Ambas as estruturas oferecem proteção e planejamento patrimonial no exterior, mas diferem no crucial: a finalidade da alocação
A nova tributação de investimentos no exterior em discussão no Congresso Nacional pode mudar a dinâmica de aplicações de brasileiros lá fora, mas não acabar com a prática de vez. Segundo especialistas consultados pelo InfoMoney, a decisão de criar ou não uma offshore ou trust irá variar caso a caso. Mas, qual estrutura é a melhor?
Os investimentos diretos no exterior por brasileiros somavam US$ 474,1 bilhões em 2021, segundo os dados mais recentes do Banco Central (BC), divulgados em março de 2023. Trata-se do maior valor já registrado e representa um avanço de 5,8% em relação a 2020.
Os paraísos fiscais – países que têm vantagens tributárias para pessoas físicas e empresas – são os principais destinos deste capital. Conforme os dados do BC, dentre os cinco países que detêm o maior volume financeiro vindo do Brasil, três são paraísos fiscais: Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas.
O trio somou 46,2% do total registrado de investimentos de brasileiros no exterior em 2021, equivalente a US$ 199,76 bilhões. Grande parte desse dinheiro está alocado em empresas offshore chamadas de PIC (Private Investment Company), sediadas nesses países.
“Existe um preconceito muito grande no Brasil com empresas offshore e paraísos fiscais porque são estruturas que foram utilizadas para atividades ilegais”, diz Alexandre Arregui, advogado especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório. “Mas não é ilegal ou ilícito ter uma offshore, desde que se cumpra as regras da Receita Federal.”
Segundo Arregui, atualmente existe um intercâmbio de informações entre países muito maior do que no passado, de modo que há mais transparência e confiança em manter uma empresa no exterior para usufruir de vantagens tributárias.
Mas não são somente os impostos baixos ou nulos que são atrativos em empresas offshore. A companhia sediada no estrangeiro também oferece blindagem e proteção patrimonial contra riscos políticos e cambiais, além de mais facilidade para o planejamento sucessório de bens.
Uma PIC pode ser constituída por uma pessoa física ou jurídica para fazer negócios e/ou investir no exterior. É possível investir em Bolsa (ações, fundos, REITs, renda fixa), imóveis (patrimônio físico), private equity (startups) e outros bens, como peças de arte, veículos de luxo e outros.
Trust
Outra estrutura para gestão de patrimônio no exterior que é bastante associada às offshore é a trust. A trust é um acordo em que o dono do patrimônio passa os seus bens para uma terceira pessoa administrar segundo regras previstas em contrato.
Trust não é um investimento e não tem como função principal ser uma estrutura para investimento. Essencialmente, a trust é constituída para planejamento patrimonial. O acordo é firmado entre três partes:
- O dono do patrimônio (settlor) que institui a trust;
- Administrador e distribuidor dos bens (trustee);
- Beneficiários (beneficiary)
Ao firmar uma trust, o dono do patrimônio concede os seus bens para o trustee e deixa de ter controle sobre o patrimônio. Se a trust estabelecida for revogável, é possível retomar a posse dos bens no prazo determinado em contrato. Porém, se for irrevogável, somente os beneficiários terão direito àquele patrimônio.
“Esta é uma diferença crucial entre trust e PIC. Ao firmar a trust, você concede o controle dos seus bens ao trustee, que irá gerir segundo as regras do acordo. Na PIC, você ainda é dono e tem todo o controle do patrimônio daquela empresa”, diz Alessandro Fonseca, sócio de Gestão Patrimonial, Família e Sucessões do Mattos Filho.
Por ser um contrato firmado entre o settlor e o trustee, a trust possui muita flexibilidade em relação às suas cláusulas. É possível estabelecer uma série de regras em relação à administração do patrimônio. Por isso, o uso mais comum é para o planejamento sucessório.
“É possível colocar regras para distribuição aos beneficiários. Porcentagem para cada um, idade ou outra imposição para liberar os bens, pagamento de rendimentos mensais. São muitas opções que a legislação brasileira não concede”, diz Siqueira, da Portofino.
Custos e impostos
Offshores e Trusts são concebidos em paraísos fiscais para ter vantagens tributárias. Segundo a legislação brasileira, paraísos fiscais são países que não tributam a renda ou que têm impostos inferiores a 20% – valor menor do que o teto do Imposto de Renda brasileiro, de 27,5%.
As Ilhas Virgens Britânicas, um dos paraísos fiscais listados pela Receita Federal, não cobram nenhum imposto sobre renda, ganhos de capital, herança e doações. A única cobrança é uma taxa anual do governo, a partir de US$ 925 (R$ 4,45 mil).
