reduz os custos com papel, impressão, taxas de cartório, assinatura e armazenamento de documentos em meio físico, entre outros.

A gestão de documentos também é simplificada e você não precisará investir tanto em equipes para controlar e monitorar todo o volume de contratos.

– Agilidade

Por se tratar de um processo 100% digital, a elaboração e efetivação de um smart contract costuma ser mais rápida do que a confecção de contratos físicos tradicionais.

Além disso, como as cláusulas são autoexecutáveis, a necessidade de monitoramento ou ação humana para validar a efetivação do que foi acordado fica reduzida. Inclusive, em muitos contratos – sobretudo de transação financeira – o cumprimento do contrato é imediato.

– Segurança

A segurança das informações é, certamente, a vantagem mais lembrada quando mencionamos os smart contracts.

O principal motivo para isso é o armazenamento criptografado e em rede blockchain, que reduz significativamente a chance de fraude e modificações no contrato, uma vez que ele é publicado.

O acesso ao conteúdo do contrato por pessoas não autorizadas é outro risco quase que eliminado, por conta da criptografia. E, em tempos de LGPD, essa garantia se torna ainda mais importante.


Desafios para a implementação dos smart contracts

O primeiro desafio dos departamentos jurídicos que pretendem trabalhar com smart contracts certamente é a segurança jurídica. Como vimos, não há legislação específica sobre o tema no país, o que dá margem para uma série de interpretações legais.

Por isso, o jurídico deve estudar amplamente todas as legislações internacionais e a jurisprudência sobre o tema, a fim de estar preparado, caso haja a contestação da validade jurídica desses documentos digitais.

O segundo aspecto que merece atenção dos gestores é a integração entre os setores jurídico e de tecnologia da empresa. Sem a colaboração dessas duas áreas, é impossível operacionalizar o uso de smart contracts.

Enfim, fica evidente que esses desafios – e outros mais que possam surgir – exigem grande capacidade de adaptação por parte do jurídico corporativo.

Por Tiago Fachini