Para brasileiros que têm PICs, atualmente, os lucros são tributados apenas quando distribuídos ou creditados, no exterior ou no Brasil. Se não há movimentação ou o lucro é reinvestido, o valor fica livre de imposto. Entretanto, está em tramitação no Congresso um projeto de lei que visa mudar essa forma de tributação.
No caso da trust é mais complicado. A trust não está prevista na legislação brasileira. Ela é uma estrutura de países que herdaram as leis anglo-saxônicas, enquanto o Brasil importou as regras romanas. Existem projetos de lei com propostas de regulamentação, mas, atualmente, não há um entendimento jurídico definido.
Isso gera insegurança em relação à tributação aplicável no momento da distribuição do patrimônio para os beneficiários. Segundo Fonseca, há duas possíveis leituras jurídicas: como herança, em que o imposto pode incidir em até 8% (a depender do estado); ou como renda, com cobrança de até 27,5% de imposto pela Receita Federal.
Em termos de custos iniciais, abrir uma trust ou uma offshore varia entre 50% e 100% do valor da manutenção anual. Já as anuidades variam entre US$ 2 mil e US$ 4 mil para uma PIC e de US$ 10 mil a US$ 15 mil para uma trust.
Offshore ou Trust?
Fonseca, do Mattos Filho, afirma que uma trust não é a melhor estrutura para quem está interessado somente em investir no exterior. “É uma estrutura cara de se manter, muita complexa de instituir e que oferece riscos para quem está no Brasil, porque não tem uma regulamentação própria”, diz.
Se o objetivo é investir no exterior, entre trust e offshore, Fonseca afirma que a segunda é uma escolha mais adequada, mas ressalta que somente vale a pena se o tamanho do patrimônio puder arcar com os custos e ainda assim obter lucro.
Segundo o relatório do Banco Central, cerca de 70% das pessoas que fazem investimento direto no exterior detêm entre US$ 1 milhão e US$ 10 milhões de patrimônio. Os especialistas indicam que o valor mais adequado seria a partir de US$ 500 mil (R$ 2,4 milhões).
“Atualmente há contas internacionais que permitem um acesso amplo a investimentos internacionais para valores de patrimônio menores”, diz Fonseca. “A estrutura de offshore faz sentido para volumes financeiros muito altos e outras formas de patrimônio, como imóveis.”
Mudança nos impostos
Aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados, o projeto de lei dos fundos exclusivos e offshores (PL 4.173/23) deve mudar a tributação desses investimentos. Para virar, o texto ainda deverá passar pelo Senado e, depois, por sanção Presidencial.
Entre as propostas voltadas para offshores, está a mudança da cobrança apenas na distribuição de lucros para um recolhimento anual (come-cotas), com alíquota fixa de 15%.
Estará sujeita à mesma alíquota a variação cambial do investimento que for trazido para o Brasil quando a aplicação for liquidada. Ou seja, quando o capital principal do investimento voltar para o Brasil e for convertido para reais, o investidor terá que pagar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) da conversão e os 15% da variação cambial sobre o investimento.
Outra mudança será na introdução do conceito de renda passiva para classificar as offshores que se enquadram para aplicação do imposto. O texto prevê que as PICs que tenham mais de 40% do seu lucro em renda passiva (juros, dividendos, royalties, aluguéis, ganhos de capital e outros) estarão sujeitas à nova tributação.
Nem todas as offshores poderão ter o mesmo tratamento. Pelo texto aprovado na Câmara, apenas as PICs com sede em paraísos fiscais passariam a ser obrigadas a entregar balanço seguindo as regras de contabilidade brasileiras. As demais, sediadas em outros países, poderiam continuar acompanhando a norma local.
“É uma medida importante, porque existem casos de países que têm normas muito diferentes das brasileiras. Como a maioria das offshores está sediada em paraísos fiscais, grande parte dos balanços vai ter que seguir a contabilidade brasileira”, explica Leonardo Freitas de Moraes e Castro, advogado e sócio do VBD Advogados.
O PL segue para análise do Senado Federal. Se aprovado por lá e for sancionado pela Presidência, a nova tributação teria efeito a partir de 1º de janeiro de 2024, com aplicação da declaração de imposto de renda de 2025. Para antecipar a arrecadação, a proposta prevê uma alíquota menor, de 8%, para atualização dos ganhos até aqui.
No caso das trusts, o PL 4.173/23 não traz grandes mudanças. No entanto, Castro aponta que as mudanças gerais serão aplicadas também a esses veículos, incluindo alíquota de 15%, a variação cambial para repatriação dos valores e a taxa de 8% para atualização dos bens.
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